Quo usque tandem, Hal, Berengária et all?

Eu pretendia escrever sobre Berengária, Calpúrnia e Miosótis.

Todavia, enquanto tentava conciliar o sono, estas três mulheres me fizeram lembrar do Bilau.

Bilau, para quem não o sabe, é aquele penduricalho que carregamos, mais das vezes flácido e pendido, que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento memorável, igualando sexo e gênero, disse ser um mero presente, um simples mimo por regalo, dado por Deus ou a natureza, ideal ejetor uretral em praticidade e assepsia.

Em tal contexto a suscitar gracejos mal contidos ao arregalo dos olhos dali e de fora, o Supremo legislou por inicial aquilo que não devia faze-lo por matéria Congressual, e que melhor seria apreciada por ampla e irrestrita participação popular, via referendo plebiscitário.

Em mesmo corolário, não sendo de sua conta nem do seu hinário, quem conta um conto, debulha mais um ponto, até para melhorar o conto e o golpe do vigário, e assim em contraponto, o Supremo vem se esbaldando, com outros pespontos, costuras de própria lavra, gerando mofo, larva e bolor na nossa República.

Ah República! Tão prolífera e úbere em concessões de céus na terra, que orações restaram inúteis por desnecessárias.

Para que rezar, para que dizer: “Não chameis vosso servo a juízo, pois diante de vossa presença não é justo nenhum dos viventes.”

Por acaso há alguém justo perante tais bonzos supremos da nação?

Foi aí que eu me lembrei de Luiz Lima, velho amigo que encontrei nessas muitas andanças da vida.

Lima, pelo que lembro, era Bacharel em Direito, herói de Guerra, por ex-combatente da nossa gloriosa FEB, Força Expedicionária Brasileira, que orgulhosamente desfilava nas paradas de Sete de Setembro, isso num tempo em que o povo se orgulhava da retidão e da incorruptibilidade do Exército de Caxias.

Depois, como em terra pátria tudo se desmazela e se desmancha igual à banha suína saltitando na tacha quente, a tropa só foi louvada enquanto troça de desfile de flauta e tambor, numa banda possuindo muitas bundas, um gracejo a repetir-se em muitos pés-na-bunda sendo desferidos, só para desmoralizar o Exército, os seus feitos e a sua tradição de Poder Moderador necessário à nossa Res-pública, enquanto coisa de ninguém.

E no aquém daqui mesmo, por série controversa de depoimentos e oitivas desnecessárias, acusaram gritos e gemidos, disseminados em vária sucessão de estupro e sodomia, jogados ao léu e aos céus, só para ver se haveria pega para sustento.

Um sustento que se agarrou sem lamento, porque ninguém ousou fazer o contraponto, para suscitar o contraditório e repelir o vomitório.

E assim o arteiro restou verdadeiro, uma excedência de violentados, violados e estuprados, em tanta carência de tesão, vontade e ereção, sem falar que estas coisas tão comuns a tarados e transviados não combinam nos ambientes das casernas.

E foi por causa desses assuntos avernais, que relembrei de Luiz Lima, um amante dos Clássicos, discorrendo de Dante na Divina Comedia, e seu passeio de mãos com Virgílio, o cantador de Eneias, por círculos infernais onde pululavam rufiões e lisonjeiros, simoníacos e adivinhos, corruptos, hipócritas e ladrões, maus conselheiros, semeadores de discórdia e falsários, purgação dos sete pecados capitais; soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça, hoje esquecidos nesta caminhada estafante em demanda ao paraíso e à Beatriz.

Beatriz, que se não era anjo, parecia.

Diferente de Hal e Berengária que restaram estorvos, igual ao Supremo em cada sorvo.

Reportagem de Le Figaro de 03/08 sobre o túmulo de Berengária de Navarra, esposa de Ricardo Coração de Lreão.

Intragáveis sorvos como os de Lúcio Sérgio Catilina, nunca deglutidos por Marco Túlio Cícero em suas célebres perorações Catilinárias.

E vem daí a minha lembrança de Luiz Lima, porque nos nossos encontros o velho amigo tentava lembrar e a memória lhe faltava, o célebre discurso de Cícero contra o senador corrupto Catilina, sabotador da ordem, isso nos idos de 63 a.C.

Era uma lembrança sobremodo agradável, afinal o velho herói de guerra, estava cada vez mais surdo, o que me leva ainda a ouvi-lo gritar altíssimo, no eco das minhas recordações; – “Como? Não ouvi!” Já que o culpado era o aparelho que no ouvido não lhe atendia as oiças

E eu gritava entre sorrisos dos outros frequentadores do Restaurante O Miguel, já que ele e eu éramos fãs dos pirões de Dona Marisete.

“Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

– “Por quanto tempo você abusará da nossa paciência, Catilina?

Luiz Lima hoje não se encontra no nosso convívio.

Foi embora há alguns anos deixando-me uma grata memória.

Ontem, passados tanto tempo, o seu grito surdo me chegou enquanto pensava no que escrever, nessa missão que assumi a título de oxigenação de meu cérebro, o meu e o de meus leitores, colocando-os para pensar em dissonâncias divergentes.

– “Você escreve demais!” – repetia-me o velho amigo, oportunidade em que o recordo como se quisesse dizer, talvez de mim e do Supremo:

“Quos volunt dii perdere, dementant prius.”

– “Aqueles a quem os deuses querem destruir, eles enlouquecem primeiro”.

Se não estou em prévias manicomiais, direi, ao lembrar de Lima, que eu pretendia falar de Hal-9000, a primeira inteligência viva em um computador, do nosso Supremo Tribunal, de Berengária, a mulher de Ricardo Coração de Leão, de Calpúrnia Pisônia, a mulher de Cesar, e até de Miosótis, a pequena flor Não-me-esqueças.

O que teria uns com outros e outras, a não ser o abuso da nossa paciência?

De Hal-9000, lembrarei que fora o melhor personagem de 2001 – Odisseia no Espaço, formidável ficção de Stanley Kubrik, o computador tão perfeito que se rebelando contra o seu criador, quis matar o homem para assumir o comando e o mando da missão e da própria criação.

De Berengária, direi que se casou com Ricardo para lhe dar filhos em sucessão e linhagem, mas falhou.

De quem foi a culpa ninguém o sabe, pois Ricardo era bravo e temido guerreiro e dele esperar-se-ia vigor e boa cobertura, só par bem utilizar a nomeada tarefa de gerar herdeiros.

Berengária sempre acompanhou o Cruzado em muitos campos e batalhas, sendo-lhe fiel e solícita nas vitórias e revezes da vida.

Filhos, porém, não lhes chegaram, de forma que quando Ricardo morreu, o reino inglês sobrou para um seu irmão, o João-Sem-Terra, que seria um rei tão ruim, que só reinou tutelado por Barões que o sujeitaram.

De Berengária, colho a notícia que sua estátua mortuária estava jogada em meio a uma montanha de feno na abadia de Epau em Mans, na França, igreja que fundara em 1229.

A estátua, em pedra calcária, esculpida por monges, era muito bela, mas se encontrava literalmente abandonada.

Um abandono que tinha resistido ao vandalismo que a Revolução fizera às abadias francesas e outras destruições como as promovidas pelos invasores alemães em 1944.

Concretamente, a estátua está sendo um inconveniente, afinal os proprietários da Abadia, utilizando o local como simples depósito, não têm interesse na sua restauração, mesmo porque a sua localização, ao centro de antiga sala de oração monacal impede um melhor uso do recinto.

Neste atual contexto de menosprezo aos monumentos sacros e igrejas sendo incendiadas, os proprietários da Abadia estão fazendo uma campanha de subscrição, tentando conseguir 42.000 euros, para transportar a estátua para um outro local onde a rainha de Ricardo possa descansar, até que emfim, em paz.

De Calpúrnia Pisônia, a 3ª mulher de Júlio Cesar, o grande tribuno romano, ficou famosa por ser e parecer séria.

Cesar, por fatos e versões acrescidas, não a levou a sério no sonho premonitório de seu assassinato.

Morreu assassinado deixando um filho adulterino com Cleópatra, a rainha egípcia da dinastia ptolomaica, que deixava os homens tolos e loucos de amor, apaixonados.

Berengária e Calpúrnia, em muitas reverências, jamais casariam após a viuvez.

Quanto a Miosótis é apenas a mimosa florzinha “Não-me-esqueças”, uma lição de leitura que me restou inesquecível para sempre desde criança.

Miosótis Mundoecologia

Inesquecível, porque após me sentir preparado para bem ler, recitei alto e bom som: “Misoiotes”, tomando uma chapuletada para prestar melhor atenção.

Por falta de atenção, “Misoiotes”, enquanto Miosótis, restou-me inesquecível.

Por que então “Quo usque tandem”, Hal, Berengária, o Supremo e até Calpúrnia?

Até quando iguais a Catilina irão todos aborrecer a nossa paciência?

Por muito abuso o computador falante Hal morre no fim do filme, Berengária está sendo jogada para lá e cá sem descanso, e só Calpúrnia, sem o querer, incomoda a muitos, ainda.

Só o Supremo é que incomoda demais.

Até quando? Só Deus sabe!

 

 

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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