Setembro das Flores e dos Valores

Publicamos hoje artigo da colega advogada e amiga pessoal Meirivone Ferreira Aragão:

Setembro das Flores e dos Valores

Notícia recente do mundo jurídico relata a vitória de um banco no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, diminuindo o valor da condenação de dívida judicial onde o credor ganhou na primeira instância o direito à restituição de valor desaparecido da sua conta, acrescido dos juros correspondentes aos de cheque especial, que seriam naturalmente e sem espanto algum cobrados caso os papéis fossem inversos, ou seja, se fosse ele devedor para o banco. O valor de 1,4 trilhão, alcançado pela aplicação dos juros, foi considerado “surrealista” pelo Tribunal, que determinou o refazimento dos cálculos base na equidade.

Quantia acima de quatro dígitos jamais foi tocada pela imensa maioria dos brasileiros, exceto virtualmente quando financiam um carro ou a casa própria em centenas de prestações.  Já os muito ricos são familiarizados com cifras acima dos sete dígitos. E muito ricos são aqueles que não se hospedam em hotéis para não se misturarem com turistas… que recebem as coleções de joias em casa, feitas sob encomenda… que não dirigem a palavra aos empregados nem fazem, jamais, confidências ao analista ou ao padre, para não se comprometerem. Enfim, são os que habitam o universo dos banqueiros ou dirigentes de grandes empresas ou grupos econômicos e (in)justamente eles – os  coitados que costumam contar com a compaixão da justiça, especialmente a partir da segunda instância.

Se a juventude permite que a coragem desbrave o mundo, a idade permite que ela seja a substância dos desabafos. Dezessete anos de advocacia trabalhista testemunham a tendência de excessiva compaixão dos Tribunais com os grandes devedores, podando a coragem expressa nas sentenças dos magistrados de primeira instância, que ouvem de perto o clamor das partes, por presenciarem em audiência a desigualdade colorida, palpável, odorada, tocante… esquecida por alguns habitantes dos gabinetes limpos e decorados com obras de arte, cortinas claras, assessores, seguranças e móveis em tons pastéis.  Ressalve-se que há sempre a esperança dos votos vencidos, dos que ainda lembram a época em que tomavam contato com os dramas e não apenas com os autos, físicos ou virtuais, afinal nunca esteve tão certo o centenário Nelson Rodrigues ao afirmar que toda unanimidade é burra.

Quantas decisões que condenaram empresas reincidentes em prejudicar a saúde e, por vezes, atentarem até contra a vida dos empregados, vieram a ser reformadas para diminuir o valor das indenizações arbitradas na primeira instância? Quantas decisões “tabelando” a saúde do trabalhador de R$30.000,00 a R$60.000,00 para os casos de invalidez permanente a morte, quando do outro lado sentam os banqueiros e grandes magnatas?

Esse texto sem conclusão é feito no acender das luzes de setembro, mês de negociações históricas de bancários e petroleiros, das greves e da chuva de interditos proibitórios, das multas astronômicas e presença da polícia contra os sindicatos que ousarem exercer o legítimo direito de resistência e fica para reflexão. Haverá um dia em que setembro seja o mês da chegada da primavera, também para os que não são alcançados pela justiça… aquela que sem perder tempo com discussões filosóficas, aqui no Brasil, deveria aplicar o que assegura a Constituição.

Meirivone Ferreira de Aragão
Advogada trabalhista e sindical

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais