Recebo no telefone celular uma chamada. É Fedro Filho, diz o identificador de chamadas, modernidade que identifica os amados e queridos, e nos previne para o que incomoda e pode ser repelido. Desnecessário dizer que Fedrinho seria identificado pelo timbre, embora denunciado pela lista de meus contatos. Mesmo assim a voz soou inusitada: – “Aqui é Fedrinho! Minha mãe já lhe avisou!” – Não, disse-lhe eu, pensando ser mais um convite das nossas comuns comemorações. “Meu avô, Amerino, acaba de falecer.” O impacto me fez menor. Morrera Amerino Carvalho, o amoroso pai de Selma, sogro do meu amigo Fedro Portugal. E eu gostava sobremodo da maneira de ser e de viver do Sr. Amerino; um homem simples, como os varões devem ser, um ser notável, no anonimato da inteligência e da criatividade, sem alardes, e pelo exemplo de vida, uma longa vida, superando os noventa anos, encarando o existir de forma sorridente, sabendo sorrir na vida, quando a vida nunca é riso nem rosas. Amerino Carvalho, nascido nas Alagoas, em Marechal Deodoro, nos arredores da Praia do Francês carregava consigo a alma telúrica dos pescadores, dos amantes da natureza marinha, dos contempladores simples da beleza do amanhecer em esperanças, e do poente em realizações e conquistas. Um homem simples, como devem ser os homens, para melhor serem amados, carpidos e jamais esquecidos. Um homem sem importância, dirão talvez, se é que há homens desimportantes. Embora haja bastante os que só cultuam o herói, a fortuna, a titulação, coisificando o homem como peça de curriculum vitae, repasto para necrológio apreçado, bem anexado de diplomas e certificados, eivado de parênteses dignos de provas e comprovantes. Neste campo, parece sonata tola os acordes dos que fazem sua passagem se acompanhar do colorido possível ditado pelo sorriso transbordante de acolhimento e carinho. Mas, os homens, santos, cultos ou heróis, todos os homens, se apequenam entre o sonho e a realidade, entre o desejo e a realização, entre o existir e a sua circunstância. “Difícil é ser eu”, dirá o que mais refletiu e ponderou sobre o seu real poder de imaginação e realização, afinal todos, sem exceção, queremos ser o bom pai provedor, o mais extremoso amante, o irmão sem jaça, o filho sem qualquer desdouro ou mácula. Dilema que persiste e continua em sequencia e desafio, por herança sem desavio. -Seja melhor! Eis o grito da bujarrona, envergada no mastro que resiste, conclusão necessária e instigante, por suprema angústia dos homens, imperfeitos e limitados, mas que se ousam infinitos enquanto superáveis. Porque o desafio não para. Ele permanece, e continua. E a incrustação que não deveria existir não o arrefece, mesmo sendo o inumano ser que realiza o mal não desejado, e o impede de amar bem mais e melhor. Mas, se os homens são iguais assim, que sejam louvados os seus louros e suas fraquezas também. Que não se coisifique o homem em mensuração de contabilidade duvidosa, afinal, por mais importante, os homens são ou não são amados. E, queridos pelos familiares, amigos, conhecidos e pelos de destino partilhado, são também amados pelos que participam da mesma paisagem, gizada por fugaz pegada, subscrita na passagem. E a passagem de Amerino foi querida e bem singela. Casou com a mulher amada: Joana; sua prima, da mesma terra e do mesmo sonho e desejo. Amor surgido em criança, entre brinquedos e folguedos, pescas e pastoris. Alguém, muito comum, que era do cordão azul, mas,… só se completou no encarnado conquistado. E o casal se fez ao mundo, como caravela em desafios pelos mares da vida. Amerino ingressa por mérito no Banco do Nordeste do Brasil e logo faz carreira no Banco. Começa nos cargos humildes e vai crescendo onde a diligência , a assiduidade e a inteligência o permitem, percorrendo o nordeste, viajando de agência interiorana, passando por cidades simples a outras de importância metropolitana. Morou em Maceió, Aracaju, Montes Claros, agreste e sertão de Pernambuco, Paraíba, terminando em Fortaleza onde residiu por fim. Em cada trecho a família crescia e ampliava a ambiência e as amizades. Primeiro veio Célia, depois Selma, Sônia, Celso, Suely e Fátima, os netos e os bisnetos. Em Sergipe casaram Célia e Selma, a primeira já falecida, e a última é a esposa bem amada de meu amigo Fedro Portugal. De Fedro e Selma vem minha amizade com o falecido Sr Amerino e sua esposa Dona Joaninha; uma convivência que nos deixa saudade. O Sr. Amerino era um homem tranqüilo, alegre, muito simpático, de bem com a vida sempre, um sábio diante das coisas inerentes ao desafio do humano, sem pretensão professoral e doutrinária. Era um homem alegre, sorridente, brincalhão, alguém que sabia sorrir com o amargor da vida, escondendo o desânimo, ocultando o sofrimento e a tristeza. Tinha sempre um comentário xistoso, uma brincadeira, uma resposta rápida, sibilina, enigmática até, não fora de boa verve e real graça. Era um homem amante da música. Em sua presença a casa era replena de notas e acordes, amante da bossa nova e todo gênero orquestrado da nossa música. Da nossa amizade sobrou uma lembrança de telefonemas vários e visitas recíprocas, aqui na casa de seus filhos Fedro e Selma, e lá em Fortaleza, algumas vezes, onde eu sempre fora o seu amigo “Ninon” de Aracaju, alusão a um seu tio meu xará. E como o novo apelido surgira num tempo em que não mais me cabia alcunha ou título, ao vir com ternura e aconchego, enternecia-me o ser e satisfazia alma. Vinha de um amigo, e de um amigo bem querido. Hoje o amigo é só memória, muita lembrança, e bastante saudade. E que saudade! Saudade que me fez menor, reduzido, apequenado, na resposta do telefonema não desejado Lembrança que permanece como extensão do ser que vive e continua no outro, arrastando os mesmos passos e ampliando a minha carga de saudades. Em despedida, direi apenas: Foi um prazer conhecê-lo, meu amigo Amerino Carvalho! Que Deus enxugue as lágrimas dos seus, amigos e familiares! Peço perdão a meus leitores por externar a tristeza que só deveria ser minha. Mas, … ele era meu amigo! Ora essa!
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