Reflexões sobre a autonomia da Câmara de Aracaju

Nesses primeiros meses da nova gestão municipal de Aracaju, o que mais tem chamado atenção na cena política é, sem dúvida, a postura dos vereadores aliados ao prefeito João Alves Filho. Todos os projetos enviados pelo líder do Executivo da capital sergipana, de imediato, são aprovados pela base do governo municipal na Câmara.

Quero, inicialmente, frisar que o problema não é a aprovação dos projetos em si, afinal a base aliada ao prefeito – que constitui ampla maioria no Legislativo municipal – foi eleita de forma democrática pela população de Aracaju e, por isso, tem todo o direito de ter posições unitárias.

O que deve ser questionado é a forma, o método como os projetos são aprovados. Se dependesse apenas dos vereadores aliados a João, as propostas enviadas pelo prefeito nem necessitariam de debate ou avaliação. Veio do Executivo, aprova. Foi João quem mandou, aprova. Podemos comprovar isso percebendo que muitos dos projetos aprovados chegaram às mãos dos vereadores no mesmo dia em que foram colocados em votação, sem tempo necessário sequer para leitura da totalidade das propostas. Podemos comprovar isso verificando também a ausência de argumentos de muitos vereadores da base aliada para defender publicamente os projetos aprovados.

As únicas reivindicações por maior discussão sobre os projetos que chegam à Câmara partem dos vereadores da bancada de oposição, que tem como líder Iran Barbosa (PT). São os parlamentares da oposição que estudam os projetos, tecem críticas, sugerem emendas e propõem audiências temáticas para debate sobre os temas dos projetos. Não fosse a ação desses vereadores, teríamos institucionalizada a total e irrestrita submissão do Legislativo municipal ao Poder Executivo de Aracaju.

Entendo que essa situação é preocupante e exige de toda a população de Aracaju uma reflexão sobre a importância de um Poder Legislativo independente.

A Lei Orgânica de Aracaju, em seu artigo 17, estabelece que os Poderes Legislativo e Executivo municipais são independentes e harmônicos entre si. A ideia central dessa separação dos poderes é o exercício da fiscalização de um sobre o outro, com o fim de atender aos interesses da coletividade.

Em verdade, a separação dos poderes (incluindo o Judiciário em âmbitos estadual e federal) – consagrada na Constituição Federal de 1988 – é um dos princípios fundamentais da democracia moderna. Sem essa separação, fragiliza-se a democracia. Tanto que é cláusula pétrea, ou seja, valor essencial ao Estado democrático de direito, o § 4º III, do artigo 60 da Constituição, que estabelece que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes”.

Historicamente, a separação dos poderes tem cumprido alguns objetivos, como: evitar a tirania, assegurando que o poder não se concentre num só indivíduo ou órgão; estabelecer o equilíbrio entre os poderes de modo que cada qual supervisione as ações dos demais; elevar o teor de objetividade e generalidade das leis, por meio da separação das funções de elabora-las e aplicá-las; e impor a prestação de contas a todos os agentes estatais, que respondem por seus atos uns perante os outros e todos à sociedade.

O cumprimento desses objetivos, porém, só pode ser verificado e atingido a partir da experiência prática das posturas dos representantes políticos. E em Aracaju, infelizmente, até aqui a maioria dos vereadores têm optado por uma atitude submissa e subserviente aos interesses do Executivo.

Por isso – sem que necessitem abrir mão das suas convicções político-ideológicas e das suas condições de aliados ao prefeito -, é necessário e urgente que os vereadores da base governista da Câmara Municipal de Aracaju revejam a sua postura, compreendam o papel que devem cumprir enquanto parlamentares eleitos pela população e, acima de tudo, entendam que é condição imprescindível para a democracia a existência de um Poder Legislativo que constrói as suas posições de forma autônoma, a partir do debate democrático de ideias, independente das ordens que vêm do Executivo.

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