Tiroteio entre o “ido” versus o “não ido, ainda”

Na semana que passou aconteceu um grande debate de prévia eleitoral.

Pelo que foi dito e rebatido, o embate poderia ser entre o “ido”, versus o “não ido”, ou entre “aquele que já se foi sem deixar saudade”, contra “aquele que é, e poderá sê-lo, ainda”.

O “ido”, doído e ressentido, é o PSDB, que por negação ao seu proto-pensar ideológico, concebido como esquerda, sempre esquerda, por nascituro, embora bem moderna, em mal tentado e desapuro.

O “não ido”, ou “não ido, ainda”, é o PT em dez anos no poder.

O “ido”, por real agir assumido em vezo ébrio de modernidade alcaloide, tracejou o próprio esconjuro, cedendo-se ao lógico e ao bestialógico neoliberal, ousando até o antológico, de desdizer-se e renegar-se, enquanto ethos, reescrevendo também os próprios discursos, suas teses e escólios, aquilo que lhe deveria ser pétreo, imutável e permanente, qual verniz em barata luzidia.

Largando Marx e beijando Smith, o “ido”, e bem ido, preferiu o “axis” e a práxis da elite, que sempre sábia e mais que sábia, corteja bem aquela esquerda furtiva, festiva e galhofeira. Gente festeira, adiposa e enfastiosa, mas que alegra todos os bares, por seus esgares, em fertilidade e relinchos de muares. Raça de caça só gulosa; glutona de prêmios, comissões e homenagens.

E por ménage pantagruélica, aquela gauche mouca e pouco angélica, por menos louca do que maquiavélica, ao ver o Real vigendo, e o arrocho salarial permanecendo, deixou de amar o “ido”, e, sem ruído ou alarido, passou a odiá-lo.

Ora, já dizia Machiavelli (1469-1527): “Entre ser amado e temido, o Príncipe não podendo ser amado, deve ser temido”.  E continuava Niccolò, o mais sábio florentino, não contraditado por ser lesto e mais ladino: “O Príncipe só não pode ser odiado”. Não pode!!!

Mas, sem conseguir ser temido, o “ido” restou odiado. E porque restou bem odiado, e continua assim, aquele “ido” que planejara ficar no poder por décadas, foi derrubado dali, e desde então passou mais de uma década em choro e lamentações.

Na última semana o noticiário da UOL listou o “ido” falando mal do “não ido, ainda”, pela boca do Senador Aécio Neves, que se crê uma raposa política bem maior que seu avô Tancredo, e do Ex-Presidente Fernando Henrique, o Narciso que azedo restou, na réstia e na imodéstia, de seu espelho pouco narcíseo.

Diz o Aécio, jovial motoqueiro, tão bonito quanto era o Brigadeiro, e igualmente solteiro e mais que  fagueiro, o que é bem importante, enquanto galo cantante e restante no terreiro: "A grande verdade é, nestes dez anos, o PT está exaurindo a herança bendita que o governo Fernando Henrique lhe legou […]. Não é mais a presidente quem governa. Hoje, quem governa hoje o país é a lógica da reeleição".

Que tristeza ver o Aécio tão néscio mirando o futuro e seu avenir, no passado remido e a finir.

Melhor remissão pontuou a Presidenta Dilma (grafemos Presidenta, por seu neologismo preferencial e presidencial), gritando assim em alto e bom som: "Nós não herdamos nada [do governo FHC]. Nós construímos".

Era Dilma, ex-guerrilheira, respostando ou respondendo, no ato de comemoração dos 33 anos do PT, o partido “não ido, ainda” repelindo os "13 fracassos" da gestão petista, listados por Aécio Neves, o candidato virtual do PSDB, e a “bendita herança”, dele Aécio, do governo FHC.

Já o próprio FHC, feliz e embasbacado com o aplauso de seu pequeno auditório, sorriu narcísico, enfático e apoplético: "O que é que a gente pode fazer quando a pessoa é ingrata? Nada. Cospe no prato que comeu. Meu Deus".

Eu que nada entendi, da frase cômica e histriônica listada na UOL, quer por arrevessas pajelanças, ou por travessas de comilanças, vi tudo como uma reedição do “nunca antes neste país”, repetido por Lula a exaustão, agora em nova versão, sorrida por FHC; tão sardônica, quão pouco sorbônica, e bem menos salomônica.

Neste particular Lula e FHC se nivelam. Ambos querem ser o novo Cristo, enquanto limitadores da História, desde que o povo Cireneu lhe carregue o madeiro.

