O cerrado seria nossa savana. Um campo plano com uma biodiversidade própria. Animais e plantas únicas do local, principalmente aves, como a ema, o tucano, mesmo o tuiuiú (uma espécie de cegonha colorida) que vivem neste campo aberto, fonte de muitos rios.
Este ambiente anda sendo devastado violentamente pela monocultura latifundiária da soja. Muitos documentários já tentaram explicar a questão única da monocultura no interior do país. É sabido que a região Nordeste, por exemplo, comporta hoje uma desertificação do sertão e da caatinga por conta da ação do homem – na pós-colonização, com plantações de cana de açúcar e na criação de pastos para o gado. Hoje, é o cerrado quem sofre esse perigo.
Correntes migratórias no século passado de milhões de pessoas do Nordeste foram o ápice desse tipo de monocultura devastadora, até então. Sabe-se das milhares de famílias nordestinas no Norte do país e no Sudeste.
Hoje, o foco é o cerrado: primeiro porque há um novo tipo de colonização interior sendo organizada quase que espontaneamente, do Sul para o Centro-oeste; segundo porque o agronegócio de lá ganhou a frente das negociações pelo superávit primário no país; terceiro porque há milhares de indígenas que ainda vivem entre o cerrado e a floresta amazônica, brigando pela sobrevivência e por terras com estes latfundiários; quarto porque há belezas naturais potencialmente turísticas como a Chapada dos Veadeiros, e um novo tipo de agrupamento social tenta se organizar no campo para barrar os avanços que exterminam a biodiversidade local.
O filme Sertão Velho Cerrado, documentário de André D’Elia, é produzido por uma empresa publicitária conhecida, a O2. Como filme, ele evidencia diretamente seu ponto, que é a defesa de um turismo ambiental contra a devastação desenfreada. Se era assim no governo interino de Temer, temporalidade das filmagens, imaginemos como ficamos agora num governo que praticamente exclui essa pauta de seu programa.
Nesta semana passada tivemos mais um desastre provocado pela negligência da empresa Vale, em Minas Gerais, em Brumadinho. No Cerrado houve também Belo Monte, hoje foco da atenção da polícia federal pelos desvios que ocorreram desde o projeto em papel. Há, em papel, outras hidrelétricas como a do Xingu, prontas para começar a serem edificadas por lá. A questão ambiental, no Brasil, portanto, é central.
André D’Elia sabe deste contexto, pois já havia feito um filme sobre Belo Monte. Seu interesse é pelo ativismo, via filme. Esse é um modo de se fazer cinema ainda pouco explorado pelas produtoras no país, mas certamente é um dos mais urgentes na captação de realidades que grande parte do mundo ainda desconhece.
Seus filmes conseguem impactar esse tipo de discussão. É realmente inadmissível que num país que guarda a maior floresta viva e inexplorada do mundo não tenha ao menos um tipo de matéria que nos dinamize a preservação, patentes de princípios ativos, culinária local e tradições de usos de ervas e plantas. Certamente, o turismo talvez seja um caminho de se combater o lobby do agronegócio – mas também é preciso haver cuidado ao se adotar o chamado “capitalismo sustentável”, uma vez que muitas tradições podem se perder na formatação de “produtos culturais” postos à venda.