Aconteceu o que era previsível: uma larva de inseto, vivinha da silva, rastejou por um prato de comida do hospital João Alves Filho, dividindo alegremente o repasto com um nauseado e mais do que perplexo paciente. Por via das dúvidas, diante do tamanho descalabro, o diretor geral do pardieiro se saiu com a providencial explicação: alguém teria sabotado o hospital, apenas para agravar a má fama que o estabelecimento vem adquirindo no governo atual. Só poderia ser esta a explicação para tão incrível acontecimento. Ato contínuo, como a querer validar o argumento do meu artigo anterior, em que afirmo que a saúde pública sergipana virou caso de polícia, o diretor fez a única coisa que lhe restava: chamou a polícia. Atônito diante da gota que derrama o já transbordante copo d’água da saúde sergipana, ágil e espertamente o dirigente da instituição se valeu da única alternativa que lhe restou, passando à opinião pública estarrecida a idéia de que algum engraçadinho depositou propositalmente o verme na comida da vítima, para provocar celeuma e ganhar manchetes dos jornais. Por essa tática guerrilheira no jogo de convencimento da mente coletiva, já dá para prever que restará agora ao privilegiado cérebro petista do deputado Francisco Gualberto, com a ajuda da polícia e do alto de sua profunda filosofia política, concluir que o verme em questão era não somente a larva de um díptero vulgar – uma mosca doméstica, useira e vezeira em aprontar esse tipo de coisa desde seu surgimento na terra, há alguns milhões de ano – como principalmente teria sido enviada de propósito pelo DEMO, para manchar a excelente imagem da saúde do governo do PT de Marcelo Deda. De fato o diretor do hospital tem razão. Houve sabotagem não apenas na instituição, mas na saúde pública sergipana de modo geral. Mas o sabotador foi ninguém menos do que o próprio governador Marcelo Deda, no exato dia em que entregou o setor nas mãos da mais irresponsável e incompetente equipe de gestores de saúde de que se tem notícia na história contemporânea de Sergipe. Desde as mortes das onze crianças por infecção hospitalar, na maternidade Hildete Falcão, no curto período de uma semana, ocorridas no mês passado, e regredindo ao período da malsinada e impune implantação dos fraudulentos hospitais de urgência pela prefeitura de Aracaju na gestão de Deda, anos atrás, passando pelos recentes casos de infecção hospitalar e mortes na UTI do João Alves, identificadas semana passada, só se pode concluir que a equipe de saúde de Marcelo Deda é não apenas de uma irresponsabilidade a toda prova, como também profundamente criminosa e perversa. Escamoteia informações importantes com a máxima naturalidade, mente descaradamente de forma deslavada para esconder os fatos, se vale da boa fé e da condição leiga da população, e não tem o mínimo pudor nem peso na consciência quando a mistura da incompetência , do cinismo, da politicagem e da irresponsabilidade resulta na morte de inocentes. Por ocasião do surto de infecção hospitalar na Maternidade Hildete Facão, o Secretário Rogério Carvalho chegou ao desplante de afirmar que as mortes das crianças, ocorridas em estranha sucessão, no curto período de uma semana, nada tinham a ver com infecção hospitalar e nem tampouco com a falta de higiene da instituição. Ele chegou a esconder os prontuários das vítimas até mesmo do Ministério Público, que investigava o fato, que precisou solicitar ao Judiciário a liberação dos relatórios e dos laudos de óbitos, que a justiça finalmente obrigou a entregar. Mas o estranho é que, passadas as informações ao MP, a opinião pública ainda não tem idéia sobre o que realmente causou a morte dos recém-nascidos, pois a informação permanece hermética, enquanto o Ministério Público alega aguardar laudos da Anvisa e de sei lá mais o quê, para esclarecer se os óbitos foram provocados por “fatores externos” ou “internos” à maternidade, a fim de determinar alguma culpabilidade. Ora, basta conhecer a mecânica da infestação e da infecção hospitalar, para se ter a certeza de que somente fatores exógenos – especialmente a falta de assepsia e higiene no estabelecimento – poderiam provocar a morte seriada destes pacientes por uma grave epidemia que nós, que fazemos parte da população prejudicada, até hoje não temos a idéia do seu agente etiológico. Quanto ao surto de infecção hospitalar no João Alves, já comprovadamente provocada por um organismo multiresistente a