Mas, se eu que não sou arteiro, político matreiro, militante apolítico ou mefítico edulcorante, ao ver a hipercrítica discrepante e a autocrítica decepcionante, do FHC em rinha de prévia eleição, detectei o riso de chacota na bicorada de Rui Falcão, o Presidente atual do PT, sem tocar no “mensalão": "Dilma não poderia mesmo cuspir no prato, como quer FHC. Quando Lula assumiu, até prato faltava…".

Bicoradas à parte, um falcão nordestino, o Governador Ciro Gomes do Ceará, ripostou por Iracema e Jandaia: "Se o Fernando Henrique tivesse feito algum favor a Dilma, ele teria algum motivo para dizer que ela é ingrata. Mas qual foi o favor que o Fernando Henrique fez a Dilma? Nenhum".

Já Lula, o “nosso Lincoln”, gritou para o antecessor, não o do Lincoln verdadeiro, que foi Buchanan, uma desgraça, mas o dele Lula, mirando FHC por chalaça, e seu anedotário sem graça: "Eu acho que Fernando Henrique Cardoso deveria, no mínimo, ficar quieto. Acho que, neste país, cada um fala o que quiser e responde pelo que fala. (…) Deixa a mulher trabalhar. Porque não é todo dia que o país elege uma mulher presidente".

Sem falar de mulheres de Atenas ou de Pernambuco, mas se achando também um candidato à Presidência da República em 2014, e sem querer, sobretudo, deixar a banda passar sozinha, o Governador Eduardo Campos, olho no olho e sem cantar falsete, trinou solene: "Esse é um ano complexo para o Brasil, que não precisa de ninguém agora montando palanque, nem daquela velha rinha, discutindo o passado, coisas que não dialogam com a pauta do povo".

Ai o povo! Quem conhece a sua pauta, se o povo, sempre o povo, não conhece os filhos da pauta?

Pautas afastadas para bem longe, restou incompreensível o nosso inteligente e talentoso Marcelo Deda, pelo menos daquilo que eu colhi na UOL e que transcreverei sem alterações, tentando entender o destaque, a importância e a própria citação mal colhida no meu entender, até porque este sergipano merece mais louvação de respeito: "Com relação a uma pretensa ‘rinha’, pelo menos um elogio meu amigo e companheiro Eduardo Campos deve aos últimos pronunciamentos das lideranças do PT e do PSDB: elas estão sendo explícitas e sinceras em suas pretensões".

Pretensões bem pouco entendidas, melhor pontaria exibiu o ex-ministro Ciro Gomes (PSB) no espaço que tem como comentarista esportivo em uma rádio cearense: "O Eduardo [Campos] não tem estrada ainda. Não conhece o Brasil. O Aécio [Neves] não conhece o Brasil. A Marina Silva representa uma negação ética, uma negação desses maus costumes, mas não representa a afirmação de rigorosamente nada".

Já Marina Silva, apanhada na sua “Rede Sustentabilidade”, o Partido que não é Partido, mas que é bem surgido enquanto vanguarda do atraso, inseriu-se também na rinha.

(E aqui cabe um parêntese porque ninguém ainda ferreteou a “Rede” de Marina como "vanguarda do atraso”, Parece que eu sou o primeiro,… o que não é nada.)

Marina Silva, pregando o atraso do atraso em sua vanguarda do atraso, enquanto coceira gostosa de lêndea, chato ou piolho, e talvez por inspiração no bicho-de-porco, larva migrans ou pé-de-atleta, reafirmou professoral em excessiva sabença: "O desafio do Brasil é a mudança do modelo de desenvolvimento. […] A presidente Dilma não foi capaz de entender. Mas não só ela. O PT não foi capaz de entender. O PSDB não é capaz de entender essa nova agenda que se coloca para o mundo".

E o mundo é o mundo, mesmo que se lhe rime o imundo e o vagabundo, e entre no xote por “chacote”, o chicote de FHC sem rima e fora de clima, dando em cima do aposentado, ralhando-o de vagabundo.

Vagabundices e tolices à parte, retornemos a Abraham Lincoln, porque Lula deu uma guinada de bom ledor da recente biografia daquele mártir da união americana.

"Estava lendo o livro do Lincoln e fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln, em 1860, igualzinho bate em mim. E o coitado não tinha computador", disse Lula em um discurso voltado para sindicalistas da CUT.

É aí que eu entro na estória, porque lendo Lincoln, o livro de Doris Kearns Goodwin, ali encontrei a respeito.

Do Lincoln ainda candidato em 1860, a imprensa americana grafava Abram no lugar de Abraham.

