Quando fui aos Jogos Paralímpicos

Marcos Cardoso*

Viajei ao passado assistindo aos Jogos Paralímpicos de Tóquio, a melhor participação brasileira neste que foi o décimo quinto evento voltado para atletas portadores de deficiência física ou sensorial. Revisitei minha presença na cobertura das Paraolimpíadas de Sydney, em 2000, quando reafirmei uma convicção enquanto cumpria meu papel de jornalista: o ser humano evolui quando a segregação dá lugar à inclusão.

Aqueles Jogos inovaram do ponto de vista de organização da competição e inauguraram o formato de “modelo único”, unificando os comitês organizadores dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Desde Roma, em 1960, quando se iniciou a recente história das Paralimpíadas, foi a primeira vez que isso ocorreu.

A participação do Brasil vem desde 1972, em Heidelberg, Alemanha, onde não conquistou nenhuma medalha. Os Jogos foram crescendo em importância, mas Sydney foi o impulso que faltava para o Brasil se tornar uma potência paralímpica. Terminou em 24º, mas os frutos foram colhidos a partir do evento seguinte, Atenas 2004, onde ficou em 14º. Depois, Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016 e Tóquio 2020, e o Brasil nunca mais deixou de figurar entre os dez primeiros.

Em Tóquio 2020, Jogos realizados neste ano por causa da pandemia do coronavírus, obteve um 7º lugar no quadro geral de medalhas, mesma colocação de Londres, conquistando o número recorde de 22 medalhas de ouro, 72 medalhas no total e alcançando a almejada meta de 100 medalhas de ouro na história paralímpica.

Único veículo sergipano

Foi no ano 2000 que o Comitê Paralímpico Brasileiro decidiu dar maior visibilidade ao esporte paralímpico e investiu na ampla cobertura da participação dos atletas nacionais. Para isso contou com o apoio indispensável do Banco do Brasil, que não só assinou um contrato de patrocínio com o CPB, como estendeu o investimento ao bancar passagens, estada e até ajuda de custo para os profissionais dos principais veículos de comunicação de todos os estados.

O banco assegurava que não era um plano com objetivos sociais, mas sim socioeconômicos. Ou seja, visava ao lucro. Como no vôlei, no qual investiu nas seleções nacionais em todas as categorias. “Para cada R$ 1 investido no vôlei, há um retorno de R$ 4 só de imagem”, afirmava o sergipano Rinaldo Feitosa, então assessor sênior de Marketing e Comunicação do BB, que também foi a Sydney.

Mas o único veículo de imprensa sergipano convidado foi o Jornal da Cidade. Como diretor de Redação, fui indicado pelo superintendente Evando Ferreira para participar dessa aventura inesquecível. Essas coisas que o jornalismo nos proporciona. Uma das muitas coisas que o Jornal da Cidade me proporcionou.

Uma parte das delegações de atletas e da imprensa saiu do aeroporto de Guarulhos na noite do dia 8 de outubro. O jumbo da South African Airlines fez o trajeto mais longo, a favor do fuso horário, e uma escala de dois dias em Johanesburgo, na África do Sul, onde não perdi a oportunidade de conhecer a casa que foi de Nelson Mandela, no bairro do Soweto.

No dia 11, desembarcamos em Sydney, depois de rápida parada em Perth, no extremo oeste da Austrália. Dois terços das delegações tinham viajado via Buenos Aires e Los Angeles. Houve tempo de sobra para as reportagens iniciais sobre os preparativos finais dos atletas e a adaptação àquele ambiente novo.

Com a participação de 122 países e 19 esportes em disputa, as XI Paralimpíadas foram oficialmente abertas na noite do dia 18 de outubro, no Estádio Olímpico de Sydney. Atualmente há vinte e oito esportes reconhecidos pelo Comitê Paralímpico Internacional, sendo que 22 deles foram disputados por 135 representações nacionais, contando com o Time Paralímpico de Refugiados, presentes em Tóquio até o domingo.

O Brasil levou àquela edição dos Jogos de Sydney 64 atletas (53 homens e 11 mulheres), que competiram em 10 esportes. Desta vez, foram 253 atletas (157 homens e 96 mulheres), a maior missão nacional paralímpica em um evento fora do país, que participaram de 20 das modalidades em disputa. Desta vez havia atletas de 22 estados e do Distrito Federal. Sergipe não foi representado.

Ídolos paralímpicos

Mas este jornalista estava em Sydney para ver de perto as conquistas de quatro atletas que estão na história paralímpica do Brasil. A corredora deficiente visual Ádria Rocha Santos, ouro nos 100m rasos e 200m rasos e prata nos 400m rasos. Dona de 13 medalhas olímpicas, sendo quatro de ouro, Ádria perdeu a visão em 1994 devido à retinose pigmentar e astigmatismo congênito.

A cadeirante Roseane Ferreira dos Santos, a “Rosinha”, ouro no arremesso de peso e lançamento de disco. A alagoana de Maceió trabalhou como empregada doméstica até os 19 anos, quando foi atropelada por um caminhão e perdeu a perna esquerda.

O judoca deficiente visual Antônio Tenório da Silva, ouro na categoria até 90kg e que conquistou quatro medalhas de ouro em quatro edições dos Jogos, chegando longevo a Tóquio, onde foi finalmente vencido pelo peso da idade e terminou em quarto lugar. A deficiência veio aos treze anos, quando levou uma estilingada de semente de mamona no olho esquerdo, perdendo a visão. Seis anos depois, uma infecção tirou a visão do outro olho, deixando-o completamente cego.

Lembro-me da sala cheia de jornalistas na Casa Brasil por ocasião da medalha de ouro de Antônio Tenório, o maior judoca paralímpico. Foi um acontecimento que terminou em seguidas comemorações pelos pubs da aprazível e civilizada Sydney.

E, finalmente, o nadador potiguar Clodoaldo Silva, que ganhou três pratas e um bronze em Sydney, explodindo em Atenas 2004, onde conquistou nada menos que sete medalhas, sendo seis de ouro e uma de prata. Em cinco edições de Jogos Paralímpicos o “Tubarão” conquistou 14 medalhas e é considerado o primeiro ídolo paralímpico do Brasil. Ele se aposentou em 2016, logo após os Jogos do Rio, quando foi escolhido para acender a Pira Paralímpica.

Por conta de uma falta de oxigenação durante o parto, ele nasceu com paralisia cerebral, o que afetou seus membros inferiores. O que não o impediu de ser o Tubarão e de já ter influenciado mais de 70 mil pessoas por meio de suas palestras motivacionais. Agora, aposentado das raias, trabalhou no SporTV como comentarista das provas de Tóquio.

Os Jogos Paralímpicos se encerraram no dia 29 de outubro. Eu retornei de Sydney no dia 1º de novembro de 2000 e até hoje revejo minhas anotações sobre o que é ser ídolo.

*Marcos Cardoso é jornalista e escritor. Foi diretor de Redação do Jornal da Cidade, secretário de Comunicação da Prefeitura de Aracaju, diretor de Comunicação do Tribunal de Contas de Sergipe e é servidor de carreira da UFS. É autor dos livros “Sempre aos Domingos – Antologia de textos jornalísticos” e do romance “O Anofelino Solerte”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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