Ação Civil Pública para iluminação das BRs de Socorro-Parte II

Introdução

Disponibilizamos agora a segunda parte da ação civil pública ajuizada pela Promotoria do Meio Ambiente de Socorro para obrigar o município referido a implantar/fazer manutenção da iluminação pública nas BRs que cortam o município (101 e 235) para conhecimento dos fatos e do direito envolvido. A ação está em andamento na 1ª Vara Cível, titularizada pela Juíza Ana Maria Andrade Freiman Barrozo, sob o número  202388002435 e pode ser acompanhada no site do Tribunal de Justiça do Estado.

 

 A ação

 

3 – DO DIREITO

 

Verifica-se que no caso concreto, a despeito de se tratar de rodovias federais, a iluminação pública é responsabilidade da municipalidade pelos diversos fundamentos legais apontados pelo MPF, AGU, DNIT e Justiça Federal nos autos da ACP 201988000910, apresentados de forma sintética a seguir:

 

I – Responsabilidade do município de prestar e organizar serviços públicos de interesse local, tais como o serviço de iluminação pública:

 

Art. 30. Compete aos Municípios:

[…]

V – Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (Constituição Federal).

 

II – Cabe ao município a instituição e cobrança da Taxa de Iluminação Pública, sendo, portanto, o ente responsável pela contraprestação do serviço público referente a essa arrecadação:

 

Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002) (Constituição Federal).

 

III – O DNIT, embora tenha a atribuição de administrar e gerenciar as Rodovias Federais, não tem nenhuma obrigação no que tange aos equipamentos e ao custo de iluminação pública na parte da rodovia federal que cruza a municipalidade:

 

Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:

[…]

IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, em hidrovias situadas em corpos de água de domínio da União, e instalações portuárias públicas de pequeno porte;

V – gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, em hidrovias situadas em corpos de água da União, e instalações portuárias públicas de pequeno porte, decorrentes de investimentos programados pelo Ministério dos Transportes e autorizados pelo orçamento geral da União (Lei 10233/2001).

 

IV – A ANEEL estabeleceu por meio da resolução abaixo que a responsabilidade pelo serviço de iluminação pública, incluindo todo o custo de implantação e manutenção que é do município:

 

Art. 21. A elaboração de projeto, a  implantação,   expansão,   operação   e  manutenção das instalações de iluminação pública são de responsabilidade do ente municipal ou de quem tenha recebido deste a delegação para prestar tais serviços.

  • 1º A distribuidora pode prestar os serviços descritos no caput mediante celebração de contrato específico para tal fim, ficando a  pessoa  jurídica  de  direito  público  responsável  pelas despesas decorrentes.
  • A responsabilidade de que trata o caput inclui todos os custos referentes à ampliação de capacidade ou reforma de subestações, alimentadores e linhas já existentes, quando necessárias ao atendimento das instalações de iluminação pública, observado o disposto nos §§ 1o a 4o do art. 4. (Resolução Normativa ANEEL 414/2010 com as alterações efetivadas pelas Resoluções ANEEL 479/2012 e 768/2017).

 

Além disso, importante observar os fundamentos da sentença da Juíza da 1ª Vara Cível e do acórdão do Tribunal de Justiça no processo 201988000910, que confirmaram o pleito do Ministério Público, reconhecendo a responsabilidade municipal para a obrigação de providenciar a correta iluminação de todo o município, incluindo-se as vias federais:

 

I – Sentença proferida em 14/08/2020 pela Juíza Eneida Lupinacci Costa:

 

“[…] 2.b) Do dever do Município de Nossa Senhora do Socorro A Carta Magna no seu art. 30, inciso V, atribui aos Municípios a competência de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, nos quais se insere a iluminação pública. Confira-se:

“Artigo 30. Compete aos Municípios:

(…) V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”

A Constituição Federal, prevendo a necessidade de custeio do serviço de iluminação pública, facultou ao Município a instituição de contribuição, a teor do disposto no art. 149-A, incluído pela EC 39/2002:

“Artigo 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela EC nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela EC nº 39, de 2002).”

