Licenciamento Ambiental no Brasil: Entre Avanços e Retrocessos

Fazendo-se uma pausa no tema “plano diretor” e considerando-se a polêmica aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento, que teve 59 vetos presidenciais, dos quais foram rejeitados 52 vetos pela maioria absoluta dos Deputados Federais e Senadores no último dia 27/11/2025, trazemos uma análise dos avanços e retrocessos do sistema jurídico ambiental brasileiro de licenciamento.

A recente aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190 de 08/08/2025), com data de vigência a partir de 4 de fevereiro de 2026, marcada por 59 vetos presidenciais — dos quais 52 foram derrubados pelo Congresso em 27/11/2025 — reacendeu o debate sobre o equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental no país. Para compreender o impacto desse marco legal, é preciso revisitar a trajetória histórica do licenciamento no Brasil e observar como ele evoluiu — ou retrocedeu — ao longo das últimas décadas.

  1. As Origens: Quando o Brasil Começou a Licenciar

O licenciamento ambiental nasceu como um procedimento administrativo essencial para prevenir danos e garantir que a expansão econômica ocorresse com responsabilidade.

A partir dos anos 1980, o país começou a estruturar um sistema de controle ambiental que se tornaria referência na América Latina, pelo menos do ponto de vista normativo, já que a efetividade do sistema ainda era questionável:

  • Lei 6.803/1980: introduziu o controle de indústrias em áreas críticas de poluição.
  • Lei 6.938/1981 (PNMA): criou o SISNAMA e consolidou o licenciamento como instrumento obrigatório.
  • Constituição de 1988: elevou o EIA/RIMA ao patamar de exigência constitucional para atividades capazes de causar degradação significativa.

Esses marcos colocavam a prevenção como princípio central da política ambiental.

  1. Os Anos 1990 e 2000: Aperfeiçoamento e Rigor Técnico

Com o avanço da proteção ambiental no país, novas normas detalharam e fortaleceram o processo:

  • Decreto 99.274/1990: instituiu o modelo trifásico (LP, LI e LO) e garantiu publicidade ao RIMA.
  • Resolução CONAMA 237/1997: padronizou procedimentos, criou prazos e reforçou as audiências públicas.
  • Lei Complementar 140/2011: definiu com clareza as competências entre União, Estados e Municípios, oferecendo segurança jurídica e evitando conflitos federativos.
  1. A Inflexão de 2025: Flexibilização Acelerada

A guinada ocorreu com a Lei nº 15.190/2025, originada do PL 2.159/2021. Embora buscasse simplificar processos e reduzir burocracia, a proposta introduziu pontos que, segundo especialistas e órgãos ambientais, representam risco de retrocesso, contrariando o Art. 225 da Constituição.

Entre os pontos mais sensíveis:

  • Autodeclaração por meio da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de pequeno e médio porte.
  • Enfraquecimento da participação de órgãos como Funai e gestores de Unidades de Conservação, cujos pareceres passaram a ser não vinculantes.
  • Dispensa de licenciamento para atividades impactantes.
  • Extinção da punibilidade de operar sem licença mediante pedido espontâneo de regularização (LOC).

Essas medidas reduzem o controle prévio e ampliam o risco de danos irreversíveis, sobretudo em áreas sensíveis.

  1. A Reação do Executivo: Vetos Para Evitar Retrocesso

Em resposta, o Poder Executivo vetou 59 dispositivos da lei, alegando inconstitucionalidade e ameaça à proteção ambiental. Os vetos buscavam preservar:

  • a vinculação dos pareceres de órgãos de proteção;
  • a exigência de licenciamento robusto para atividades de médio impacto;
  • a impossibilidade de “perdão automático” a crimes ambientais por autodeclaração.

Além disso, a MP nº 1.308/2025 reestabeleceu a necessidade de EIA/RIMA e audiências públicas para empreendimentos estratégicos, reforçando o controle previsto na Constituição.

A despeito disso, é importante ressaltar que a licença autodeclaratória e a queda de mecanismos legais de proteção ambiental foram e são defendidas também por setores do Governo Federal.

A Medida Provisória foi votada essa semana no Congresso e sofreu alterações na Câmara dos Deputados e, após ter sido aprovada no Senado, em função das alterações, será encaminhada ao Presidente com Projeto de Lei de Conversão (PLV 11/2025) para nova sanção ou veto.

