Regime inicial aberto para estuprador e traficante?

Com o entendimento do STF de que o regime integralmente fechado, previsto na Lei 8.072/1990, era inconstitucional (violação do princípio da individualização da pena na fase executória), a Lei 11.464/2007, alterando a Lei de Crimes Hediondos, passou a permitir a progressão de regime, mantendo-se, no entanto, o regime inicial como obrigatoriamente fechado, o que é justo. Assim, nesta e em outras situações específicas, a legislação penal define regras diferenciadas para a fixação do regime inicial, como no caso de crimes hediondos (homicídio qualificado, estupro, etc) tráfico de entorpecentes, terrorismo, tortura, crimes cometidos por organizações criminosas. Em todos estes casos o regime inicial deveria ser sempre o fechado (ou seja cumprimento em penitenciária).

No entanto, o STF, recentemente analisando o Habeas Corpus nº 111.840-ES, por nove votos a três, entendeu que a determinação de regime inicial obrigatoriamente fechado para tráfico de entorpecentes é inconstitucional por violar o princípio da individualização da pena, devendo ser aplicada a regra geral do artigo 33 do CPB (ou seja, o regime inicial, neste caso, pode ser fechado, semiaberto (colônia agrícola ou industrial) ou aberto (Em Sergipe, significa cumprir a pena em casa)).

O interessante é que se tratava de caso concreto grave, como se pode observar do relato do fato analisado: “Narra a impetração que o paciente foi condenado à pena de 06 (seis) anos de reclusão em regime inicial fechado pelo delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, eis que no dia 10/10/2009, o paciente tinha em depósito 42 (quarenta e duas) pequenas quantidades de crack e 13 (treze) pequenas quantidades de maconha, acondicionadas em plástico próprio para a comercialização. Também foram apreendidos em poder do paciente a quantia de R$ 711,00 (setecentos e onze reais) em espécie, uma arma de fogo com seis munições intactas e diversos objetos adquiridos com dinheiro proveniente da venda ou em razão da troca destes por substância entorpecente” (Parecer do MPF no HC 111.840-ES, p. 2, grifo nosso).

Tal posição, manifestada em controle difuso, concluída em 27/06/2012 , dado o devido respeito ao tribunal constitucional brasileiro, é equivocada e constitui indevida intervenção na atividade legislativa estatal, pois os benefícios da progressão de regime, do livramento condicional e da remição, presentes atualmente nas situações excepcionais em que o legislador determinou o regime inicial fechado, garantem a individualização da pena durante sua execução.

Como prova de que a individualização da pena é garantida no caso concreto, um réu não reincidente, condenado a 6 anos de reclusão por tráfico de drogas (caso da decisão), na forma do artigo 2º, §1º, da Lei 8.072/1990, teria seu regime inicial obrigatoriamente fechado (o que é diferente de integralmente fechado) com direito à progressão com cumprimento de 2/5 da pena, desde que tenha boa conduta carcerária. Dessa forma, poderá progredir para uma colônia penal (semiaberto) após o cumprimento de 2/5 da pena total no regime fechado, ou seja, 2 anos, 4 meses e 24 dias, podendo passar  do regime semiaberto para o regime aberto em 1 ano, 5 meses e 8 dias (2/5 da pena restante de 3 anos, 7 meses e 6 dias, após desprezar-se a fração de dias), no qual cumprirá sua pena restante de 2 anos, 1 mês e 28 dias. Para aquele réu que não tiver bom comportamento carcerário não será possível a progressão. Há ainda a possibilidade de livramento condicional após o cumprimento de mais de dois terços da pena, ou seja, 4 anos neste caso (art. 83, V, do CPB). Se o condenado trabalhar e/ou estudar durante todo o período em que estiver no regime fechado ou semiaberto ainda terá direito à remição, o que significa mais redução de pena para este (arts. 126 a 130, da LEP). Ou seja, há individualização da pena na fase executória, não obstante o condenado tenha que iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime fechado por se tratar de delito equiparado a hediondo.

O Poder Legislativo pode determinar tratamento mais rigoroso em situações de violações mais graves dos bens jurídicos protegidos penalmente, conforme precedente do próprio STF, no caso da fixação da pena em abstrato mais gravosa para homicídio culposo de trânsito (art. 302 do CTB) em relação ao homicídio culposo comum (art. 121, §3º, do CPB) . Deve ser ressaltado ainda que a própria Constituição Federal impôs um tratamento mais rigoroso aos crimes hediondos e equiparados (art. 5º, XLIII).

Como consequência lógica da referida decisão do STF, os demais casos excepcionais de regime inicial fechado também poderão ser considerados inconstitucionais, o que, em tese, permitirá a aplicação de regime inicial diverso do fechado para homicídio qualificado ou até mesmo para estupro (no caso de tentativa, por exemplo).

Além disso, se o regime inicial obrigatoriamente fechado é inconstitucional por conta de critérios qualitativos (crimes hediondos, tráfico, tortura etc.) também o seria pelo critério quantitativo da regra geral previsto no artigo 33, §2º, “a”, do CPB, que prevê regime inicial obrigatoriamente fechado para o condenado à pena superior a oito anos, o que seria um absurdo. Mais grave ainda é que, teleologicamente, a própria Constituição Federal estabelece tratamento diferenciado mais rigoroso para crimes hediondos e equiparados (onde se inclui o tráfico de entorpecentes), diferentemente do que ocorre com o critério objetivo quantitativo do artigo 33, §2º, “a”, do CPB, que foi estabelecido pelo legislador infraconstitucional.

Embora esta decisão não tenha efeito vinculante e erga omnes (para todos), já está afetando a jurisprudência brasileira e poderá, repita-se, permitir que além de traficantes, como no caso julgado, estupradores, latrocidas, genocidas e outros réus condenados por crimes graves e penas altas cumpram penas até mesmo em regime aberto, o que é "um absurdo".

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Baseado em texto publicado no livro Individualização da pena: da teoria à prática, do autor, comercializado na livraria Escariz.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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