Logo, não há como afastar a responsabilidade do Município pelo sistema de iluminação pública local. Veja-se, nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. SISTEMA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA LOCAL. ATIVO IMOBILIZADO EM SERVIÇOS – AIS. MUNICÍPIO. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 414 DA ANEEL, COM A REDAÇÃO DADA PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 479. LEGALIDADE. – Considerando que o Município, conforme disposto no inciso V do artigo 30 da Constituição Federal, é responsável pela organização e prestação, direta ou sob regime de concessão ou permissão, dos serviços públicos de interesse local, que é o caso da iluminação pública local, não há como considerar que a norma expedida ANEEL imponha obrigação excessiva ou ilegal. – A possibilidade de instituição de contribuição pelos municípios, na forma de suas respectivas leis, para custeio do serviço de iluminação pública, conforme disposto no citado artigo da Constituição Federal, afasta a alegação de que o Município Autor não poderia arcar com as despesas relativas à manutenção e melhoria da rede de energia elétrica. – A norma questionada pelo Autor estabelece prazos e cronogramas para a efetivação da transferência, possibilitando planejamento para sua execução e organização do ente municipal para receber o sistema de iluminação pública, registrado como Ativo Imobilizado em Serviço (AIS), a fim de que não haja risco para a continuidade do serviço, ainda que de longa data a manutenção desse serviço venha sendo confiada às distribuidoras de energia elétrica. – Hipótese em que não se verifica excesso ou ilegalidade na norma expedida pela ANEEL, entidade que tem como objetivo promover o desenvolvimento do mercado de energia elétrica com equilíbrio e em benefício da sociedade, disciplinando o regime de concessões dos serviços públicos de energia elétrica. (TRF4, AC 5014451-85.2013.404.7001, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Nicolau Konkel Júnior, juntado aos autos em 20/03/2015).

 

No mais, a Lei 10.233/2001 (arts. 81, II, e 82, IV e V) não atribui ao DNIT a competência de promover a iluminação pública em rodovias federais que cruzam o perímetro urbano, mas apenas estabelece sua responsabilidade sobre a administração da operação das rodovias e gerenciamento das obras de construção. Independentemente de tratar-se de bem federal ou estadual, em comparativo com os demais espaços públicos, como praias e terrenos de marinha, o fornecimento de energia elétrica deve ser promovido pela municipalidade, ante a prevalência do caráter de interesse local, principalmente para proteção da vida, saúde e segurança de pedestres e motoristas que utilizam-se do trajeto em questão. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), transfere aos Municípios integrantes do Sistema Nacional de Trânsito a competência para implementação e manutenção de serviços voltados à segurança no trânsito, nos quais compreendidos a iluminação pública em cruzamentos e vias de intenso movimento de pedestres, verbis:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

(…) I – cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições; II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

III – implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário;

(…)

XIV – implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito; (…)

  • 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código.”

Urge ressaltar que, é dever do Município o fornecimento de energia elétrica no trecho da rodovia inserido em seu território, e, tendo ele o dever legal de agir do qual se abstém ilicitamente, tem responsabilidade por eventuais danos causados aos administrados e à própria administração.

Sobre o assunto, transcrevo a lição de José Cretella Junior, citado por Yussef Said Cahali, em sua obra Responsabilidade Civil do Estado (2ª ed., p. 283):

“Não apenas a ação produz danos. Omitindo-se, o agente público também pode causar prejuízos ao administrado e à própria Administração. A omissão configura a culpa in omitendo e a culpa in vigilando. São casos de inércia, casos de não-atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como o bonus administrador. Foi negligente. Às vezes imprudente e até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu as possibilidades da concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à idéia de inação, física ou mental.”

Por fim, a invocação da cláusula da reserva do possível, atinente às questões orçamentárias, estando desprovida de provas sobre a impossibilidade de atendimento ao pedido formulado, não merece prosperar.

III – DISPOSITIVO

Posto isto e tudo mais que consta dos autos, além das razões apresentadas, julgo procedente o pedido autoral para determinar que o Município de Nossa Senhora do Socorro preste o serviço de iluminação pública nos trechos de todas as rodovias federais que estão localizados no território do referido município, dentro do prazo de 4 (quatro) meses, contados a partir do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de aplicação de multa diária a ser suportada pelo ente demandado, cujo valor deverá ser revertido ao Núcleo Comunitário de Ação Social do Fernando Collor. E por fim, condeno o requerido ao pagamento das custas processuais.

Sentença sujeita a reexame necessário, ex vi, do art. 496-I, do CPC.

Transcorrido o prazo para o recurso voluntário, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”.

 

II – Ácordão proferido pelo Grupo III da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em 05/07/2021, tendo como Relator o Desembargador Roberto Eugenio da Fonseca Porto:

 

“[…] ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes do Grupo III da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, por unanimidade, conhecer do recurso para lhe dar parcial provimento, em conformidade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

[…]

VOTO

É de se conhecer o recurso, tendo em vista que preencheu todos os requisitos de admissibilidade.

