Só os vivos criam o mundo.

Estou a ler alguns textos inéditos de Stefan Zweig, datados de 1918, publicados por Robert Laffont cem anos depois, e que estavam esquecidos na minha biblioteca.

O livro, devo ter adquirido numa das minhas viagens a Paris, ou então requisitado de lá via Amazon.fr, que chega bem rápido, mas traz um custo acrescido, no bolso sofrido por muito doído.

Textos até então (2018) inéditos de Stefan Zweig

E como dói!, importar um livro de L’Écume de Pages, na Saint-Germain de Prés, quase vizinha às mesas de Les Deux Magots, e bem pertinho do Relais d’Éntrecôte, só para falar de livrarias fervilhantes e bons cardápios, porque Paris tem dessas coisas que por aqui nos faltam: livros e pratos.

Se dos pratos é impossível importar, pela Amazon.fr é possível trazer livros, via entrega postal, rápida e precisa, mas que vem taxada e sobretaxada, afinal cultura enriquece em demasia quem consome e a ela se vicia.

Mas, por lema e dilema próprios, quem tem poucos vícios, deve pagar pelos seus gozos.

E eu tenho os meus. Sempre os tive! E pretendo continuar a tê-los! Sem açúcar; com pouco sal; em parcimoniosa dose alcoólica; e fazendo sexo ainda! Tudo aquilo que me é preceituado, enquanto animal doméstico. Porque eu, se estou e sou assim,   doméstico, é porque fui de longo tempo: domesticado!

Porque houve tempo em que eu, se de tudo não era selvagem, eu o fui civilizado!

Se bem que, adquirir civilidade, ou qualquer coisa que assim se entenda, trata-se de um processo lento e continuado e que nunca acaba.

O que para mim bem começa, todo dia ao acordar, forrando o leito com a coberta sem a qual a cama resta em desaprumo, em promessas de um dia igual; sem aprumo! E quiçá, em maioria: desprovido de rumo e em desarrumo.

Mas, por que forrar a cama, se logo iremos desforrá-la?  – perguntava eu a minha mãe, ela educando seis filhos, a carecer todos eles, tanta coisa em tantos hábitos?

Porque os hábitos, bons ou maus, continuam, se a gente deixar, pelo resto da vida.

Matéria de O Globo 24/01/2022

Agora mesmo estou a ler em, O Globo, de 24/01/2022, uma matéria que ouso compartilhar, sem achegas de inutilidade: “Já lavou seu umbigo hoje? Deixar região suja pode trazer problema de saúde. Área costuma juntar suor, sujeira e muitas bactérias; aprenda a limpar.”

O assunto traz uma foto que bem vale divulgar; de um umbigo bonito de mulher.

E, só para consignar sem perdas de tempo: como é bonito um umbigo de mulher!

Mas, o umbigo suja, diz O Globo. “Você pode esfregar da cabeça aos pés toda vez que entrar no chuveiro, mas há uma pequena parte do seu corpo que normalmente é negligenciada durante o banho, não importa quão empenhado você seja em sua auto higiene: o umbigo. Esquecer-se desta parte é algo bem comum”.

E a novidade eu nunca soubera que “por causa do recuo desta região, o acúmulo de suor, sujeira, restos de pele e bactérias podem causar o mau cheiro na região”.

Coisa que eu desconhecia, ou esqueci, afinal nunca ninguém me reclamou do meu cheiro, nem do que de baixo exala no umbigo, logo eu que dele me esqueci, só o podendo contemplar se ousar me mirar no espelho.

Mas, continua a matéria amparada num “estudo feito por pesquisadores do projeto Belly Button Biodiversity (Biodiversidade do Umbigo) da Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, descobriu que, em média, há 67 bactérias diferentes em nosso umbigo, trabalho em que 60 umbigos foram analisados e um deles apresentou 107 bactérias”.

Descobriu-se, por exemplo, “que um dos voluntários hospedava uma bactéria que anteriormente só havia sido encontrada em solo no Japão”.

Um feito notável, porque o umbigo estudado nunca estivera no Império do Sol Nascente, o que pareceria uma conclusão insolente, não fosse outro voluntário, pouco adepto de asseios, exibir o devaneio de abrigar bactérias que normalmente só “vivem em condições extremas, como nos Polos Sul e Norte”.

E por que eu estou a desembestar afastando-me de Stefan Sweig? Só para dizer que “além do mau cheiro, um umbigo sujo pode desenvolver uma infecção — por causa da alta concentração de bactérias — chamada de onfalite, e as secreções podem até endurecer e causar um tipo de “pedra”, embora não seja algo comum?

