Qual o legado da Copa em Natal?

Wendell de Oliveira Souza
Graduando em História/UFRN

Discutindo o legado da Copa do Mundo em Natal, dissemos anteriormente que as obras, principalmente de mobilidade urbana, só ficarão prontas – e muitas ainda serão construídas – algum tempo depois que a competição já tiver se encerrado. Paralelo às críticas de priorização dos recursos públicos utilizados na construção dos estádios, outro conflito se formou nestes sete anos: a luta pela memória histórica. Das doze cidades-sede escolhidas para receber os jogos, Natal/RN foi uma das sedes que “ganhou” um estádio novinho em folha, grama e concreto. Porém, a construção da Arena das Dunas, substituta do estádio “Machadão”, não foi consensual.

O primeiro estádio de futebol da capital potiguar foi construído na década de 1920, pelo governador Juvenal Lamartine. O estádio, que o homenageou dedicando a ele o seu nome, sobreviveu ao tempo e se localiza no bairro do Tirol. As transformações oriundas com a Segunda Guerra Mundial provocaram demandas à capital potiguar, dentre elas, a construção de um estádio mais “moderno” e que fosse condizente com os novos tempos. Em 1967, se iniciava a construção de um estádio maior na capital potiguar. Conta o jornalista esportivo Everaldo Lopes, que a princípio cogitava-se homenagear o autor da ideia, o então prefeito Agnelo Alves. Porém, a homenagem veio abaixo quando o então vereador Eugênio Neto propôs um projeto que homenageava o primeiro presidente da Ditadura, Castelo Branco. Conta ainda Everaldo, que como ‘dependia-se muito dos militares’ o projeto passou com certa facilidade. Em 1972, seria inaugurado o Estádio Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, apelidado popularmente de “Castelão”.

No contexto de entendimento que as manifestações de lazer serviam de propaganda política e ideológica do regime, os militares empreenderam uma série de investimentos na área do esporte, divulgando a participação brasileira nas Copas do Mundo e nas Olimpíadas. Além disso, a construção de estádios de futebol seriam excelentes instrumentos para homenagear e legitimar o regime e seus líderes. O “Castelão”, em Natal, foi um exemplo disso.

Em 1989, já restabelecido o regime democrático e seguindo uma tendência de renomear locais e monumentos que homenageavam personalidades da Ditadura Militar, o estádio mudou de nome. Passou a homenagear o civil e ex-presidente da Federação Norte-rio-grandense de Futebol (FNF), João Cláudio de Vasconcelos Machado.

O que podemos observar, a partir da renomeação destes espaços e lugares, é o jogo de poder e de interesses que se fizeram presentes na transição para a democracia e de tentativa de superação do passado recente ditatorial. Esta luta pelas memórias históricas (e pelo passado) ainda está muito viva em nosso país. Recentemente, passado o cinquentenário do Golpe Militar no Brasil, há um movimento de renomeação toponímica dos espaços (ruas, avenidas, escolas etc.) que substituam as homenagens feitas aos militares (ou aqueles civis que cooperaram ou se beneficiaram da ditadura) por nomes de civis, ou de pessoas que sofreram alguma sanção com o regime.

Cidade historicamente identificada com as dunas (para o bem ou para o mal), hoje cartão postal da terra, o novo palco foi batizado como Arena das Dunas.  Neste caso, a necessidade de se criar um padrão de identificação com a sociedade natalense, levou os organizadores a nomearem o estádio com uma referência topográfica da capital potiguar. Já não bastava ser identificada com as dunas, era preciso dizer e fazer do novo “poema de concreto armado” um símbolo do progresso, do desenvolvimento e da modernização que substituía o ‘velho e antigo’ estádio.

A construção da Arena das Dunas, foi um momento histórico onde os discursos de preservação do patrimônio e da memória, produziram uma série de discursos sobre a construção do “Machadão”; sua inauguração; os jogadores que fizeram gols e atuaram em partidas importantes; evocação da atuação de ídolos nacionais do futebol como “Mané” Garrincha e Pelé, que jogaram no estádio (quando ainda era Castelão) etc. Além disso, ressalte-se que uma série de entrevistas foram produzidas, quando da ameaça de demolição do estádio, com a intenção de evocar uma memória saudosista e nostálgica dos “tempos de antigamente”, visando a não demolição do “poema de concreto armado”. Uma “Marcha em Defesa do Machadão” em 2011 foi organizada com o objetivo de impedir a destruição daquele que outrora foi lugar de sociabilidade e sinônimo de desenvolvimento em Natal. Porém, a Marcha reuniu alguns poucos torcedores e não teve nenhum impacto que inviabilizasse a derrubada o antigo estádio.

A nova roupagem toponímica dada ao estádio não apaga as marcas do tempo, e tampouco causará amnésia histórica à sociedade natalense. Três gerações simultaneamente circulam pela cidade. Uma primeira que ainda “teima” em chamar o estádio de ‘antigo Castelão’. Uma segunda, mais jovem, que se acostumou a chamar o estádio de ‘Machadão’ e ainda usa o topônimo como referência espacial. Hoje, há outra geração, que chama o ‘novo templo do futebol natalense’ de “Arena das Dunas”. Todas as três denunciam o tempo particular de suas experiências históricas. Todas elas usam os referenciais construídos em seu tempo para se orientarem no espaço urbano natalense. Este é um dos legados da Copa em Natal.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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