Ray Bradbury, o grande poeta da ficção científica.

Criador de Crônicas Marcianas, Fahrenheit 451 e O Homem Ilustrado, faleceu em Los Angeles, quarta-feira 6 de junho, aos 91 anos de idade, o notável escritor de ficção científica, Ray Douglas Bradbury,

Nascido em 22 de agosto de 1920, em Waukegan, no estado de Illinois, este fabulista, autor de uma trintena de romances e de mais de seiscentas novelas, era oriundo de uma família modesta com ascendência sueca.

Terceiro filho do casal Leonard e Esther Bradbury, Ray teve uma influência muito grande dos pais. Por causa do trabalho de seu pai (era técnico em instalação de linhas telefônicas), viajou por muitas cidades americanas até que se radicou em Los Angeles, Califórnia. Quanto à mãe, desde a infância o estimulou à criatividade imagética e literária.

Em matéria de Le Figaro, edição de 06/06/2012, Oliver Delcroix assim se refere ao morto ilustre: “De origem modesta, parece que um acaso do destino o teria imaginado um descendente – por seu pai – de uma feiticeira de Salem. Suas composições literárias surgiram bem cedo, muito ligadas ao imaginário, ao fantástico, à ficção científica. Desde pequeno sua mãe lia para ele os Contos de Edgar Alan Poe. Daí sua fascinação pelas criaturas sobrenaturais, vampiros, corcundas, múmias e outros fantasmas”.

Ray Bradbury sendo homenageado por George e Laura Bush.

“Qual seria o segredo de seu gênio literário?” prossegue Delcroix. “Ele pensava ter descoberto quando do nascimento da primeira de suas quatro filhas. ‘Para dizer tudo, eu me lembro da minha chegada a terra, Era no dia 22 de agosto de 1920 na clínica de Waukegan em Illinois. Minha primeira lembrança data precisamente do momento em que eu nasci. Eu estava profundamente consciente do que me acontecia. Eu possuo uma memória que remonta bastante longe. Sou de qualquer sorte uma espécie de monstro, uma anomalia. Descobri isso há alguns anos discutindo com minha mãe: eu passei dez meses no ventre dela e não nove; sou, portanto, um bebe de dez meses. Tive um mês suplementar para me desenvolver, e daí ressurgi com visões’”.

“Aos três anos ele assistiu seu primeiro filme; O Corcunda de Notre-Dame de Victor Hugo”. Dois anos depois foi O Fantasma da Ópera. Estes dois filmes lhe provocaram emoções fortíssimas. ‘Eu de imediato amei o personagem de Quasímodo, o corcunda desesperadamente apaixonado por uma cigana, e o daquele músico fantasma, enamorado pela diva. Eu amei estes dois monstros tão humanos, mas injustamente rejeitados por aqueles a quem amam perdidamente. Em ambos os casos, trata-se de histórias de amor impossível. Eu mesmo, quando jovem, tive uma experiência de rejeição amorosa’, confessa”.

O homem ilustrado resultou um filme instigante, quase assustador.

“Criança da Grande Depressão dos anos 1930, Ray Bradbury não sonhou senão numa coisa; tornar-se um escritor. O início foi difícil porque os editores achavam sua prosa ‘bastante poética’. Seu primeiro conto, ‘O Pêndulo’, foi publicado em 1941 na ‘Super Science Stories’. Em sequência ele publicou regularmente contos fantásticos. Pouco a pouco suas novelas oníricas e melancólicas foram agrupadas em coletâneas: Crônicas Marcianas (1950), O Homem Ilustrado (1951), As Maçãs Douradas do Sol (1953), Fahrenheit 451 (1953), O País de Outubro (1955), Um Remédio para a Melancolia (1958), Eu Canto o Campo Elétrico (1970), entre outros.”

“Em 1951 o cineasta John Houston encontrou o jovem escritor na noite de San Valentin. Ele tinha lido a novela, ‘A Sereia’, no qual Bradbury narra como um dinossauro se apaixona por um farol escutando sua buzina num nevoeiro. ‘Jules Verne é meu pai! Jean-Paul Sartre é um dos meus tios loucos…’ diz um dia Bradbury. John Houston via nele , ‘o filho bastardo de Herman Melville’. Dois anos mais tarde ele o engaja com cenarista de Moby Dick, adaptação do romance com Gregory Peck no papel do capitão Achab. Bradbury contara os sete meses de alucinado trabalho, na Irlanda, com Houston em A Baleia de Dublin (1993)”.

Fahrenheit 451 resultou um filme notável

“Em 1953 ele transpôs uma nova etapa com Fahrenheit 451. Esta contra-utopia, escrita em pleno macarthismo, põe em cena Montag, o bombeiro encarregado de incinerar os livros numa civilização que se dá a aparência de uma sociedade feliz, em que os indivíduos se dedicam a ocupações superficiais – televisão onipresente, jogos e brincadeiras.”