 

  1. O Contramovimento do Congresso: Vetos Derrubados

Apesar das justificativas técnicas, 52 vetos foram derrubados, restabelecendo dispositivos que flexibilizam o licenciamento. Entre os efeitos imediatos:

  • avanço de processos mesmo sem manifestação de órgãos protetivos;
  • maior abertura para licenças simplificadas em atividades de médio impacto;
  • facilitação para regularização de áreas rurais com CAR pendente.

Somente os trechos sobre a Licença Ambiental Especial (LAE) permaneceram suspensos, por serem objeto da MP em vigor.

O resultado é a consolidação de um modelo mais rápido, porém menos protetivo, o que coloca o país diante de um dilema: como conciliar agilidade com responsabilidade socioambiental?

 

6. Cronologia do licenciamento ambiental 

 

Período Norma Foco Principal Avaliação da Proteção Ambiental
1980 Lei nº 6.803/1980 Início do Controle Industrial e Zoneamento. Avanço Inicial. Introduziu o licenciamento para a implantação, operação e ampliação de estabelecimentos industriais em áreas críticas de poluição (Art. 9º). O licenciamento era de competência dos órgãos estaduais de controle da poluição [Parágrafo único do Art. 9º].
1981 Lei nº 6.938/1981 (PNMA) Criação do Marco Legal e Estrutura do SISNAMA. Avanço Legal Fundacional. Instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e listou o licenciamento como instrumento, exigindo-o para atividades utilizadoras de recursos ambientais, potencial ou efetivamente poluidoras (Art. 10).
1988 Constituição Federal (Art. 225, §1º, IV) Constitucionalização do Controle Preventivo. Avanço Constitucional Máximo. Elevou o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o RIMA (com publicidade) à exigência constitucional para atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.
1990 Decreto nº 99.274/1990 Estruturação do Licenciamento Trifásico. Avanço Regulatório Consolidado. Regulamentou a PNMA, definindo a estrutura de controle (CONAMA e IBAMA), e formalizou o sistema trifásico: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Exigiu o EIA para significativa degradação, com RIMA acessível ao público.
1997 Resolução CONAMA nº 237/1997 Rigor Técnico e Aperfeiçoamento Processual. Padrão Máximo de Rigor Procedimental. Objetivou o desenvolvimento sustentável e a melhoria contínua. Consolidou o procedimento trifásico e exigiu EIA/RIMA para grande impacto, garantindo audiências públicas. Definiu prazos máximos de análise de 6 meses (padrão) ou 12 meses (com EIA/RIMA). A renovação da LO dependia da avaliação do desempenho ambiental anterior.
2011 Lei Complementar nº 140/2011 Segurança Jurídica e Cooperação Federativa. Reforço de Governança. Fixou as normas de cooperação e distribuição de competências entre os entes federativos (Art. 23, CF/88). Estabeleceu que os empreendimentos são licenciados por um único ente federativo e confirmou que a ausência de emissão da licença no prazo não implica emissão tácita, mas instaura a competência supletiva.
2025 Lei 15.190/2025 Flexibilização e Retrocesso Oriunda do PL 2.159/2021, buscou priorizar a celeridade e economia processual, introduzindo medidas que, segundo a análise constitucional, configuraram um risco de retrocesso e proteção insuficiente, além da quebra do princípio do desenvolvimento sustentável.

A Inflexão: Flexibilização e Retrocesso (2025)

 

7. O Cenário Atual: Busca por Equilíbrio

O debate sobre o licenciamento ambiental voltou ao centro da agenda nacional. De um lado, há setores econômicos que defendem simplificação para acelerar investimentos. De outro, especialistas alertam que flexibilizar demais pode abrir espaço para danos irreparáveis e violar diversos princípios constitucionais, tais como prevenção, proibição do retrocesso ambiental, além da quebra do princípio do desenvolvimento sustentável..

Certamente, em função da clara violação ao sistema constitucional brasileiro, essa questão será submetida ao Supremo Tribunal Federal, que se espera, ao contrário do que aconteceu com o Código Florestal, apresente uma resolução rápida e coerente com a necessidade de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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