Sergipe e o Conselheiro (VI)

São muitos os fragmentos de crenças populares em Sergipe, como são em grande número os fatos pretéritos, que aqui e ali adornam a história, vinculados ao processo contínuo de coesão social. Os mais velhos, como guardiões da memória, sabem de Mãe Carira, no município do mesmo nome, do Santo Cruzeiro e do Frei Mudo, na pequena e relativamente nova Canhoba, ouviram falar da Cruz de Bela, em Maroim, da Cruz da Inocente e do Caboclinho, de Areia Branca, dentre muitos outros resquícios do passado.  O imaginário popular alimenta a tradição cultural, avivando nas populações esse convívio íntimo, conotado pela religiosidade, como um patrimônio lúdico e sustentado.

Os padres respondem por muito do que circula nos aglomerados sociais. Geralmente eles estão envolvidos com movimentos, justificando-os. No Nordeste a figura do Padre Ibiapina correu de boca em boca, pelo modo peculiar como vivia o Catolicismo. Predicador dos mais acreditados, liderando uma legião de seguidores, Ibiapina patrocina um pensamento arcaizado, como uma Seita própria, na convivência com as missões catequéticas, abundantes nas Províncias nordestinas. Ficou célebre a Revolução de Quebra Quilos, confrontando os avanços que a ciência, a política, a filosofia patrocinavam, com a manutenção de um conhecimento diretamente vinculado à salvação. Padre Ibiapina (Padre José Antonio Pereira, ou, como adotou mais tarde, José Antonio de Maria Ibiapina, nasceu no Ceará em 1806, morreu na Paraíba em 1883) não foi exemplo único. Viveu em Quixeramobim, terra natal de Antonio Conselheiro, onde foi Juiz de Direito. Também foi político, perdeu o pai e um irmão, mortos porque participaram da Confederação do Equador,  mas preferiu radicalizar seu discurso messiânico no seio do Catolicismo popular, onde mais tarde surgiriam, também no Nordeste, as figuras do padre Cícero Romão Batista e do capucho italiano Frei Damião de Bozano, intensamente popularizadas.

Em Sergipe viveu, por aproximadamente 30 anos, o padre Eusébio Dias Laços Lima, de quem José Freire de Monterroyo dá notícia,num  avulso editado em Lisboa, em 1716, tratando da façanha catequética nos sertões baianos e místicos de Massacará e Nhumaramã. Massacará, nome de uma serra e de um curso d’água que a tradição diz que corre, subterraneamente, pelo território sergipano, passando no lugar denominado Furnas, até desaguar no rio Itapicuru pertencia,  em 1758, à Freguesia de Jeremoabo,  na região que mais tarde abrigaria o exército de devotos de Antonio Conselheiro. Segundo o relato, considerado suspeito, o padre Eusébio Dias Laços Lima entrou em contato com os índios Caimbês, Orizes e Procazes, aldeando e reduzindo  cerca de 3.700  pessoas, sendo 1.800 homens de armas e 1.800 mulheres, velhos e meninos. Anos depois (1758) a missão do Massacará aldeava cerca de 200 indígenas Quiriri-Caimbés, Monterroyo, o informe lusitano, provocou um descrédito geral sobre o padre Eusébio.. A Junta das Missões comunicou o fato ao Conselho Ultramarino, que o levou ao Rei. Nem mesmo uma Justificativa, passada no Cartório do Tabelião Gaspar Lobo da Cunha, em 8 de abril de 1715, pelo próprio Padre Eusébio Dias Laços Lima, tornou menor a desconfiança.

Marcado e perseguido, o Padre passou a publicar, clandestinamente, um “volante” identificado pelo Conselho Ultramarino como “Gazetas Fabulosas”, espalhando uma revolta contra a Coroa portuguesa. E assim, entre desconfiança e perseguição, vive o padre Eusébio no território sergipano até 1734, sempre imprimindo as suas “Gazetas Infamantes”, com as quais resistiu, nas demandas formais que enfrentou em Sergipe, na Bahia, em Alagoas e em Pernambuco, depois que foi mais uma vez denunciado, agora por liderar um movimento em favor do Império do Brasil, para o qual concorreu com a distribuição de títulos de nobreza aos seus seguidores.  A idéia de independência, avolumada no episódio do padre Eusébio Dias Laços Lima, prosseguiu por todo o século XIX, eclodindo nas décadas iniciais do século XIX, precedendo a formação do Império do Brasil, consolidado com a declaração da Independência, em 7 de setembro de 1822.

A experiência de distribuição de títulos de nobreza aos seus seguidores, caracterizando a formação de um Império no Brasil, não deixou mais registros do que aqueles que chegaram ao Conselho Ultramarino. Pelas denúncias examinadas não restou claro se o padre Eusébio Dias Laços Lima encarnava, ele próprio, a figura do Príncipe do Brasil, ou se apenas tomou parte dos levantes ocorridos principalmente em Sergipe e Alagoas. A controvérsia decorreu da prisão do Padre, em Pernambuco e do seu interrogatório. De um lado, o Conde de Sabugosa, em cartas de julho e de outubro de 1733, dirigidas ao Rei registra o reconhecimento e a veneração, da parte do povo, para com o sacerdote. Isto se confirma, pelas manifestações do Governador de Pernambuco, que mesmo depois de efetuar duas prisões e ouvir depoimentos, ficou com dúvidas se o Padre era o próprio Príncipe, ou seu mentor, que alimentava a revolta contra o Rei de Portugal. O Principado gerou processos no Conselho Ultramarino, mas terminou deixado ao esquecimento.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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