“À maneira de 1984, de Orwell, Bradbury fustiga uma sociedade totalitária em que a barbárie se dissimula por traz da maquiagem midiática que considera os livros altamente perigosos, por veicular ideias, muitas vezes críticas. O título do romance indica precisamente a temperatura, em graus Fahrenheit, do ponto inflamação do papel Isto é 232,7 graus Celsius. Em 1966, François Truffaut levou este romance para a tela com Oscar Werner e Julie Christie.”

“Continuando a publicar novos livros – A solidão é um caixão de vidro (1986), Do pó à carne (2002) – Bradbury vivia retirado em sua casa amarela no âmago do quarteirão oeste de Los Angeles, com Marguerite, a mulher que desposou em 1947. Vítima de derrame cerebral no outono de 1999, e do qual ele necessitou de três anos para se recuperar, Ray Bradbury nunca deixou de estar conectado com o mundo. ‘Tudo que eu escrevo é um mistério’, explica. ‘ É assim que eu trabalho minha musa. A inspiração vem todos os dias quando me acordo, pelas sete horas. É o que eu chamo “meu pequeno teatro natural”. Eu tenho a sensação que um grande número de metáforas circulam por cima de mim. Eu não sonho verdadeiramente , eu não estou completamente acordado. Eu flutuo entre dois mundos. É um estado formidável: você está relaxado, você não intelectualiza nada, você se delicia no espetáculo deste teatro do pensamento. Eu posso dizê-lo agora: eu nunca soube como eu fui conduzido a compor um livro como Crônicas Marcianas. No início, eu tinha escrito uma série de novelas. Depois, num belo dia, a ideia de reuni-las numa espécie de folhetim me aconteceu. Eis aí como nasceram As Crônicas Marcianas.’”

“Sempre fascinado pelo planeta vermelho, o mais célebre dos escritores sobre Marte, declarou em 2002 no recebimento da medalha da National Book Foundation, por sua contribuição à literatura americana: ‘Eu amo a ideia de ter cantado a odisseia marciana como Homero cantou a de Ulisses’. Neste mesmo ano, em abril, ele teve o privilégio de se tornar a 2913ª estrela gravada na Walk of Fame do Hollywood Boulevard, em Los Angeles. Ray Bradbury nasceu nas estrelas. Ele não podia senão se tornar uma no fim de sua vida”.

Notável foi a entrevista que Ray Bradbury concedeu a Le Figaro Littéraire em 2 de outubro de 1997, quando de sua estada em Paris. Vale a pena conferir com texto de Oliver Delcroix.

Le Figaro Littéraire. Que significa para você a reedição revista e corrigida de sua obra-prima, as Crônicas Marcianas, quarenta e sete anos depois?

Ray BRADBURY. Graças a Deus, eu escrevi estas histórias na mais perfeita inocência. É exatamente o conselho que me tinha dado meu amigo Federico Fellini. Há um vintena de anos, eu tinha passado uma semana fantástica com ele em Roma. Num dos nossos passeios, ele me aconselhara a responder aos exegetas “Não me diga o que eu faço, eu não quero sabê-lo” . Eu nunca intelectualizei meu trabalho. O intelecto é um dos maiores inimigos do escritor. Ele mata a criatividade. O intelecto deve ser o envelope de seu trabalho, não o centro. Quando eu escrevo, eu deixo a criação explodir, sem a menor barreira intelectual… e depois eu junto os pedaços.

Le F.R. Aos 77 anos (1997), você acaba de publicar um novo livro. Qual é o seu segredo?

R.B. O trabalho. E meu trabalho é romancear a vida das pessoas. Eu dou razão de viver aos homens. As garotas não tem necessidade disso. Elas trazem consigo a possibilidade de criar a vida. Elas criam o mundo, enquanto que o homem vem ao mundo sem trabalho, sem função bem definida. Os homens são grandes românticos. Eles querem a aventura, reclamam ação. Eles partem para a guerra, pensam que vão sobreviver. Como são ingênuos!

Le F.R. De onde vem seu fascínio por Marte?

R.B. Dos romances marcianos de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan. Neste tempo eu tinha nove anos, quando descobri as primeiras ilustrações dos canais de Marte de Giovanni Schiaparelli. Estas fotos não eram muito boas. Minha imaginação pode assim se envolver. No verão, eu olhava fixamente as estrelas e dizia. ’Marte, leve-me!’ E zip!, eu me encontrava la no alto. A bem da verdade, eu parti para Marte e nunca voltei. As Crônicas Marcianas são em verdade minha primeira obra. Meu ato de nascimento literário. Alguns cientistas me confessaram ser fascinados pelo planeta vermelho desde que leram meu livro. Eu adoro a ideia de ter cantado a odisseia marciana, como Homero cantou a de Ulisses.

Le F.R. Por que, segundo você, o planeta vermelho sempre atraiu os homens?

R.B. Marte é um sonho romântico. Eu estou seguro que os homens irão por o pé no planeta vermelho. Para mim, isto não é senão um primeiro passo. Depois, o caminho das estrelas se abrirá para eles. O único perigo é o desenraizamento. Todavia, eu estou prestes a escrever uma novela a este respeito. Num mundo futuro, as colônias planetárias se descobrem numa nova doença: a solidão mortal. Para combater este mal do espaço que priva o homem de suas raízes terrestres, as autoridades decidem ressuscitar Laurel e Hardy (o gordo e o magro). Mas, atenção! Esses dois clones estarão em preto e branco, como foram imortalizados na lembrança de velhos filmes hollywoodianos.

Le F.R. Você escreveu o roteiro do Moby Dick de John Houston baseado no romance de Melville Dois de seus livros, Fahrenheit 451 e A feira das trevas, foram adaptados para o cinema, está você satisfeito em ser o autor mais celebrado de ficção científica?

R.B. Não. Porque eu não escrevo unicamente ficção científica. Parece-me mesmo que o único romance de antecipação que eu nunca tivera escrito se intitulava Fahrenheit 451. Tecnicamente, este romance é perfeitamente plausível nos tempos atuais. Mas na época, ninguém imaginava que se pudesse construir uma casa totalmente automatizada, cujas paredes fossem vídeos de televisão. Eu me lembro que há dezessete anos uma equipe de técnicos japoneses veio me ver em Los Angeles. Eles me puseram um capacete nas orelhas e gritaram em coro: “Como em Fahrenheit 451!” O cientista que inventou o Walkman, explicaram-me, que tinha sido por inspiração de meu livro. Quanto às Crônicas Marcianas, penso que elas não pertencem ao gênero ficção científica. Para mim são crônicas mitológicas. Minha ideia mestra é clara. Os terrestres de Marte tornam-se progressivamente ‘marcianos’.

Sojourner, o robô em Marte.

Le F.R. O que você acha dessas imagens obtidas de marte pelo robô Sojourner, denominado “Rocky”?

R.B. Elas são extraordinárias e decepcionantes. Casualmente, nós acabamos de transpor uma etapa que marca nossa saída progressiva da caverna. Há alguns anos, eu visitei as grutas de Lascaux. Recordando estes maravilhosos grafites, rabiscados nas paredes de Cro-Magnon, percebi que esses afrescos retratavam de forma notável o progresso das idéias. Algumas dessas idéias poderiam ser interpretadas como ficção científica. Finalmente, o que é um dardo, senão a extensão de um braço capaz de atingir o alvo com segurança? A ficção científica não é nada mais do que isso. Sonhar algo que se pensa louco e lhe encontrar uma solução mediante uma ciência primitiva.

Le F.R. Finalmente, suas Crônicas Marcianas não permanecem mais modernas que o conhecimento atual sobre Marte?

R.B. Os fatos sempre limitam nossa capacidade de sonhar. Algo como a Medusa que transforma nossos sonhos em fatos brutos, tão duros quanto a pedra. Atualmente os cientistas procuram interpretar as exíguas informações que lhes chegam de Marte. Algumas rochas parecem ter sido lavadas por água. Mas é bastante cedo para concluir. A própria ficção científica é um excelente método para vencer a Medusa da realidade. O escritor de ficção científica possui um meio de criticar os desvios de uma sociedade, porque isto lhe permite denunciar os sistemas políticos totalitários ao abrigo do imaginário… No momento de sua publicação, Fahrenheit 451 teve muito sucesso na Rússia comunista, quando eu só fazia falar deles!

Le F.R. Quais são suas influências literárias?

R.B. Eu aprendi tudo aos dez anos. Há anos eu devorara “O Fantasma da Ópera” e “Nossa Senhora de Paris”. Eu me apaixonei de Marcel Aymé há 40 anos. Eu não leio ficção científica. Não é preciso prestar atenção àqueles que cultivam no seu mesmo campo. Senão isto se torna “incestuoso”. É melhor aprender com Shakespeare, Gaston Leroux, Racine, Victor Hugo ou…

Le F.R. Você tem alguma receita?

R.B. Nenhuma. Eu escrevo utilizando metáforas. Os relatos mitológicos só funcionam com estes simbolos. É desta maneira que as pessoas não esquecem: quando eu relato a paixão de um dinossauro por um farol, não se pode senão lembrar. Eu sou um colecionador de metáforas. Está inscrito nos meus gens desde o nascimento. Ou é um dom de Deus.

Achei a matéria de Le Figaro bastante interessante, daí tê-la traduzido para deleite de meus leitores aficcionados ao cinema..

Quem desejar assistir alguns filmes inspirados em Ray Bradbury, seguem abaixo alguns sites.

Crônicas Marcianas:  http://youtu.be/RgH4gWTycqg
O Homem Ilustrado:  http://youtu.be/mSv5ARb6sdQ
Moby Dick: http://youtu.be/F73Kt1_FEn8
A Feira das Trevas: http://youtu.be/HX_1TyS1gqQ

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais