Sergipe ficou se devendo.

Apeado do poder em 1º de abril de 1964, o Governador de Sergipe João de Seixas Dória foi entre os sergipanos o que mais sofreu a violência do regime militar vigente entre 1964 e 1985.

Outros dirão possuir mais feridas, mais traumas, mais cicatrizes. É possível; afinal Seixas nunca confessou ter recebido tortura de violência física, nem criou traumas que não sentiu. Sua envergadura moral, seu caráter, sua inteligência viva desencorajaram eventuais torturadores e impediram-lhe a ficção vitimar de tantos.

Mas, se o ato de ser retirado abruptamente do leito à força de armas é algo de pouco trauma, quem quiser que se coloque no seu lugar, sinta a incerteza da hora e avalie a própria reação.

Seixas perdeu o mandato de Governador assim; de seu leito no Palácio Olímpio Campos imediatamente para a prisão em pleno silêncio da madrugada, sem testemunha ocular ou auditiva. Só ele, sua esposa e filhos e a escolta que o retirou da cama.

De parte a parte não se viu do preso nem do pelotão um comentário menor. O detido seguiu seu caminho em retilínea obediência e a guarda soube ser gentil, dentro dos limites de suavidade e aspereza coerente à vida castrense.

O momento, porém, estava incerto, afinal os golpes militares, as revoluções e derrubadas políticas sempre são acompanhadas de justiçamentos sumários e execuções atrabiliárias, bem ou mal justificadas e apuradas, circunstância da imprevidência e da deliberação do homem, que na mudança de um regime, tudo justifica como baixa de uma guerra necessária.

Que crime teria ele cometido? Dir-se-á depois em eco de seu grito. Logo Seixas, o réu sem crime?

E quem havia cometido qualquer crime? Um golpe de estado acontecera, pegara a todos de surpresa. Foi dito então que o golpe era preventivo, o Brasil estava à beira do abismo, na perspectiva de aderir ao comunismo, justamente num tempo de polarização e guerra fria Leste-Oeste.

Vivia-se um tempo de agitação com o Presidente João Goulart sem conseguir conciliar os extremos. Era uma éra de muita greve, muita agitação, com as esquerdas insaciáveis desafiando na garganta todo o contexto vigente num nacionalismo xenófobo e beligerante, ameaçando as classes produtoras, o empresariado, o estado de coisas vigente, tido e havido então como injusto, gerador de desigualdade a merecer de reformas que viriam na “lei ou na marra”.

Nesta agitação crescente, a verborragia ensejava temores cada vez maiores. Não bastava o estado de Direito. Era preciso muda-lo à força, reverberavam os radicais que não eram contidos pelos moderados.

Seixas que era um moderado, um orador nacionalista, a favor do “petróleo é nosso”, da exploração dos nossos minerais, todos os temas nacionalistas de então, era também da confiança de diversos grupos políticos, enquanto membro da “banda de música da UDN”, ao lado de Carlos Lacerda, Afonso Arinos, José Sarney, Magalhães Pinto e tantos outros.

Ocorre que as teses mais agressivas do Governo João Goulart o atraíram de tal modo que passou a ser um dos homens mais visados pela reação. De modo que, quando tudo aconteceu e a tropa saiu de Minas Gerais sem qualquer oposição, Seixas não pode ser mais salvo por seus amigos Magalhães Pinto, Carlos Lacerda, Lomanto Junior, Petrônio Portela e José Sarney.

E Seixas Dória, apeado do poder, teve sua cassação definida pela Assembleia Legislativa por 23 votos favoráveis, 8 contra e uma ausência, numa triste e porque não dizer servil decisão, tomada na noite de sábado 4 de abril de 1964. Um julgamento político, com discursos favoráveis em recém-despertado fervor patriótico e revolucionário, e vibrantes orações de repulsa.

Como todo julgamento político, entre os favoráveis à sua cassação estavam os udenistas que não lhe tinham engolido a vitória, e aqueles que naquela hora mais queriam servir ao regime temerosos da própria degola.

Seixas não pôde ver o olhar desta pusilanimidade de ocasião. Estava preso. Onde? Poucos o sabiam, em meio a muito boato. Irá para a Ilha de Fernando de Noronha depois, ponto perdido no Oceano Atlântico, que ninguém sabia como era e como se chegava ali.

É um elemento perigoso, dizem os novos príncipes.  Ficará preso em Fernando de Noronha por alguns meses em companhia de outro Governador cassado, o pernambucano Miguel Arraes.

São tempos difíceis, em pouco contato com familiares e amigos.

Depois será liberto, retornará a Aracaju, será mantido em detenção domiciliar. Iria cumprir sua cassação por dez anos quase em silêncio, mesmo porque o canto da sereia desenvolvimentista se não atraia a unanimidade de qualquer auditório, a censura impedia a menor manifestação descontente.

Por outro lado, dez anos é um longo tempo.  E, por lamentável, em Sergipe não nasce Fênix. Ninguém em Sergipe ressurgiu da fúria das cinzas revolucionárias. Dos cassados em terras sergipenses, salvo Gilton Garcia que seria Deputado Federal e depois Governador do Amapá, nenhum cassado conseguiu retornar à política pelas urnas.

Se a vida permitiu o vitoriar de Miguel Arraes duas vezes Governador de Pernambuco, Leonel Brizola, outro tanto no Rio de Janeiro, idem para Gilberto Mestrinho no Amazonas, Jânio Quadros, Prefeito de São Paulo, Mário Covas, Prefeito e Governador de São Paulo, só para restringir a apreciação nestes, em Sergipe nenhum cassado conseguiu um mandato nas urnas.

Candidato a Deputado Federal em 1982 Seixas Dória conseguiu a suplência no MDB atrás de José Carlos Teixeira e de Jackson Barreto. Candidato a Senador em 1986, ficou com a quarta votação atrás de Lourival Baptista, Francisco Rollemberg e Viana de Assis.

Neste ponto Sergipe ficou se devendo; não a Seixas, que continuou a trabalhar por aquilo que sempre foi sua meta; o desenvolvimento de sua terra.
Se ela lhe negava mandatos, seu relacionamento externo o levaria a assumir diversos cargos federais, sendo portanto, um agente fundamental na concretização do Porto de Sergipe e da industrialização do nosso Estado.

Hoje Sergipe está de luto. Morreu o sergipano maior, pequenino, mas gigante. Foi Fênix que não vingou em plenitude. Uma tese minha em contemplando as coisas do passado recente da pouco fértil política sergipana. Um tema ultrapassado, que já não merece ser refletido em suas causas múltiplas de desmemória ou com a memória em compromisso.

Sergipe ficou se devendo: sim! Não a Seixas Dória que se despede da vida deixando um vácuo de saudade e coerência, e a lembrança de um tempo nosso que passou.

Descanse em paz, ó pequeno e gigante Serigy.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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