Tiririca e a lucidez eleitoral.

Tiririca (2222) é candidato a Deputado Federal por São Paulo.
Que tem José Saramago em o “Ensaio sobre a Lucidez”, com o palhaço Tiririca e os políticos compradores de votos, e ainda com o direito de não votar ou libertariamente anular o voto?

 

Não será uma grande piada, fingir ver seriedade no pleito que se configura com os nossos candidatos empesteando a cidade com jovens portando bandeiras, a soldo de miséria, ou carros de som cantando siglas das sete às 22 horas, cada um berrando representar mais saúde, mais segurança, mais educação, e cada vez mais cara de pau e enganação?

 

Estará Tiririca nos contando uma grande anedota no bestiário da próxima eleição, professando uma ironia corrosiva necessária, ou uma gozação sem sentido, desfocada e desbotada de uma realidade descolorida em nódoa e fedentina?

 

Será sua campanha uma concertina, a despertar revoltas, recusas e repulsas na cidadania que não ri e nem goza, quando seu cerne ético é ferido e sua moral violada? Será também uma comprovação deletéria que a democracia dos povos descabeçados e desmiolados se degrada na anarquia responsável pela derrocada das nações, única causa de desventuras autoritárias?

 

Será que o homem não pode se gerir sem um príncipe que lhe seja símbolo, um herói que lhe dê pavilhão, um ilustrado que lhe distinga a razão ou alguém que só o convença com o abuso do chicote ou do grilhão?

 

Será que uma democracia não pode premiar os justos e capazes, rejeitando os malandros e espertos, os incompetentes e aproveitadores, os medíocres e viciosos, para que o mérito, a ética, a eficiência e a solidariedade sejam o ampla desejo, a luta única da sociedade na convivência de homens, mulheres e a natureza?

 

Por acaso sentimos esta certeza nos discursos da próxima eleição, primeira inclusive em que não se apresentam postulações com vezos ideológicos e maniqueístas; eleição em que todos se parecem iguais e nenhum presta mais que o outro, aí incluídas todas as siglas, às dezenas!?

 

Assim vale sorrir desta miséria de homens e costumes tomando como ápice a bufonaria de Tiririca e a fina ironia de José Saramago em o “Ensaio sobre a Lucidez”, só para dizer que o universo em cheiro de titica é bem mais amplo do que pode imaginar nossa tosca democracia.

 

Tomemos, portanto, a campanha televisiva do palhaço Tiririca que pode ser vista no site abaixo:

 

http://www.youtube.com/watch?v=Ic4V8lXp3eY,

 

Aos que não tem meios de acessar o site acima, direi que Tiririca se apresenta nos seus trajes bizarramente conhecidos, exibindo o mesmo sorriso “abestado”, seu sucesso na profissão, agora se propondo com o número 2222 ser Deputado Federal por são Paulo. E, pela repetição na televisão, todos no seu partido devem estar felizes, achando uma beleza ter conseguido o chamariz necessário para ampliar os votos de legenda, tornado-a maior embuste do nosso processo eleitoral.

 

E do mesmo modo como “pecunia no olet”, ou dinheiro não fede no dizer romano, o voto instigado pela carniça ou pela mundiça é sempre bem vindo, sobretudo, por ter custo menor. Porque Tirica não vai pagar porta bandeiras, cabos eleitorais ou carros de som. Com seu jingle de dois dedinhos prum lado e dois pro outro, bem que os candidatos 2222, Brasil a fora poderiam imitar no horário eleitoral gratuito.

 

Palhaçadas a parte, o bufão geralmente não é engraçado fora do palco. Alguns são até bem amargos e cruéis. Que me perdoem os humoristas se a generalização os violenta, mas é deste modo que a ficção imita a realidade quando a máscara cai e a maquiagem é retirada. Há inclusive o mote: “alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo.”

 

Collot d”Herbois, o comediante metralhador de Lyon na França revolucionária sufocando a oposição.

No fogo da grande Revolução Francesa, por exemplo, o comediante Collot d’Herbois demonstrou pouco riso enquanto um dos mais impiedosos revolucionários ao assumir o poder e o mando na cidade de Lyon. Dizimou milhares de resistente leoneses a tiros de canhão, porque a guilhotina não dava vencimento. Era a vingança do comediante contra a cidade que o vaiara numa das suas apresentações desastrosas no palco em que tudo era riso e liberalidade. Um exemplo, aqui colocado para estimular o livre refletir no escolher da urna eleitoral.

 

José Saramago, discutindo sobre a lucidez, propõe por reflexão a fina ironia latina ditada pelo “Ridendo castigat moris”, na qual o riso é suscitado para a correção dos costumes, algo em que Molière fora um mestre, superando Shakespeare em gargalhadas.

 

Mas, sem suscitar borbotões de gargalho o “Ensaio sobre a lucidez” discute justamente o que seja verdadeiro e correto diante do que se convencionou como tal.

 

Seu texto narra fatos decorridos numa hipotética eleição, em que são debatidos os altos problemas nacionais em salubérrima discussão de três partidos políticos, únicos desaguadouros da vontade e do acendrado espírito cívico dos concidadãos.

 

Eleição da qual participam o partido no poder, o Partido da Direita, ou PDD, o Partido do Meio, ou PDM, da oposição, e o Partido da Esquerda, ou PDE, minoritário.