Colhe-se dos autos que o Ministério Público Estadual ajuizou Ação Civil Pública em face do Município de Nossa Senhora do Socorro, objetivando que o mesmo seja condenado a prestar o serviço de iluminação pública nos trechos de todas as rodovias federais que estão localizados no território do município.

O magistrado a quo julgou procedente o pleito autoral, o que ensejou a interposição do presente recurso.

Em sua defesa, o Ente Público Municipal sustenta sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da demanda.

Pois bem.

De acordo com o art. 30, inciso V, da Constituição Federal, vê-se que foi atribuída aos Municípios a competência de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, nos quais se insere a iluminação pública. Vejamos sua literalidade:

Artigo 30. Compete aos Municípios:

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Prevendo a necessidade de custeio de aludidos serviços, restou facultada a instituição de contribuição, consoante se infere do disposto no art. 149-A, da Nossa Magna Carta:

“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002).”

Considerando, portanto, que foi atribuído aos Municípios o poder arrecadatório, é deles a competência para instituir e gerir o referido serviço, ou seja, de garantir o serviço de iluminação pública.

Ressalte-se não merecer agasalho a alegação do recorrente de que a responsabilidade pela iluminação pública, in casu, é da União, especificamente do DNIT, autarquia federal encarregada de administrar, diretamente ou por meio de convênios ou outros ajustes, os programas de operação, manutenção, conservação e restauração e os projetos de obras de construção e ampliação de rodovias federais, nos termos do art. 82, IV e V, da Lei nº 10.233/2001.

Isto porque, aludido dispositivo legal não atribui ao DNIT a competência de promover a iluminação pública em rodovias federais que cruzam o perímetro urbano, mas apenas estabelece sua responsabilidade sobre a administração da operação das rodovias e gerenciamento das obras de construção. Senão vejamos:

“Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:

IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, em hidrovias situadas em corpos de água de domínio da União, e instalações portuárias públicas de pequeno porte;

V – gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, eclusas ou outros dispositivos de transposição hidroviária de níveis, em hidrovias situadas em corpos de água da União, e instalações portuárias públicas de pequeno porte, decorrentes de investimentos programados pelo Ministério dos Transportes e autorizados pelo orçamento geral da União.”

Ademais, cumpre trazer a lume o disposto no art. 21 da ANEEL:

“Art. 21. A elaboração de projeto, a implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública são de responsabilidade do poder público municipal ou distrital, ou ainda de quem tenha recebido deste a delegação para prestar tais serviços (Redação dada pela REN ANEEL 768, de 23.05.2017)

  • 1º A distribuidora pode prestar os serviços descritos no caput mediante celebração de contrato específico para tal fim, ficando a pessoa jurídica de direito público responsável pelas despesas decorrentes. (Incluído pela REN ANEEL 479, de 03.04.2012)
  • 2º A responsabilidade de que trata o caput inclui os custos referentes à ampliação de capacidade ou reforma de subestações, alimentadores e linhas já existentes, quando necessárias ao atendimento das instalações de iluminação pública, observado o cálculo do encargo de responsabilidade da distribuidora disposto no Capítulo III. (Redação dada pela REN ANEEL 888, de 30.06.2020).”

Com efeito, é dever do Município o fornecimento de energia elétrica no trecho da rodovia inserido em seu território, não havendo como afastar sua responsabilidade pública, estando demonstrada, portanto, sua legitimidade passiva.

No mesmo toar o parecer do Procurador de Justiça Jorge Murilo Seixas de Santana:

“Enquanto no art. 82 da Lei 10.233/2001 não se atribui nenhuma competência ao órgão federal, no que tange aos serviços de iluminação pública, o art. 21 da Resolução da ANEEL esclarece, de forma inequívoca, a responsabilidade do ente municipal. E, antes que se questione, é da competência da ANEEL normatizar os serviços relativos à iluminação pública, tendo a Resolução Normativa 414/2010, validade jurídica fundamentada na Lei 9.427/96 que delineia as competências da ANEEL, mormente nos arts. 2° e 3°.

Desse modo, de forma objetiva, o ordenamento jurídico deixa claro que a obrigação de fornecer e garantir os serviços de iluminação pública é da competência dos Municípios e do DF.