O próprio New York Herald, ao saber que Lincoln assinara um livro de visitantes como “Abraham Lincoln”, assim observara causticamente: “nada mais justo do que supor que um homem saiba (escrever) seu próprio nome”.

”Parece que a dúvida se meu primeiro nome é ‘Abraham’ ou ‘Abram’ jamais será sanada. É ‘Abraham’”, disse Lincoln ao presidente da comissão de homologação da candidatura presidencial.

Para o Herald, Lincoln era “um advogado de terceira categoria”.

A conduta do Partido Republicano por sua indicação ”é um sinal extraordinário de um pequeno intelecto tornando-se menor ainda”.

‘Ao rejeitar Seward e Chase (postulantes derrotados por Lincoln), “que são estadistas e homens capazes’” , continuava o Herald, “eles escolheram um palestrante de quarta categoria, que não sabe falar corretamente” e cujos discursos são “composições marcadas pela falta de cultura (…) entremeadas de anedotas vulgares e sem graça’”.

Uma crítica que exacerbou até o politicamente correto que não vigia então: “Lincoln é a massa mais desconjuntada, magricela e esquálida de pernas, braços e rosto anguloso que já se reuniu num único corpo. Ele abusou de maneira injustificável do privilégio da feiura concedida a todos os políticos”.

O Charleston Mercury perguntava galhofeiro: “Depois dele que, que homem branco decente ia querer ser Presidente?”

Para vasta imprensa americana, Lincoln era o “belo ideal de um valentão de fronteira, implacável e obstinado, adepto do partido do Solo Livre, um terrorista inculto, dotado apenas de um ódio inveterado pela escravidão e sua predileção abertamente declarada pela igualdade dos negros”.

Se a imprensa descrevia Lincoln como semianalfabeto, ignorante, um simplório sem cultura, desinteressante e desajeitado, jornalistas republicanos encarregados de melhorar a imagem do candidato descobriram em sua mulher, Mary Todd, o refinamento e a cultura de um lar simples, mas cheio de dignidade.

Assim o descreve o Chicago Press ? Tribune: “Sempre com boa aparência, o ‘Velho e Honesto Abe’ jamais acompanha a moda; não é vaidoso, mas não é desleixado. (…) Em seus hábitos pessoais, o Sr. Lincoln tem a simplicidade de uma criança (…) sua alimentação é modesta e nutritiva. Nunca ingere bebida alcoólica de espécie alguma. (…) Não é viciado em tabaco…”

Quanto ao Lincoln acusado de ignorância, recusando redigir uma mensagem de própria lavra, por opção de pretenso apedeutismo, explicou: “Não, é melhor que eles (os críticos) saibam que eu não sei escrever de modo algum”.

Já sobre a esquesitice a ele atribuída pelo New York Evening Post, o notável era o destaque dado a sua esposa, a bela Mary Todd: “A Senhora Lincoln conversa com liberdade e simpatia; e está a par de todas as pequenas amenidades da sociedade”.

Chegando aqui, eu paro na comparação de Lula com Lincoln, conforme o próprio Lula entendeu assim.

Direi apenas que Mary Todd, a senhora Lincoln, por bela, educada e falante, sempre teve o beneplácito da imprensa americana, diferente de Dona Marisa Letícia, que terna, sorridente e sempre muda, não consegue transmudar, a seu favor, a empatia de nossos jornalistas.

Retratando, porém, Mary Todd, o polêmico ensaísta americano Gore Vidal a traceja entre o real e a ficcional, como bela, mas intolerante, prepotente, vingativa, perdulária, intrigante e neurótica; uma verdadeira loucura ambulante.

A seu favor, todos dizem, inclusive Vidal, que Mary Todd, quando jovem,  fora uma mulher muito bonita, antiga paixão de Stephen Douglas, o candidato democrata oponente de Lincoln, e de Jefferson Davis, o Presidente da Confederação Sulista, só para destacar que todos a queriam como sua primeira dama.

Mas Mary e suas crises nervosas, sobretudo após a morte dos filhos Edward e Willie, era um dilema que o marido aguentava pacientemente em ternura e tolerância, para impaciência de amigos e colaboradores.

Porque Mary era um saco; um grande estorvo para desafio ao carinho de Lincoln, que a amou perdidamente por toda a vida, entre tantas batalhas da secessão.

Para terminar, destaque-se a frase gaiata que a gente sempre recebe, mandada por golfada gástrica de refluxo, via internet. “Se Lula é nosso Lincoln, que venha logo Wilkes Booth!”

Wilkes Booth, só para lembrar, foi o assassino de Abraham Lincoln.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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