Nestes últimos dias, observou-se uma polêmica, difundida nos meios de comunicações e, principalmente, nas redes sociais, sobre a injustiça ou justiça da pena sofrida por um goleiro em sua condenação. Para tal análise, utilizou-se unicamente a quantidade de pena aplicada no patamar de 22 anos e 3 meses. Para contribuir com o debate sobre o tema será apresentado, do ponto de vista mais simples possível, o que significa tal sanção dentro do nosso sistema jurídico.
Ressalte-se que não será discutido neste momento o acerto do conteúdo da sentença (que, por exemplo, não aplicou a pena de multa obrigatória para o crime de ocultação de cadáver – art. 211, do CPB; não considerou o concurso de delitos para a fixação do regime inicial; não reconheceu duas qualificadoras como circunstâncias agravantes, muito embora o homicídio fosse triplamente qualificado; não aplicou a Lei 12.736/2012, que trata da detração), ainda sujeita a recursos pela defesa e pelo Ministério Público, recursos estes que podem passar por diversos tribunais (TJMG, STJ e STF) até que se tenha uma pena definitiva. Assim, para fins deste artigo, será considerada a pena aplicada como se fosse a definitiva, deixando os juízos de valor para o leitor.
A pena no Brasil
A pena é a resposta do Estado pela prática de uma infração penal. No Brasil, a pena tem funções retributivas (castigo) e preventivas (neutralização, ressocialização, intimidação coletiva e reafirmação do sistema jurídico). A pena de prisão,
resposta mais grave da sanção penal, é prevista na norma penal incriminadora que estabelece seus limites mínimo e máximo (pena cominada ou em abstrato), para ser individualizada no caso concreto pelo poder judiciário tanto na sua aplicação, com uma quantificação certa (pena aplicada ou em concreto), como na sua execução (pena cumprida)*.
Os crimes e as penas previstas e aplicadas
O goleiro sofreu ação penal pela suposta prática de três crimes, com as seguintes penas cominadas:
Homicídio triplamente qualificado: “Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; […] III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. […] Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos” (art. 121, §2º, I, III e IV, do Código Penal Brasileiro – CPB );
Sequestro e cárcere privado: “Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado […] § 1º. A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos: […] IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos” (art. 148, §1º, IV, do CPB);
Ocultação de cadáver: “Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”
No dia 08 de março de 2013 (dia da mulher) foi condenado pelos três delitos, decisão sujeita a recurso. Para o homicídio foi aplicada a pena concreta de 17 anos e 6 meses (crime hediondo); para o seqüestro, a pena de 3 anos e 3 meses e, finalmente, para a ocultação de cadáver, a pena de 1 ano e 6 meses, totalizando 22 anos e 3 meses de reclusão.
Do regime penitenciário
O réu condenado à pena de prisão (pena privativa de liberdade) está sujeito a um regime penitenciário, que pode ser, como regra, fechado, semiaberto e aberto. O regime fechado é o mais rigoroso em termos de limitação da liberdade dos condenados, sendo cumprido em penitenciária de segurança máxima ou média, seguido do regime semiaberto, o qual é cumprido em colônia agrícola ou industrial. No regime semiaberto o condenado pode obter direito à saída temporária, sem vigilância direta, do estabelecimento penal para visita à família, estudo e outras atividades (às vezes é designado incorretamente como “indulto” de páscoa, natal etc, vez que o indulto é benefício penitenciário de outra natureza)*.
O regime aberto é o menos gravoso, onde o réu deve para trabalhar e/ou estudar fora do estabelecimento, recolhendo-se, à noite e nos períodos de folga. Neste regime não há vigilância rigorosa e o estabelecimento caracteriza-se “pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga”. Ante a ausência de estabelecimentos adequados para seu cumprimento no país (casa do albergado), tem sido efetivado em regime domiciliar (realidade de Sergipe), situação que, atualmente, é objeto de repercussão geral no STF*.