Acerca do tema, cito o seguinte precedente de nossos Tribunais Pátrios:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILUMINAÇÃO PÚBLICA. TRECHO DE RODOVIA FEDERAL INSERIDO EM LIMITE TERRITORIAL DE MUNICÍPIO. PERÍMETRO URBANO. RESPONSABILIDADE DO DNIT. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO MUNICÍPIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

  1. O art. 30, inciso V, da Constituição Federal atribui aos Municípios a competência de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, nos quais se insere a iluminação pública.
  2. A possibilidade de instituição de contribuição pelos municípios, na forma de suas respectivas leis, para custeio do serviço de iluminação pública, conforme disposto no art. 149-A da Constituição Federal, afasta a alegação de que o Município não poderia arcar com as despesas relativas à ligação e manutenção da energia elétrica nos postes de iluminação pública instalados na BR-101.
  3. A Lei 10.233/2001 (arts. 81, II, e 82, IV e V) não atribui ao DNIT a competência de promover a iluminação pública em rodovias federais que cruzam o perímetro urbano, mas apenas estabelece sua responsabilidade sobre a administração da operação das rodovias e gerenciamento das obras de construção. Inexistindo previsão legal para que o DNIT providencie a iluminação das vias federais, a prestação dos serviços de iluminação pública de rodovia, dentro dos limites municipais, compete ao município, ainda que se trate de rodovia ou outro bem da União ou do Estado.
  4. A invocação da cláusula da reserva do possível, atinente às questões orçamentárias, estando desprovida de provas sobre a impossibilidade de atendimento ao pedido formulado, não merece prosperar. 5. Apelação e remessa oficial improvidas.

(TRF-4 – APELREEX: 50134950820144047204 SC 5013495-08.2014.404.7204, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 29/04/2015, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 30/04/2015)

Do mesmo modo, não há que se falar em violação do Princípio Constitucional da Separação dos Poderes, quando o Poder Judiciário determina que a Administração Pública adote medidas que assegurem direitos previstos na Constituição Federal, a exemplo da dignidade da pessoa humana.

Sobre a Reserva do Possível, entendo que não basta a mera alegação de inexistência de recursos, sendo necessária sua comprovação. Ainda que os recursos públicos sejam limitados, não é vedado ao Poder Judiciário determinar ao Estado a alocação de verbas orçamentárias específicas para o cumprimento de direitos sociais.

Por fim, aprecio o pedido subsidiário, qual seja, a dilação do prazo estipulado na sentença, para 1(um) ano, em virtude das crescentes dificuldades, e restrições orçamentárias causadas pela Pandemia do COVID-19.

O art. 461, §4º, do CPC dispõe sobre o prazo para o cumprimento da obrigação, in verbis:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

  • 4o O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.

A meu ver, mostra-se plausível a argumentação do Município de que o prazo fixado em 1ª instância (04 meses) é insuficiente para o cumprimento da determinação judicial, razão pela qual o amplio para 01 (um ano), por serem incontestes as restrições orçamentárias causadas, principalmente, pela Pandemia do COVID-19.

Ante o exposto, voto pelo conhecimento e parcial provimento do recurso interposto, para alterar a sentença apenas quanto ao prazo para o cumprimento da obrigação, o qual dilato para 01 (um ano), conforme fundamentos acima transcritos.

É como voto”.

 

Destarte, sem maiores delongas, a atribuição do município de Nossa Senhora do Socorro para prestação do serviço de iluminação pública em todo o seu território, incluindo-se rodovias federais, é patente, não havendo o que se discutir.

 

Dano moral coletivo e dispensabilidade de prova (in re ipsa)

Observa-se que tratando-se da defesa de interesses difusos o presente caso, a violação destes por parte da municipalidade gera consequentemente e com presunção absoluta de danos morais coletivos. Nesse sentido, o STJ vem se pronunciando:

 

“(…) O Código de Defesa do Consumidor trouxe tanto a tutela individual do consumidor como a tutela coletiva da comunidade consumidora, que também pode ser vítima de uma prática abusiva de um fornecedor, o que enseja o dever de reparar o dano coletivo experimentado. Ressalta-se que o dano moral coletivo não significa a somatória dos danos individuais suportados pelos consumidores pela violação de um direito pessoal desses, mas uma nova modalidade de dano, o qual tem por objeto a violação de um direito da coletividade considerada em si mesma vítima de uma ação danosa do fornecedor. Não se pode esquecer que um dos valores do Estado Democrático de Direito brasileiro é a defesa do consumidor, contida tanto no rol dos direitos fundamentais (art. 5º, XXXII, como nos princípios da ordem econômica enunciados pela Constituição Federal (art. 170, V), de maneira que, considerado em sua dimensão objetiva, é um direito da comunidade em si mesmo e passível de violação, uma vez desatendidos os ditames legais prescritos pelo legislador ordinário por determinação do poder constituinte, ensejando a devida compensação coletiva.(…)  Consoante orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que a conduta antijurídica afeta, intoleravelmente, valores e interesses coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, o dano moral coletivo se configura in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico.” (grifo-se). Acórdão 1245575, 00300195820168070001, Relatora Desª. MARIA IVATÔNIA, Quinta Turma Cível, data de julgamento: 29/4/2020, publicado no PJe: 8/5/2020.

