Desta vez abordaremos neste espaço um tema bastante delicado:
O direito dos pais (ou responsáveis) em pleitear a redução de algumas horas da sua jornada de trabalho sem a obrigatoriedade de compensação de horários e sem prejuízo da remuneração, a fim de que possam acompanhar o filho, menor, nas atividades terapêuticas indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento enquanto portador da Síndrome de Down.
Existe grande divergência de entendimentos no Judiciário sobre o tema.
Uma corrente defende que inexiste previsão legal que ampare a pretensão acima mencionada. Para esta corrente, a efetivação desta pretensão deve ocorrer por meio de políticas públicas abrangentes.
Outra corrente – a que nos filiamos – entende que o texto constitucional é expresso, de modo que os valores mais caros à sociedade possuem aptidão para alcançar todos os indivíduos
de forma direta e eficácia plena, sem a necessidade de que sejam
veiculados por meio de pontes infraconstitucionais.
Cada vez mais a sociedade está se conscientizando de como é importante valorizar a diversidade humana e de como é fundamental oferecer equidade de oportunidades para que as pessoas com deficiência exerçam seu direito em conviver em comunidade. A sociedade está mais preparada para receber pessoas com síndrome de Down e existem relatos de experiências muito bem-sucedidas de inclusão. (BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com Síndrome de Down. 1. ed. 2013, p.10)
Felizmente a nossa ordem jurídica, mesmo que de forma incipiente, tem procurado promover e garantir os direitos e liberdades fundamentais dos deficientes e portadores de necessidades especiais
visando à sua inclusão social, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.
Impulsionada pela medicina, pela psicologia, pela sociologia e por outras áreas do saber, a sociedade tem evoluído, passando a enxergar os integrantes dessa parcela da população como indivíduos sujeitos de prerrogativas e obrigações, no exercício, às vezes pleno, às vezes mitigado, de sua capacidade e de sua cidadania.
No âmbito da Administração Pública, a Lei nº 13.370/2016 alterou o art. 98, §3º, da Lei nº 8.112/1990 para estender o direito ao horário especial ao servidor público federal que possui cônjuge, filho ou dependente com deficiência e para revogar a exigência de compensação.
No que toca ao Direito do Trabalho, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 110/2016, da relatoria do senador Flavio Arns, que pretende reduzir em 10% a jornada dos trabalhadores que tenham sob sua guarda filhos com deficiência, sem prejuízo da remuneração.
Em recentíssimo julgado datado de 02 de dezembro de 2020, o TST – Tribunal Superior do Trabalho – entendeu que é perfeitamente possível a redução de jornada sem redução de remuneração referente ao caso aqui debatido.
Para o Tribunal, felizmente, está ficando para trás o tempo em que a pessoa portadora de deficiência física, mental, intelectual ou sensorial, inata ou adquirida, era considerada apenas um peso a ser suportado por terceiros, fosse no âmbito familiar ou social ou ainda sob as expensas do Estado.
O relator, Ministro Alexandre Agra Belmonte, enfatizou que há de se ter em mente que os anseios por uma sociedade justa não podem passar ao largo da percepção de que os seus integrantes são plurais e de que a igualdade substancial é valor que coloca em alto relevo as diferenças de ordem pessoal.
Tratar pessoas diferentes com isonomia não significa tratá-las segundo a mesma régua ou de acordo com os mesmos parâmetros.
A aplicação do primado da igualdade sem qualquer temperamento costuma apenas aprofundar as desigualdades ainda tão presentes em nossa realidade social.
Efetivamente, ao negar um horário diferenciado aos responsáveis, não se estaria adotando um tratamento uniforme para crianças em situações flagrantemente desiguais? Pensamos que a resposta seja positiva.
Para o Ministro, o direito das crianças com deficiência, de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos, passou a ser literal na Constituição brasileira a partir de 25 de agosto de 2009, data da publicação do Decreto presidencial nº 6.949.
Desta maneira entendemos plenamente possível o direito dos pais (ou responsáveis) em ter redução de carga horária, sem diminuição da remuneração, a fim de que possam acompanhar o filho, menor, nas atividades terapêuticas indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento em razão de ser portador da Síndrome de Down.
Alessandro Guimarães – alessandro@alessandroguimaraes.adv.br