Só para dizer que “limpar corretamente o umbigo é fundamental para evitar problemas futuros”?

Seria necessário repetir que O Globo preceitua a maneira de alimpar os embigos, e eu me pouparei de listá-la, porque cada um deve cuidar do que é seu, em manejos próprios, e eu prefiro tratar dos miolos e desmiolos, meus sobremodo, e dos que me ousam seguir, provocando-os a refletir, e a se afastar-se dos próprios umbigos, sujos ou mau limpados?

Assim volto-me aos textos, ditos inéditos de Zweig, dizendo que foram achegas publicadas “quentes”, em cima da hora, isso entre agosto de 1914 e o mês igual em 1918, tempos sangrentos de guerra, na Áustria, Alemanha e Ucrânia, escritos e que restaram inúteis, em artigos, manifestos e relatos, sobre sua própria experiência de luta e sobre a convulsão em que vivia sua Europa.

São escritos que revelam a evolução de Zweig em um momento chave da história e de sua vida.

São posições assumidas durante a 1ª Grande Guerra, tão mutáveis, quão complexas, e não de todo contraditórias, mudando o homem e transformando o artista da pena, a denunciar o erro, verberando-o em achegas desprezadas, pela sua circunstância, como é comum à indiferença dos conceitos, preconceitos e vontades.

Essa coisa comum, em que se pode admirar o estilo, sua forma, a beleza estética das suas escolhas, mas não se aceita o conteúdo, por mero proselitismo divergente, previamente assumido.

Algo parecido com o que se vê na atualidade, onde se impõe na imprensa mundo afora e no Brasil sobremodo, este “omnia impedit”, amplamente exarado, a carecer geral censura, ninguém sabendo quem deve ou não exibir o confiável selo de “nihil obstat”: se o rei, o epíscopo, ou um seu corifeu, anti-bolsonarista, a fustigar bozistas e terraplanistas, ninguém parecendo merecer uma confiabilidade semiplena.

Porque há muitos “nihil obstat”, amplamente exarados, por defesas de supra notáveis escudeiros de ciência, ninguém se perguntando em reflexo de espelho: nem o vulgo, o jejuno, o quase jumento, e até o analfabeto; aquele que lê, mas não entende. Nem se pergunta: a que? A quo? Quid pro quo? Ou mero cocoricó, por relincho de rasa ciência? Que ciência, ó cara sardônica mas macilentamente, pálida?

São achegas que me chegam, igual ao “Chega”, o novo partido direitista português, que foi sucesso na última eleição depois que a “geringonça” fracassou.

Só para dizer que em terras lusas, crê-se em “Chegas” e achegas, de obtusas alianças, uniões de geringonças, que não ensejam mudanças, nem respeito.

Achegas iguais às do Ministro Fux, que em inaugural seção judiciária, longe de falar para si e para os seus, resolveu discursar parecendo líder supremo dos povos, condenando “o nós e os eles”, que se ensaia na próxima refrega eleitoral, enfatizando que melhor é reinar a pasmaceira que tudo nivela, para bem permanecer igual e estagnado: a suprema filosofia de Il Gattopardo, de Dom Tomazo de Lampeduza. Sobremodo, para si e os seus, porque é preciso que tudo mude para permanecer igual, já que o povo, se não está feliz, é porque o pão e o divertimento não estão sendo ofertados a contento.

Contentamento semelhante ao contemplado por Sweig, sendo eloquente no seu julgar e apreciar o mundo, e sendo por isso incompreendido e dele tendo que fugir. Para longe, bem longe! Parando até por aqui, em nossas terras paradisíacas!

Mas, para que falar de infaustos acontecidos?

O mundo e o noticiário continuam iguais.

Se a 1ª Grande Guerra está distante, Sweig não voga mais, porque não lamentar que no mesmo cenário, junto aos distantes Cárpatos, onde corre o Dnieper, reacende-se a velha disputa entre eslavos e ocidentais franco-germânicos, tendo a OTAN como desafio ao escudo americano, Putin deixando a todos embrutecidos?

Se o Putin é o emputecido da vez, devemos até por isso demonizar o Bolsonaro por lhe fazer uma visita, e à Rússia, na hora errada e nesse momento azado?

O noticiário de agora parece repetir as palavras de Sweig que contemplava a reunião de seus circunstantes querendo lutar, brigar, trocar golpe de espada e tiros, a Áustria Imperial querendo esmagar a Sérvia, em luta ferrenha dos germanos contra os eslavos, nações de ódio eterno ressurgente, que se assanham nos mesmos azimutes, agora de Ucranianos  e Russos, margeando o mesmo rio Dnieper, em igual luta e divergência, os homens se sucedendo sem dirimir os seus equívocos, em pura coisa de umbigo, de gravitação no mesmo embigo, sujo ou limpo.