antibióticos e gerado no ambiente hospitalar, a Acinetobacter baumannii, causa espécie o cinismo das autoridades de saúde do governo Marcelo Deda, ao faltarem com a verdade com uma funesta sinceridade, garantindo à opinião pública de forma temerária que a bactéria em questão não é organismo patogênico passível de provocar graves enfermidades e nem tampouco capaz de levar aos óbitos que lhe foram atribuídos. Mentiras e mais mentiras. Uma mentira atrás da outra,de uma gente com uma cara-de-pau de dar inveja a uma gigantesca Sequóia centenária, e que induz até mesmo a um jornalista desinformado, na ânsia de defender o governo Déda, a cometer uma baboseira sem tamanho ao arriscar um argumento disparatado: o de que a Acinetobacter baumannii era um vírus que na verdade seria uma bactéria criada em laboratório, uma extravagante e desorientada conclusão que mistura grupos taxonômicos distintos, dois reinos diversos separados por um abismo de características biológicas profundamente diferentes. Para completar, a desinformação do jornalista de que a bactéria seria fruto de laboratório, soou como mais um desserviço à população, que está a carecer de fontes de dados sérias neste governo do PT. Na realidade, a Acinetobacter baumannii, quando encontrada em hospitais, é um patógeno de extrema gravidade, capaz de levar rapidamente à morte os hospedeiros que infesta, ao contrário do que desinforma a imprensa e a patética declaração do diretor do hospital João Alves. Ou má fé ou absoluta incompetência para o cargo levou o diretor a esconder o fato de que a infecção de pacientes pelo bacilo em questão está diretamente associada ao surgimento de pneumonia, meningite e até septicemia (infecção geral no sangue), o que para um paciente de UTI com suas defesas imunológicas já comprometidas por um acidente, excesso de tratamento com medicamentos à base de corticosteróides ou doença primária grave e debilitante, pode desencadear no agravamento de suas condições fisiológicas e o conseqüente óbito como resultado dessa nefasta associação. Especialmente levando em conta que pouquíssimos agentes antibióticos conseguem vencer a resistência desta bactéria. Num hospital como o João Alves, onde há meses não havia sabão bactericida, detergente ou desinfetante para lavar as mãos de médicos e enfermeiras, nem tampouco toalhas anti-sépticas para enxugá-las, a bactéria deve ter se proliferado como nunca. Até aí nada demais, pois uma cepa comum do bacilo não seria capaz de comprometer a saúde de indivíduos sadios. O problema é que quando essa bactéria, que tem um potencial mutagênico muito elevado, passa a conviver num ambiente carregado pelo uso maciço de antibióticos, termina por desenvolver estirpes multirresistentes e oportunistas, prontas a infectar qualquer indivíduo com debilidade do sistema imunológico, ocasião em que os pacientes de UTI’s terminam se tornando seus melhores hospedeiros. Em função de sua atividade área, a Acinetobacter conta ainda com o agravante de poder se espalhar rapidamente por essa via, sendo muito comum seu aparecimento em aparelhos de ventilação forçada em UTIs, levando a uma pneumonia do paciente e à sepse. Para piorar a situação, essa bactéria se desenvolve melhor entre 33 a 35 graus centígrados, justamente a temperatura em nossa região num ambiente como o hospital João Alves, onde a maior parte do sistema de refrigeração estava prejudicado e desmobilizado. Responsável por infecções graves, a resistência a múltiplos antibióticos é o habitual neste microorganismo, conhecido na literatura internacional como uma super-bactéria por sua resistência aos medicamentos.Os pacientes entubados numa UTI ou com ventilação mecânica são os mais susceptíveis a ela. Daí que identificar culpados pelo que aconteceu é muito simples: na medida em que o governo Marcelo Déda abandonou os hospitais públicos à própria sorte, sequer dotando-os das condições de higiene e assepsia mínimas necessárias, fica evidente que o Estado deixou de seguir os procedimentos de higienização pré-cirúrgicos implantados pela Medicina ainda entre os anos de 1935 e 1940 do século passado. Não é difícil achar culpados e abrir processos criminais. Quanto às larvas de insetos, num ambiente tão degradado quanto aquele, não é difícil a uma mosca pousar em algum utensílio mal lavado e depositar seus ovos, que em seguida eclodiriam, de onde nasceriam as larvas.
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