Desde Prado Sampaio, aluno no Recife e discípulo de Tobias Barreto, que entrou no vocabulário sergipano o termo SERGIPANIDADE, ainda que vagamente citado, como um louvor ao fazer cultural sergipano. Décadas depois, José Silvério Leite Fontes, professor de história, biógrafo de Jackson de Figueiredo, citou SERGIPANIDADE no contexto da formação de Sergipe. Somente nas últimas duas décadas a SERGIPANIDADE começou a ser tratada como um conceito cultural, capaz de inspirar artistas, escritores, pensadores, qualificando um sério e inarredável compromisso das manifestações da cultura.
É certo que as culturas regionais transitam no acostamento da vida social, sufocada, quase sempre, pelo domínio hegemônico que a tudo afeta. O povo, contudo, resiste e ao seu modo guarda as manifestações mais autênticas, que dão à vida nem sempre fácil dos grupos sociais subalternos. Neste mês de junho há como quê uma pausa: é o mês de Tobias Barreto, o maior de todos os sergipanos, em todos os tempos, e é o mês dos festejos juninos, quando um doutor da Igreja – Santo Antonio, um profeta – João Batista e um apóstolo – São Pedro são reunidos, no cenário que guarda antiguidade, e do qual é mostruário o corte do mastro, o pau de sebo, a dança da quadrilha, a culinária de milho e coco, a montagem de um arraiá que em tudo lembra a simplicidade ingênua do povo de todas as idades, nas suas conexões atemporais.
SERGIPANIDADE é o conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. A SERGIPANIDADE inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade.
Cada povo, situado no ambiente da sobrevivência – recorrência universal da vida humana – cria sua perspectiva, muitas vezes utópica, de futuro, adota suas crenças, incorpora seus valores, constrói seus caminhos, elabora modos de viver e de compreender a realidade, produz a sua própria história.
Além da língua, as sociedades têm pontos de contato que prevalecem nas relações internas das pessoas. A história, monitorada eticamente, e a cultura, universalizada pelas contribuições externas, agem na formação do povo e alimentam a identidade social.
A terra, com toda a noção de natureza que nela comporta, demarca a presença do povo, sua convivência ambiental, ecológica, produtiva, com seus recursos postos na partilha dos mesmos interesses.
Herdeiros de uma pequena faixa de terra litorânea, irrigada até o interior pelos rios da história do Brasil – São Francisco, Cotingüiba, Sergipe, Vaza-barrís, Piauí e Real -, aptos ao trabalho, criativos e inovadores no domínio do conhecimento, os sergipanos compõem um povo que fez da luta o caminho de sua afirmação, e renova, a cada dia, a cada episódio de sua trajetória, a mesma lição em defesa da liberdade contra todos os tipos de opressão, do direito como instrumento contra os privilégios, da prosperidade para evitar a indignidade da vida, da justiça para conter as hegemonias.
Forma-se, então, a consciência pedagógica para o viver comum, fortalecendo as fronteiras da identidade própria. É com esta noção de SERGIPANIDADE, como atitude tanto individual quanto coletiva, que devem florescer as manifestações artísticas, as contribuições lúdicas, fazeres e saberes, usos e práticas circulantes a serem incorporadas pela aceitação, para serem consagradas e renovadas.
Tobias Barreto de Menezes (7 de junho de 1839 – 26 de junho de 1889) continua assombrando parte do mundo civilizado, com seu talento e sua obra. Mário Losano escreveu muito sobre ele na Itália e tem seu principal livro – Um giurista tropicale – sem edição brasileira. Eugênio Raul Zafaroni, da Argetina, tanto escrevu sobre Tobias, como patrocinou a edição de um livro do pensador sergipano, dentro da coleção Penalistas Perenes. O interesse por Tobias, na academia, é grande e professores como Celso Lafer, por exemplo, carecem das obras completas para sua reflexão. A última edição aconteceu em 1989/1990, graças ao então presidente José Sarney e ao governador Antonio Carlos Valadares. 22 anos depois a inteligência sergipana e brasileira cobra nova edição das Obras Completas de Tobias Barreto, o que seria um capítulo avançado da SERGIPANIDADE.