Toda maternidade é real

Desde que as expressões “raiz” e “Nutella” surgiram nas redes sociais, as pessoas passaram a classificar de forma recorrente o que parece ser algo verdadeiro e o que parece ser falso ou forçado. A expressão ‘raiz’ é utilizada para classificar as ações e os comportamentos “reais” que são vividos e reproduzidos no cotidiano, enquanto que ‘Nutella’ são os comportamentos e as expressões utilizados como máscara de uma vida que não é real diante dos olhos de quem acompanha a sociedade nas redes.

As formas de viver a realidade são formas de interpretar. Ou seja, o caminho mais fácil é sempre olhar a grama do outro como a mais verde, ou como a vida que parece ser fácil, e de tanto parecer, não pode ser real. O ser humano carrega essa característica egóica de ter a certeza de medir todas as coisas alheias com a sua própria régua, e assim, vamos criando e espalhando os juízos de valores, reforçando estereótipos, desrespeitando o livre-arbítrio, e construindo teorias sobre todos ao seu redor.

Com tudo é assim, mas uma coisa que tenho percebido é como isso se aplica de maneira cruel às mulheres, sobretudo no quesito maternidade. Todo mundo sabe tudo ou mais que as mães de primeira viagem, e por saberem tudo, as novas mães não podem opinar, afinal, nunca passaram pela experiência. Se a mulher está tranquila ao longo da gestação, ela está fingindo, se está desesperada, é exagerada. Se opta por um parto natural, quer inventar moda e não vai aguentar a dor, se opta por uma cesárea, é fresca. Se decide ser mãe de pet, nem é mãe, se decide adotar, é mãe pela metade, pois não gerou em seu ventre.

Se a mulher posta fotos com looks dos filhos, é fútil e objetifica as crianças, se ela faz os próprios brinquedos e festinhas dos filhos, é metida a hippie. Se tem uma relação saudável com o pai das crianças, só pode ser falsidade, se a relação é de ausência paterna, alguma coisa de errado ela deve ter feito para esse pai querer se afastar. Se uma grávida é a favor da descriminalização do aborto, é hipócrita, se a mulher opta por não ter fillhos, é fria ou não sabe o que é amor.

Quando eu escuto, leio relatos, acompanho as experiências únicas, sim, porque TODA experiência é única, me choco com a quantidade de gente com know-how da vida alheia. E não é que as pessoas não possam ou devam compartilhar suas experiências, seus medos, suas vivências, mas é importante saber a diferença entre aconselhar, compartilhar sua história e julgar o comportamento e a escolha do outro. Não há um ranking de maternidade que defina quem é a melhor mãe ou pior. Gestar não é uma competição de quem padece mais para mostrar quão real é a maternidade e que, como todo processo, carrega dores e delícias em quem o sente.

A maternidade, em suas várias fases, contextos e níveis, é real para quem a sente. A minha maternidade é real, assim como a de minhas avós, mãe, tias, as que geraram, as que não geraram e as que adotaram filhos, das minhas amigas, colegas, conhecidas, ou de qualquer mulher que se sente mãe e que é a mãe que ela pode ser, do jeito que ela optou ou que a vida levou a essa escolha e contexto. Julgar a realidade do outro com base na sua é permanecer olhando para o espelho, quando o que está ao redor apresenta infinitas possibilidades de aprendizados. Quanto à raiz, prefiro deixá-la fincada na terra, e a Nutella, deixo para comer nas sobremesas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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