 

No dia da eleição acontece tremendo aguaceiro que inviabilizou o resultado definitivo por ampla abstenção com os votos válidos não atingindo a cifra de 25%, com o PDD ganhando com 13%, o PDM ficando com 9%, e na rabada o PDE com 2,5% dos votos.

 

Desnecessário dizer que a decepção foi geral no contexto partidário, mas, em notas efusivas, lidas no rádio e na televisão com impostação, todos os partidos parabenizaram o momento único vivido pela democracia que ensejava uma nova convocação eleitoral, abrindo-se prazos de propaganda, campanha e divulgação.

 

E no dia da nova eleição, em pleno céu azul ensolarado e tépido, nunca houvera uma presença tão maciça do eleitorado que participara efusivamente da festa democrática. Nenhuma turbulência, nenhum fato perturbou o pleito. Nada houve que ensejasse nulidade ou insatisfação por parte dos fiscais partidários e candidatos, que viam o processo expressão soberana da decisão popular; algo em que a voz do povo vocalizava a própria vontade de Deus.

 

Quando, porém, se fez a apuração, verificou-se uma rejeição às siglas por insofismável maioria; o PDD e seu governo obtiveram 8% dos votos, o PDM, como oposição, recebeu outros 8%, o PDE permaneceu em minoria com 1%, numa votação maciça de Zero abstenção, com Zero sufrágios nulos e ampla maioria de 83% da votação em branco.

 

Um resultado eleitoral que firmava uma indefinição por vontade geral, e uma rejeição ao status quo político conjuntural.

 

Mas o PDD que estava no poder entendeu-se ameaçado. E mais; que era a pátria que estava ameaçada por inimigos solertes e escusos, entidades subterrâneas e batráquias, às quais cabia prontamente prevenir e combater. Algo que necessitava uma resposta rija e corajosa, a fim de que a nação não fosse solapada por inimigos tão inconfessáveis que perturbaram o livre decidir do eleitorado, ensejando a indefinição perniciosa da dúvida.

 

Ou seja, tudo aquilo que não resta deletério como o voto nulo, mas que desclassifica o voto branco como omissão ou comissão de despautério, quando, em verdade, o voto em branco não pode ser entendido como destituído de vontade.

 

Mas se o PDD entendeu o excesso de votos em branco como uma ameaça à democracia, com mais gravidade reagira a oposição enfatuada no PDM. A situação era tão ameaçadora que urgia a formação patriótica de um governo de união nacional, governo que deveria ser constituído pelos parlamentares em fins de mandato, e que tinham sido rejeitados por suprema ausência de votos.

 

Desnecessário dizer que a tese de um governo de salvação nacional empolgara sobremodo o PDE que se viu oportunamente convidado a empalmar o poder no consórcio salvacionista exarado.

 

Desnecessário também falar da sequência da trama, com ministros e parlamentares sugerindo e promovendo ações autoritárias, como a decretação do estado de sítio, a redução das liberdades, a censura da imprensa, o impedimento de reuniões, e a caça dos contumazes e sempre perniciosos inimigos da democracia.

 

Oportuno dizer que ninguém entendera a vontade das urnas como o exercício lúcido da vontade, ou livre arbitramento de inspiração divina, como prega a demagogia, aqui e lá fora.

 

E assim a lucidez é questionada em discussão de ficção. Discussão na qual eu insiro na realidade e sem fugacidade o palhaço Tirica, aquele que grita na tela da TV do programa eleitoral gratuito: “Vote no Tiririca, que pior não fica!” ou “Vote em quem não trambica, vote no Tiririca!”

 

Ou ainda, por pior, em lucidez escancarada por debochada: “O que é que faz um Deputado Federal? Na realidade eu não sei, mas vote em mim que eu te conto.” Afinal, neste ponto, estará por acaso sozinho o divertido marido de Florentina?

 

Por acaso também nesse excesso de fedentina não se faz verdadeira e plena a sua proposta mais que cruel em zombaria dos costumes? “Oh, gente! Estou aqui para pedir o seu voto porque eu quero ser Deputado Federal para ajudar os mais ‘necessitado’, inclusive a minha família”.

 

Os outros candidatos lhe são, por ventura ou desventura, diferentes? Fica a questão, sobretudo, para resposta dos seus empolgados eleitores, aqueles que não estão a se vender por moedas, mas se propõem a garimpar e mal usar os seus favores.

 

E prossigo com o palhaço convocando sua claque, em galhofa de vulgaridade: “Se vocês não votarem em mim eu vou morreeeer!”

 

Morrer de rir, porque de chorar não faltará quem o venha substituir. Porque o seu plano é bastante simples e bem poderia ser copiado por expressiva maioria, se não fosse exigido o seu traje e fantasia: “Os que ‘votando” em mim, eu vou estar em Brasília e vou estar na realidade o ‘coisa’ da vida do nosso Brasil, a nossa vida, o nosso momento, o nosso ‘coisa” que nós temos. Para Deputado Federal, vote no Tiririca, o ‘abestado’! Ou seja, tirem-lhes o telepronter que o desastre antecipado pontifica.

 

Assim, partindo de Saramago e sua discussão lúcida sobre o voto não externado e diante de tantos candidatos tiriricas, em nulidade no agir e no pensar, e sem pudicícia em fraudar e corromper, estará o palhaço Tiririca tão deslocado do seu próprio picadeiro?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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