Na semana passada, tratei do Plano Diretor como uma espécie de “anatomia da cidade”: um instrumento que deveria revelar, com precisão, como o organismo urbano funciona, cresce e adoece. Hoje, retomo esse fio a partir de um de seus elementos mais estruturantes — e, paradoxalmente, mais negligenciados: o macrozoneamento previsto nos atuais Planos Diretores de Aracaju e Nossa Senhora do Socorro.
O macrozoneamento é, em termos simples, a grande moldura territorial do planejamento urbano. É ele que divide a cidade em grandes zonas — urbanas consolidadas, de expansão, de proteção ambiental, de interesse social, entre outras — definindo vocações, limites e condicionantes gerais para o uso e a ocupação do solo. Antes de discutir índices construtivos, gabaritos ou usos específicos, é o macrozoneamento que responde à pergunta essencial: onde a cidade pode crescer e em que condições.
Conceito e função do macrozoneamento
No plano diretor, o macrozoneamento cumpre três funções centrais. Primeiro, organiza o território em grandes unidades coerentes, considerando aspectos ambientais, sociais, econômicos e infraestruturais. Segundo, orienta os investimentos públicos e privados, sinalizando onde é razoável adensar, preservar ou induzir determinados usos. Terceiro, atua como instrumento de prevenção de conflitos, ao antecipar incompatibilidades entre ocupação urbana, meio ambiente e capacidade instalada de serviços.
Em tese, trata-se de um instrumento estratégico, de longo prazo, que deveria ser revisitado sempre que a realidade urbana se transforma de maneira significativa. O problema surge quando o mapa permanece o mesmo, mas a cidade m
uda — e muda rápido.
As características do macrozoneamento atual de Aracaju e de Nossa Senhora do Socorro
O macrozoneamento vigente de Aracaju e de Socorro foi concebido a partir de diagnósticos urbanos que já não refletiam integralmente a dinâmica contemporânea da cidade. Desde então, houve expansão imobiliária intensa, mudança nos padrões de mobilidade, pressão crescente sobre áreas ambientalmente sensíveis e, sobretudo, sobrecarga da infraestrutura urbana, especialmente nos sistemas de drenagem, esgotamento sanitário, abastecimento de água e mobilidade viária.
Mesmo assim, o macrozoneamento continua tratando áreas muito distintas como se fossem homogêneas, atribuindo potencial construtivo semelhante a territórios com capacidades completamente diferentes. O resultado é conhecido: adensamento onde a infraestrutura não comporta, ocupação em áreas frágeis do ponto de vista ambiental e urbanístico, e custos públicos cada vez maiores para “correr atrás” de um crescimento que não foi adequadamente planejado.
A ausência de um diagnóstico urbano atualizado
Nenhum macrozoneamento é tecnicamente defensável sem um diagnóstico urbano atualizado e robusto. Diagnóstico que vá além de mapas estáticos e pesquisa bibliográfica, devendo incorporar dados reais sobre:
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capacidade e saturação da infraestrutura existente;
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oferta e demanda de serviços públicos;
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vulnerabilidades ambientais e climáticas;
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dinâmica populacional e padrões recentes de ocupação;
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custos de expansão e manutenção urbana.
Planejar a cidade sem esse diagnóstico é como pr
escrever tratamento sem exames. Pode até funcionar por algum tempo, mas o risco de erro é alto — e o preço, quase sempre, recai sobre a coletividade.
Macrozoneamento por capacidade de infraestrutura
É aqui que se impõe uma mudança de lógica. O macrozoneamento precisa ser redimensionado a partir da capacidade de infraestrutura, e não apenas da expectativa de mercado ou de projeções genéricas de crescimento. Isso significa reconhecer que a cidade não cresce de forma abstrata: ela cresce sobre redes físicas concretas, com limites técnicos e financeiros bem definidos.
Adensar só é racional onde há capacidade instalada ou viabilidade real de ampliação. Expandir só faz sentido quando o custo ambiental e urbano é aceitável e planejado. Preservar não é entrave ao desenvolvimento, mas condição para sua sustentabilidade no médio e longo prazo.
Planejar é escolher — com responsabilidade
Revisar o macrozoneamento de Aracaju e de Nossa Senhora do Socorro não é um capricho técnico nem um debate meramente acadêmico. É uma necessidade objetiva diante de cidades que já não cabem nos mapas antigos. Planejar, nesse contexto, é escolher: onde investir, onde conter, onde recuperar, onde preservar.
Sem um macrozoneamento alinhado à realidade da infraestrutura urbana, o Plano Diretor perde sua função estratégica e se transforma em um documento formal, incapaz de orientar o futuro da cidade. E uma cidade sem orientação clara tende a crescer de forma desigual, mais cara e mais injusta.
Atualizar o macrozoneamento, com base em diagnóstico sério e transparente, é um passo indispensável para que Aracaju e Socorro voltem a planejar seu crescimento com racionalidade, responsabilidade e compromisso com as próximas gerações. Esse tema é tão importante que traremos uma análise de Aracaju e Socorro separada nas próximas semanas sobre esse tema de diagnóstico e macrozoneamento.