 

Assim, verificou-se que o município de Nossa Senhora do Socorro está se omitindo em prestar o serviço de iluminação pública nos trechos das Rodovias Federais que cruzam o município, o que gera perigo concreto para aquelas milhares de pessoas que transitam nestas vias diuturnamente e, como relatado pela PRF, os trechos de BR mais movimentados do estado e que além de riscos de acidentes de trânsito, acarretam riscos também de segurança pública.

 

 

  1. DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

 

Na forma do disposto no artigo 300, do CPC e art. 12 da Lei 7347/1985, havendo probabilidade do direito e receio de que não haja efetividade parcial da decisão pelo Poder Judiciário ao final do processo, é possível a concessão liminar da tutela de urgência da obrigação de fazer requerida.

Vê-se nos autos que o fundamento da demanda é relevante, já que o requerido se omite há muito em assumir sua obrigação de prestar de forma eficiente o serviço de iluminação pública nas rodovias federais que cortam o município e, no caso concreto, isso coloca em risco a vida das pessoas que ali transitam diariamente.

De outro lado, não há perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, visto que a obrigação de fazer requerida é simplesmente a de implantar a iluminação pública na área do viaduto que corta as BRs 235 e 101, em prazo razoável a ser estabelecido por este juízo, ou seja, não desobedecer a LEI.

A urgência do provimento liminar está contida no relatório técnico da Polícia Rodoviária Federal, que demonstra o aumento de acidentes de trânsito no período noturno e o incremento de crimes na região por conta da escuridão (vide citações do relatório acima nas páginas 8 e 9 dessa inicial).

Ante o exposto, requer o Ministério Público a concessão liminar, inaudita altera pars, da tutela de urgência, determinando-se que o réu cumpra a obrigação de fazer consistente em providenciar a implantação e/ou manutenção e custeio da iluminação pública nas BRs 101 e 235 EM TODOS os trechos que atravessam o município de Nossa Senhora do Socorro, adotando todas as providências para tanto.

Requer a cominação de multa no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por descumprimento da obrigação estipulada a ser revertida em favor do Fundo Estadual para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), estabelecido pela Lei Estadual 8.565 de 29 de agosto de 2019 na conta corrente no Banco Banese (047), Agência 034, Tipo 24, CC 400.474-3, CNPJ 035.042.648/0001-05.

 

 

 

  1. DO PEDIDO PRINCIPAL:

 

Isto posto, após analisado pleito de tutela de urgência, requer a Vossa Excelência a citação das partes requeridas, querendo, ofertar no prazo resposta aos termos desta peça inicial, sob pena de revelia, e seja a presente ação civil pública, ao final, julgada PROCEDENTE, tornando-se definitiva a tutela de urgência requerida e condenando-se também município de Nossa Senhora do Socorro para assumir sua obrigação de prestar o serviço de iluminação pública nos trechos de todas as rodovias federais que estão localizados no território do município de Nossa Senhora do Socorro, permitindo-se assim inclusive a execução provisória do julgado após o julgamento do Tribunal de Justiça, já que o município tem levado as discussões até o STF, procrastinando a solução dessas questões urgentes.

 

Requer ainda a condenação do requerido ao pagamento de indenização de danos patrimoniais e morais causados à coletividade e ao pagamento das custas, emolumentos e outros encargos com base nos artigos 18, da Lei 7.347/1985.

 

Por fim, requer-se a produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente as documentais, periciais e testemunhais, solicitando-se desde já, a juntada do anexo dos Inquéritos Civis nº 58.19.01.0002 (que deu ensejo à ACP 201988000910 e do inquérito civil 58.23.01.0005, instaurado em 2023, que deu ensejo a essa ação civil pública, oriundos desta Promotoria de Justiça Ambiental.

 

Embora de valor inestimável, dá-se à causa o valor de R$ 500.000,00 para os fins legais.

 

      Nossa Senhora do Socorro, 29 de novembro de 2023.

 

 

SANDRO LUIZ DA COSTA

Promotoria de Justiça

do Meio Ambiente e dos Serviços de Relevância Pública

de Nossa Senhora do Socorro

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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