Regime inicial
Para o regime penitenciário inicial, ou seja, para definição de onde o condenado iniciará o cumprimento da pena, no presente caso se aplicariam duas normas: o artigo 33 do Código Penal e o artigo 2º, §1º, da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), que independentemente dos dissídios interpretativos atuais e do abatimento do tempo em que o condenado esteve preso provisoriamente (detração), redundaria no regime inicial fechado*.
Da progressão, da detração e da remição de regime
Com a finalidade de garantir a individualização da pena na fase executória (ou seja, durante seu cumprimento), o condenado que tiver bom comportamento carcerário pode ser transferido para o um regime inicial penitenciário mais benéfico. Esta progressão da pena exige como regra (art. 112 da Lei de Execução Penal – LEP) o cumprimento de 1/6 da pena. No caso de crimes hediondos para condenados não reincidentes este tempo de cumprimento é presentemente de 2/5 da pena (art. 2º, §2º, da Lei 8.072/1990), situação estabilizada após o entendimento do STF de que o regime integralmente fechado (sem direito à progressão) para crimes hediondos era inconstitucional.
Além disso, neste período de pena cumprida pelo condenado deve ser descontado o tempo em que esteve preso durante o processo (detração) e o tempo em que trabalhar e/ou estudar (remição) durante o cumprimento da pena. A remição se dá à razão de 1 dia de pena para cada 3 dias de trabalho e/ou 1 dia de pena para cada 12 horas de frequência escolar (art. 126, §1º, da LEP). Na prática a remição, desde que o condenado trabalhe e estude durante todo o tempo de prisão (o que é um dever), representa a possibilidade de abatimento de 25 a 40% da pena.
Assim, no presente caso, desconsiderando-se a detração e a remição possíveis, o condenado depois de cumprir cumulativamente 2/5 de 17 anos e 6 meses (pena aplicada do homicídio qualificado) e 1/6 de 4 anos e 9 meses (pena da ocultação e do seqüestro) poderá progredir para o regime semiaberto. Isto significa que após o sentenciado cumprir 7 anos (2/5 de 17 anos e 6 meses) mais 9 meses e 15 dias (1/6 de 4 anos e 9 meses), ou seja, 7 anos, 9 meses e 15 dias, desde que tenha boa conduta carcerária, será transferido para o regime semiaberto.
No regime semiaberto, tendo por base a pena restante (delito hediondo = 10 anos e 6 meses e para os demais = 3 anos, 11 meses e 15 dias), o sentenciado deverá cumprir, respectivamente, 2/5 (4 anos, 2 meses e 12 dias ) e 1/6 (7 meses e 27 dias, desprezando-se a fração de dias), totalizando a pena cumprida de 4 anos, 10 meses e 9 dias, antes de progredir para o regime aberto, onde restará a pena de 9 anos, 7 meses e 6 dias para ser cumprida.
Livramento Condicional
Na presente situação é cabível também livramento condicional, onde o condenado, atendendo a algumas condições, responderá ao restante do processo em liberdade (período de prova da condicional). Além do bom comportamento carcerário, a principal condição também é o cumprimento de parte da pena, sendo, no presente caso, mais de 2/3 para crimes hediondos e mais de 1/3 para os demais delitos (art. 83, do CPB). Assim, após cumprir 13 anos e 3 meses (2/3 de 17 anos e 6 meses + 1/3 de 4 anos e 9 meses), o goleiro estaria em liberdade condicional.
Conclusão
Em síntese, supondo-se que a pena de 22 anos e 3 meses seja a pena definitiva, em caso de bom comportamento carcerário, o goleiro cumpriria 7 anos, 9 meses e 15 dias em regime fechado; 4 anos, 10 meses e 9 dias, no semiaberto e 9 anos, 7 meses e 6 dias no aberto. No entanto, com 13 anos e 3 meses teria direito a livramento condicional, isso sem contar com os descontos da remição e da detração.
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* Para aprofundamento do assunto vide o livro COSTA, Sandro. Individualização da pena: da teoria à prática. Aracaju: 2013, a ser lançado no dia 18 de março de 2013 no Museu da Gente Sergipana, a partir das 17:00h.