Em 2003, quando exerci o cargo de diretor presidente da Fundação Aperipê, ao apresentar aos membros do Conselho Fiscal, nos dois primeiros meses de gestão, a planilha de receitas e despesas das emissoras educativas, a advertência de um conselheiro me causou profundo desconforto inicial. Na minha então verde condição de marinheiro de primeira viagem como executivo de órgão público, cometi a ingenuidade de apresentar como uma espécie de vitória o fato de ter economizado recursos das já minguadas verbas de custeio e investimento, estabelecidas no ano anterior para a instituição, pelo Orçamento do governo do estado. Eu havia identificado um superávit e comuniquei alegremente aos membros do conselho. Qual não foi meu desconcerto, ao ser advertido imediatamente por um dos conselheiros – um ex-Secretário de Estado que atravessou vários governos, com mais de 25 anos de experiência na vida pública – de que não era muito positivo ao executivo do poder público expor o fato de não ter conseguido gastar (a expressão era esta mesmo: conseguido gastar!), os recursos reservados pelo governo para serem aplicados no órgão que gerencia. O que eu imaginava como capacidade para economizar, o conselheiro enxergava como incapacidade para gastar. Foi como uma pedrada na cara. O argumento era muito forte e, uma vez elaborado e conhecido, soava como óbvio: a atividade pública tem função diversa da privada. O dinheiro havia sido irreversivelmente arrecadado pelo Estado, do contribuinte que o ganhou a duras penas à custa do suor do seu trabalho; os recursos estavam disponíveis para utilização; e o Orçamento autorizava sua aplicação em benefício da Fundação. Evitar o emprego da verba só prejudicaria a população. E eu, o que estava fazendo? Economizando esses recursos! E ainda por cima agia assim para gerir um órgão público extremamente carente de todo tipo de infra-estrutura para operação. Não havia do que vangloriar-me. Ao contrário, aquilo ecoava muito mais como inépcia do que como eficiência Branco como sou, não consegui esconder dos conselheiros o rubor facial, o desapontamento provocado pelo sentimento de vergonha, quando o raciocínio, como um porrete, despedaçou todas as minhas convicções até então construídas quanto ao tema. Eu estava saindo da gerência de atividades profissionais na vida privada, para a mesma função na vida pública, onde o raciocínio precisa ser outro. Felizmente o acaso me pôs, logo no início, aquele conselheiro no caminho. Na semana passada, quando ouvi e li pela imprensa as declarações do Secretário de Estado da Fazenda, Nilson Lima, vangloriando-se de que o governo havia economizado dezenas de milhões em dez meses de gestão, e que estava com R$ 578 milhões guardados em caixa, não escondi a perplexidade . O episódio ocorrido anos atrás na Aperipê veio rapidamente à lembrança e, ao invés do impacto de uma única pedrada na cara, senti como se uma gigantesca avalanche tivesse desmoronado. Como é que é!? A Segurança Pública está destroçada, a Saúde Pública está um caos, os serviços essenciais se deterioram celeremente e o governo Marcelo Déda poupa mais de R$ 500 milhões? Falta ao Estado dar condições aos hospitais públicos; na maternidade Hildete Falcão inexistem as mínimas condições de funcionamento que provocam mortalidade elevada de recém nascidos; o hospital infantil continua inviabilizado; a maternidade de alto risco Nossa Senhora de Lourdes permanece fechada; dezenas de pessoas morrem à míngua todos os meses nos estabelecimentos de saúde estatais por falta de atendimento adequado, e o governo de Sergipe se dá ao luxo de economizar R$ 578 milhões? Finalmente estamos perante um Estado, uma instituição que se caracteriza por arrecadar recursos para investir em prol do bem estar dos seus cidadãos, ou estamos diante de um banco, uma instituição financeira que poupa recursos para investir no mercado? O estado pretende investir na Bolsa de Valores? É de se argüir se por acaso a incompetência aliou-se à irresponsabilidade e se uniu à delinqüência política, num triunvirato macabro em favor de sacripantas e contra a sociedade sergipana… Poupar R$ 578 milhões durante quase um ano em um estado repleto de sérias carências por serviços básicos e obras infra-estruturais não é apenas um escândalo, mas um verdadeiro crime de responsabilidade. Mas, infelizmente, o que seria um escândalo em qualquer lugar do mundo, eles, os falastrões petistas, conseguiram transfigurá-lo, através de apurada retórica sofista, em algo extremamente positivo, a quem a imprensa, a velha mídia que saracoteia ao redor do poder de plantão, nem sequer se atreve a questionar.
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