Redes de pesca nas praias e risco à vida humana

Um dia destes, enquanto estava dentro da água, na praia da Cinelândia, em Aracaju, por volta das 07:30, deparei-me pela terceira vez, somente este ano, com um obstáculo inusitado, uma rede de pesca de enormes dimensões delimitadas por boias distantes entre si (mais de 100 metros de distância) e quase não visíveis e fui obrigado a sair da água por meia hora para que os dois pescadores que a conduziam seguissem seu destino passando pelo local onde havia outros banhistas e surfistas. 

Independentemente desta atividade da pesca ser controlada pelo poder executivo e autorizada pelo Ministério da Pesca e pelo IBAMA em determinadas situações, remanescem três argumentos contra a referida prática: considerando-se que o litoral de Sergipe tem uma especial proteção para as tartarugas e outras espécies de fauna e o perigo destas redes para esta fauna, o uso destas, mesmo que por tração manual, deveria ser restrito a determinadas áreas.

O segundo argumento diz respeito ao mar ser um bem da União, que no caso específico, pode ser classificado como bem de uso comum, significando que ninguém pode impedir ou causar embaraços ao acesso pelos banhistas ou outros frequentadores a este. Pois bem, o uso destas redes geram um obstáculo para se acessar o mar, pois, onde estão sendo utilizadas, não há como banhistas ou praticantes de esportes aquáticos usufruírem daquela localidade sem risco a suas vidas.

E o perigo à vida humana é exatamente o terceiro e o principal argumento neste caso. Não se trata apenas de um problema ambiental ou administrativo, mas do risco concreto à vida das pessoas causado por estas redes de pesca. A exposição da vida ou saúde dos seres humanos a perigo direto e iminente, como ocorre nestes casos de utilização de redes de arrasto em locais com banhistas ou outros frequentadores do mar é considerado crime no Brasil, tipificado no artigo 132 do Código Penal Brasileiro: “expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave”. Vale frisar que quem coloca uma rede de arrasto em local com frequentadores, pode estar assumindo o risco do resultado mais grave e com isto, em determinadas situações, em tese pode responder por homicídio doloso (art. 121, do CPB), sendo portanto, caso de polícia.

A parte triste desta questão é que, infelizmente, já houve uma vítima de redes de pesca em maio de 2009 em Aracaju, quando faleceu um jovem com 24 anos de idade que morreu afogado após ficar preso em uma rede de pesca: http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=86581

Em função desta ocorrência fatal, foi realizada uma reunião no dia 01/07/2009 com diversos órgãos, tais como o Ministério Público Estadual, Corpo de Bombeiros, IBAMA, ADEMA, Marinha Brasileira, Adema, Pelotão Ambiental da Polícia Militar, Emsurb, Colônia de Pescadores e Federação de Pescadores e ficou acordado entre os referidos órgãos que estaria proibida a presença de redes de pesca em locais de banhistas no período de 5h às 18h durante os finais de semana e feriados.
No entanto, estabeleceu-se que nos dias úteis ficou reservada para os banhistas apenas as extensões de praia em 3 locais: a) em frente ao hotel Celi, b) na Cinelândia e c) em frente à praça de eventos da Orla de Atalaia, estando liberada as demais áreas para a pesca com o uso de redes.

Vê-se que o acordado pelos referidos órgãos em 2009 (não se trata de uma norma e pode ser modificado) tem como ponto positivo a união destes órgãos para discutir o problema, mas, de outro lado, flexibilizou a possibilidade do uso de redes de pescas no período noturno e nos dias úteis, o que sequer está sendo cumprido, pois estes pequenos espaços restritos nos dias úteis estão sendo utilizados pelos pescadores.

Ou seja, pela lógica atual, em vez de se restringir a atividade degradatória e arriscada ao ser humano que é esta pesca com o uso de redes, restringiu-se, de maneira substancial, onde os banhistas e os praticantes de esportes aquáticos poderiam ficar nos dias úteis. Isto significa, de maneira desproporcional, que entre a atividade profissional e a vida humana, priorizou-se a primeira, sendo esta – a vida – o bem de maior valor e proteção dentro dos sistema jurídico.

Esta atividade de pesca continua atualmente sendo um risco para a fauna e para a vida das pessoas, como pode se observar nesta matérias jornalísticas recentes:
http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=186313
http://a8se.com/sergipe/noticia/2014/10/37693-rede-de-pesca-de-arrasto-e-vista-em-area-para-banhistas-na-orla-da-atalaia.html

Em outros estados do Brasil existe o mesmo problema, que conta com a omissão do poder público para seu agravamento, afetando-se tanto a fauna marinha como a vida humana, podendo se constatar isto nas seguintes matérias jornalísticas:

http://nasondascombanana.com.br/surf/rede-de-pesca-quase-mata-surfista-em-itapoa/
http://diariodoamapa.com.br/cadernos/editorias-ii/policia/item/5860-homem-e-encontrado-morto-preso-a-rede-de-pesca
http://aquarelafm.com.br/radio/corpo-de-banhista-afogado-no-ultimo-sabado-na-praia-de-itajuba-e-encontrado-enrolado-em-rede-de-pesca/
http://acordameupovo.blogspot.com.br/2012/09/rede-irregular-de-pesca-mata-surfista.html
http://gilveras.blogspot.com.br/2015/01/banhistas-encontram-tartaruga-enrolada.html
http://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2014/10/tartaruga-com-sinais-de-marcas-de-rede-de-pesca-e-encontrada-em-vitoria.html
http://ondagringa.com.br/meio-ambiente/perigos-das-redes-de-pesca-mais-proximas-da-praia/
http://umfarolnooceano.blogspot.com.br/2013/06/o-perigo-das-redes-de-pescas-perdidas.html
http://www.oeco.org.br/reportagens/24742-o-conflito-entre-o-surfe-e-a-pesca-no-rs/

Por se tratar de questão envolvendo bem da União, cabe ao Ministério Público Federal a atuação contra a omissão do Poder Público neste caso, bem como à sociedade pressionar para que esta atividade referida, por expor a vida das pessoas a perigo, seja restringida em locais de banho e outras atividades aquáticas recreativas, evitando não somente o risco, mas também, como já ocorreu, perda de vidas por conta disto.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais