Rito de Passagem

Foi de maneira despretensiosa que comecei a fotografar, e se é por causa disso que estou me tornando diferente, eu não sei. A verdade é que eu nunca pensei em ser fotógrafa, nunca tive projeto nenhum. E por isso, tem sido completamente inesperado que a arte que venho fazendo, diga tanto sobre mim.

O que sei é que ela tem me amadurecido e, amadurecer tem me obrigado a fazer muita faxina nas gavetas da minha alma.
Hoje em dia, no baú das minhas prioridades, não estão mais a busca frenética “por fora”, de nada que possa me trazer algum contentamento. E sentir assim, tem me aliviado muito a vida, o coração e os pensamentos.

Resolvi que não acumulo mais nada que seja perecível. E desde então, venho trocando os acúmulos compulsivos por coisas materiais, pelos momentos cada vez mais prazerosos de criação. É isso: o fútil excessivo foi embora e deixou espaço para o ócio criativo. Que alegria!

Minha linguagem fotográfica tem crescido e se modificado, assim como eu, é verdade. Cansei de tentar entender o mundo e como não o compreendo, decidi criar um mundo lúdico que a princípio nasce da minha imaginação e depois materializo e vira uma imagem dos meus sonhos. Acho que tenho trabalhado a arte, tal qual sou. Sempre fui muito intuitiva e de fato, minhas criações artísticas nunca tiveram um espírito muito cerebral. Contudo, apesar das diferenças que vejo no meu trabalho, quando comecei fotografando “pessoas com seus pets” e atualmente que desenvolvo uma fotografia mais autoral, conceitual e artística,em ambas sempre existe uma globalização da emoção , seja de um animal ou humana em tudo que fotográfo.

Quer dizer,no fundo, só sei fazer uma foto se o assunto me tocar, se eu tiver paixão pelo tema, como dizia outro dia a uma amiga.De certa maneira tudo acaba girando mesmo em torno do afeto. Não sei se sou estranha demais, ou fora da realidade, mas assim é como funciona para mim. E me escuto muito bem…
E por falar em globolização, esse mundo globalizado traz mesmo muita coisa boa e também traz muita pressão. Só de imaginar que temos a obrigação de sermos felizes o tempo todo e em todo lugar , tal qual vendem os comerciais e revistas o tempo todo, já é um grande fator de estresse. Você concorda?

Que felizes são os meus animais de estimação, que de globalização e de vida contemporânea não sabem nada e portanto, não carregam essa perspectiva falsa e infantil.
A Mel, por exemplo, é uma dos meus 4 gatos e faz parte do meu clã de animais do coração. Ela sempre foi tímida, arredia e desconfiada. É muito sensível e qualquer ruído a assusta. Discreta, independente e senhora de si. Todas as manhãs, mia de uma forma muito auditiva e nunca percebi o real motivo, depois disso geralmente, vive feliz e tranquila nos lugares da casa que elege para se isolar e talvez, para meditar sobre coisas que ocupam o espírito de um gato, á margem dos outros, no seu pequeno mundo.Foi assim que sempre a respeitei e o seu felino direito à diferença.
Acontece que de uns tempos pra cá, tenho notado nela, visíveis esforços de se socializar, tentando se aproximar e conviver entre os seus irmãos de 4 patas, embora sem muito sucesso, digo a verdade!

Tenho a impressão que eu e a Mel, estamos vivendo um “Rito de Passagem”, assim é como chamam algumas tribos mais ligadas à terra, quando se referem a transição de uma vida a outra. Essa sensação no entanto , não é muito consciente por mim, o que sinto é uma inquietação de mudança.

Quem sabe, eu e a Mel, estamos vivendo uma questão de mudar de espaço, quer dizer:eu de mudar de espaço interior e ela de espaço físico.
Tenho apenas uma certeza :nem eu e tão pouco ela, queremos ser modelo de nada, por sorte! Estamos apenas, dando outro sentido a nossa vida.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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