Sobre a “independência” do Tribunal de Contas

O tempo passa, o tempo voa…Oito anos atrás, um comentário deste colunista sobre o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe provocou pelo menos uma reação indignada. O servidor de carreira e então supervisor da Escola de Contas do TCE, Vanderson da Silva Melo, considerou equivocado falar em subordinação da Corte de Contas à Assembleia Legislativa. E enviou artigo no qual defende que os Tribunais de Contas são órgãos independentes.

Em parte, ele tem razão. Constitucionalmente, no Brasil os Tribunais de Contas são órgãos “auxiliares” do Poder Legislativo: o Tribunal de Contas da União auxilia o Congresso Nacional, os Tribunais de Contas dos Estados auxiliam as Assembleias Legislativas e, assim, sucessivamente. Mas, na vida real, esses órgãos auxiliares ganharam tanta musculatura que já rivalizam com o próprio Legislativo e, em alguns aspectos, ministros do TCU e conselheiros dos TCEs têm mais regalias do que os próprios parlamentares. Por exemplo: a título de assegurar maior independência de suas atribuições, os membros dos Tribunais de Contas gozam das garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. Parlamentar, como se sabe, não é cargo vitalício.

O que se quer, no entanto, é questionar a independência do Tribunal de Contas. No seu artigo, Vanderson Melo lembra que a função de controle e fiscalização da administração pública, que cabe ao Poder Legislativo, é dividida com os Tribunais de Contas quanto ao controle parlamentar indireto, já que esses auxiliam nos aspectos contábeis, financeiros, operacionais, orçamentários e patrimoniais. Mas, diz ele, o auxílio mencionado na Constituição “não sugere a existência de subordinação ou hierarquia funcional, e sim uma cooperação técnica, uma vez que o texto constitucional assegura às Cortes de Contas autonomia orçamentária, financeira e administrativa, bem como outorga aos seus membros as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens conferidas à magistratura”.

E cita análise do então ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, acerca da suposta subordinação do TCU ao Congresso. O ex-ministro e ex-presidente do STF considera que o TCU não é sequer órgão auxiliar do Parlamento, “naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional”. E conclui: “Quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle externo ‘com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71)’, tenho como certo que está a falar de ‘auxílio’ do mesmo modo como a Constituição fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário”.
Por fim, o próprio Vanderson dá conclusão à ideia de independência em relação aos demais poderes: “Os Tribunais de Contas são órgãos constitucionalmente autônomos, de natureza e funções administrativas, cujas decisões consistem em aplicar a lei ‘de ofício’, na apreciação técnica e legal das contas públicas sem apreciação posterior do Poder Judiciário, salvo no seu aspecto formal. Assim, devem possuir, necessariamente, relação de cooperação e necessidade com os Parlamentos, nunca subalternidade”.

Independência Combina com Escolha Política?

Mas será mesmo independente um órgão cujos membros não são concursados nem eleitos democraticamente, mas escolhidos pelo chefe do Poder Executivo com a anuência do Poder Legislativo, no mais das vezes entre políticos derrotados?. O jurista Ives Gandra Martins (agora um defensor do impeachment de Dilma Rousseff, baseado apenas na culpa da presidenta – embora isso aqui não venha ao caso) considera que “a outorga de uma autonomia maior às Cortes de Contas implicaria uma escolha (dos seus membros) mais objetiva e menos subjetiva, o que vale dizer, mais técnica do que política”. Ele sugere que o Tribunal de Contas seja “um braço do Poder Judiciário e não do Poder Legislativo, transformando-o em verdadeiro Poder responsabilizador, com a atribuição de executar suas sentenças, como o Poder Judiciário o faz”. Aí então, é o que sugere Gandra Martins, a escolha dos ministros do TCU — e, naturalmente, dos conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais — “deveria ser feita à semelhança dos magistrados, ou seja, em concurso público”.

Na maioria dos países, os Tribunais de Contas (ou controladorias) são subordinados ao Poder Legislativo, em alguns ao Poder Executivo e, em alguns poucos, ao Poder Judiciário. Gandra Martins reconhece que a experiência de um Tribunal de Contas como parte do Poder Judiciário e não do Poder Legislativo não tem o respaldo dos diversos modelos adotados pela comunidade internacional. “No Brasil, todavia, sua implementação seria válida, em face da inoperância dos Tribunais de Contas existentes, sempre subordinados ao Congresso (Legislativo), sendo a escolha de seus membros, para ocupar as vagas que se abrem nos Sodalícios, muitas vezes, exclusivamente políticas”.

Portanto, antes de se falar em independência do Tribunal de Contas é necessário que haja independência na escolha dos conselheiros. Coisa que nunca houve e, certamente, nunca haverá. O tempo passa, o tempo voa, o debate volta sempre ao à dúvida inicial, mas tudo está como dantes no quartel d’Abrantes.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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