E assim eu volto ao umbigo, onde todos ou quase, se gravitam, em achegas de gozos diferentes.

Matéria de Le Figaro falando do perigoso uso do protóxido de azoto, o gás hilariante, para o sorriso dos jovens.

Falando agora em outras achegas, do protoxido de azoto, óxido nitroso, ou N2O, também conhecido como gás hilariante, porque vem uma denúncia perigosa constatada pelo jornalão francês, Le Figaro, só para dizer que há doutros alcaloides, drogas lícitas perigosas a rondar sem que saibamos.

E eu nunca o soube, eu já um ancião, que pensava ter visto tudo; faltando o diabo amarrado, se para isso tivesse melhor acuidade.

Se o diabo continua desamarrado, alguns jovens franceses estão usando o gás hilariante para ingestão de sorriso fácil e livre devaneio.

O problema é que neste enleio, muitos deles têm sido acometidos de acidentes traumatizantes por desmaios, inalando o protoxido de azoto, comercializado em pequenos sifões ou tubetes, para fins de culinária, e que estão sendo utilizados para encher balões em suas festas e vendidos a dez euros a unidade, para consumo desses garotos que riem a vontade, desmaiam por fim, e se acidentam, sem nem mesmo lembrar das causas das feridas e seus hematomas. Muitos casos hospitalares sendo relatados com danos irreversíveis de paralisia motora.

O dilema se faz grave, porque o protóxido de azoto não é uma droga ilícita como a maconha, o crack e a cocaína.

Não se trata de uma anfetamina. Não é proibida sua venda, afinal é um gás pouco reativo e não inflamável.

Houve tempo em que se usava o N2O nos primórdios da anestesia, como a inalação por éter, excesso de cachaça, ou mesmo uma paulada bem acertada na cabeça do paciente a ter uma perna amputada por gangreno.

Isso, porém, é história que se conta, da qual “se non e vero é bene trovato”.

Trovante e pouco trovejante, o jornalão francês reúne achegas denunciando o uso inocente do gás hilariante, em tubetes oficinais de culinária, ou inocentes bexigas de soprar, como bolas coloridas de aniversário.

Sem riso nenhum de protóxido d’azoto, os textos de Stefan Zweig, valem pela leitura, de em nele contemplar, a profundidade e a coragem que possuía, perante a indiferença monumental do seu entorno.

Destaque-se que em alguns desses escritos o romancista parece abdicar de seu pensamento humanista, confrontado com a realidade da guerra.

Porque no princípio, igual a outros, na sua vizinhança, foi arrebatado pela onda de paixões e por um impulso patriótico quase místico.

Arrebatamento que logo arrefeceu, sobretudo a partir de uma viagem em julho de 2015 à Galícia, região polonesa ou ucraniana, então pertencente ao Império austro-húngaro, durante a qual contemplou o “horror” real do conflito, tendo aderido, gradualmente, às ideias pacifistas de seu amigo Romain Rolland.

Se a guerra prosseguiu indiferente ao seu pacifismo, a partir de 1917, Zweig assumiu  papel de “guia espiritual” para a Europa, assinando novos textos, entre os quais um marcante “Elogio ao derrotismo”, no qual procurava resistir ao “estouro” que se exerce incansavelmente nas consciências individuais.

Um século depois, este tresloucado elogio ao derrotismo bem vale repetir, afinal “as palavras, os versos, os livros, os quadros, os protestos e os gritos restaram inúteis”,  com a insensatez prevalecendo, porque a guerra prosseguira por quatro anos, sem promessas de trégua, perfazendo um crime muito maior do que a própria declaração inicial do conflito.

E agora, quando os espíritos em asas se arrufam, esse apelo à ressurreição do espírito, ditado por Sweig, ressoa com mais força do que nunca, porque uma guerra é sempre um desastre.

Oportunidade para denunciar o oportunismo como o verdadeiro inimigo mundial, porque a opinião política sempre provocará oposições e inibições temporárias, a seu serviço.

Hoje, por exemplo, é bom direito da OTAN exaltar os seus bíceps bem além do Atlântico Norte onde foi gestada como escudo necessário?

Ou tudo isso não é um simples reflexo umbilical, do mesmo umbigo, em desalimpo restado?

Assim, eis-me encerrando minhas achegas inúteis e desnecessárias, de umbigos mal lavados, de maus risos em protóxido de azoto, discursos outros em vãos perdigotos, ao meu gosto ou meu mal gosto, repetindo de Stefan Zweig que “só os vivos comandam o mundo”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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