Princípio do poluidor-pagador não é “pagar para poluir o ambiente”!

Bases Conceituais

Inerente ao direito de proteção integral do meio ambiente para as gerações presentes e futuras, além das ações com o fito de se minimizar o risco e evitar o dano, albergadas pelos princípios da prevenção e precaução, ambas de matriz constitucional, surge o dever internalizar os custos ambientais de prevenção e reparação para quem causou poluição. A dimensão jurídica desta obrigação do poluidor é dada pela responsabilidade e a dimensão econômica pelo princípio do poluidor-pagador.

A base constitucional deste princípio está no dever geral de proteção ambiental (art. 225, caput, da CF) e, além disto, no que tange ao instituto da responsabilidade, está prevista especificamente na Constituição Federal a possibilidade reparação cumulativa do dano nas esferas administrativa, cível e penal, desde que previstas como infrações nestas esferas:

as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (Art. 225, §3º, da CF, grifo nosso).

O princípio do poluidor-pagador foi inicialmente adotado no início da década de 70 do século passado nos países integrantes da Organisation for Economic Co-Operation and Development (OECD), sendo conceituado no OECD Guiding Principles como um princípio econômico que deve ser usado:

“allocating costs of pollution prevention and control measures to encourage rational use of scarce environmental resources and to avoid distortions in international trade and investment is the so-called ‘Polluter Pays Principle.’ This principle means that the polluter should bear the expenses of carrying out the above mentioned measures decided by public authorities to ensure that the environment is in an acceptable state. In other words, the costs of these measures should be reflected in the cost of goods and services which cause pollution in production and/or consumption. Such measures should not be accompanied by subsidies that would create significant distortions in international trade and investment”. (OECD, 1995).

Do conceito apresentado pela OECD, verifica-se que se trata o referido princípio fundamentalmente de internalizar no custo da atividade humana, as medidas preventivas e de controle para a manutenção da qualidade do meio ambiente[1]. Isto implica que o princípio do poluidor-pagador, primariamente está focado na assunção do custo da prevenção e de precaução e, secundariamente, em caso de eventual poluição, no custo desta, implicando que seja reparado o dano causado integralmente.

O princípio do poluidor-pagador está previsto na Declaração de Princípios da Rio-92, em seu princípio 16 e claramente adotou as diretrizes de internalização de custos da OECD:

“As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais” (Princípio 16 da Declaração de Princípios da Rio-92).

No entanto, diferentemente do conceito adotado pela OECD, a referida declaração não focou em atividades preventivas e de controle, mas sim no pagamento pelo custo da poluição efetivada, alinhando-se, neste patamar, com a função do instituto jurídico da responsabilidade, embora tenham escopos parcialmente diferenciados.

 

Esse princípio não autoriza o prévio pagamento por poluição futura!

Não é de menos que tem havido uma distorção da aplicação do referido princípio no sentido de que o mesmo é interpretado como uma permissão para poluir desde que se pague por isto[2], mas este não é o escopo deste, já que, em razão do risco da atividade antrópica, eventualmente, a despeito das medidas de controle adotadas, pode ocorrer poluição, devendo o poluidor, de forma solidária com outros envolvidos na cadeia causal e objetivamente, arcar com os custos da reductio ad pristinum statum. Esta eventualidade não permite que a priori se degrade o meio ambiente pagando por isto.

Na regulamentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) no Brasil se verifica esta distorção, onde se admite a implantação de empreendimentos ou obras ou serviços que possam causar danos não mitigáveis, estabelecendo-se previamente uma compensação ambiental, ou seja, os estudos detectam que determinada atividade vai causar danos ambientais não contornáveis na sua implantação ou operação e isto é compensado antecipadamente, como, v.g., ocorre na compensação prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2000[3].

No Brasil, a responsabilidade objetiva do poluidor pelos danos ambientais foi incialmente introduzida na década de 70 do século passado para situações específicas de derramamento de óleo e danos nucleares, através, respectivamente do Decreto 79.347/1977 (Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo) e da Lei 6.453/1977, posteriormente, ampliando para qualquer dano ambiental com a LPNMA em seu artigo 14, §1º, primeira parte:

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade (LPNMA, grifo nosso).

Importante ressaltar que a interpretação de “culpa” na norma acima é extensiva, vez que o referido termo abarca não somente os resultados indesejados causados por inobservância do dever de cuidado objetivo, caracterizado pela negligência, imprudência ou imperícia, mas também as condutas positivas ou negativas acometidas pelo dolo direito ou indireto. Esta responsabilidade, exatamente pela teoria do risco, é objetiva, não se discutindo culpa nem dolo no caso concreto e exigindo-se apenas a ocorrência da conduta danosa, do nexo de causalidade e do respectivo resultado, caracterizado pelo dano ambiental no caso concreto.

Quanto à modalidade da teoria de responsabilidade civil objetiva adotada, o STJ[4] e o STF adotam a do risco integral, em que, além do caso fortuito ou força maior, a própria culpa exclusiva da vítima não elimina a responsabilidade da pessoa física ou jurídica que exercita a atividade da qual decorreu o dano. Em tese, neste último caso, há quebra do nexo de causalidade entre conduta e dano ambiental, responsabilizando-se pelo nexo causal entre conduta lícita e a simples pertinência da atividade com o dano causado, já que o dano foi causado exclusivamente pela vítima.

[1] A OECD afirma que “the concept of “internalisation of environmental costs” implies that market prices should reflect the environmental costs of the production and use of a product in terms of natural resource utilisation, pollution, waste generation, consumption, disposal and other factors. The internalisation of environmental costs has been a focal point of environmental economics. It underlies the conceptual and analytical work in such areas as resource pricing, use of economic instruments in environmental policy, calculation of environmental costs and benefits, and green accounting methods” (OECD, 1995, p. 13).

[2] Nesse sentido, INGWANI et al apontam que “[…] the analysis reveals that it is cheaper for many individuals, organizations or even countries to pollute the environment and pay a fine than to install systems that require the constant monitoring of the environment. Emphasis of the PPP [polluter pay principle] is misplaced as it focuses on curing damages and not on the process that brings the environmental problems to a halt. […]” (2010, p. 53).

[3] “Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei” (Art. 36 da Lei 9.985/2000).

[4] “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROMPIMENTO DE BARRAGEM. “MAR DE LAMA” QUE INVADIU AS RESIDÊNCIAS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 397 DO CPC. INOCORRÊNCIA. […]. 3. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, §3º, da CF) e legal (art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advinda de uma ação ou omissão do responsável. […]7. Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial, REsp 1374342 MG 2012/0179643-6, Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, Data da publicação: 25.09.2013)”.

 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais