Todo mundo é índio no mês de abril

Há algum tempo escrevi sobre a diferença entre caridade e solidariedade, no intuito de fazer com que leitores desta coluna reflitam sobre ações que de fato colaboram com as lutas de populações em situação de vulnerabilidade social e apagamento histórico ou se as ações destinadas a essas populações são armadilhas (inconsciente ou não) do ego. Pois é, ao longo desse mês, os povos originários do nosso país, as mais de 200 etnias indígenas que ainda habitam os 26 estados e o distrito federal, realizaram atos de luta e resistência, como forma de difundir conhecimento e desmistificar estereótipos enraizados em nossa cultura.

Não entrarei no mérito pessoal de minha descendência e nem explanarei as diversas vezes em que ouvi falas extremamente desagradáveis sobre isso, mas, quero, de maneira bem didática, explicar por que determinadas ajudas pegam mal e reforçam estereótipos negativos sobre essas populações. É importante ressaltar que assim como a nossa sociedade, urbana, caótica, diversa, é complexa, as populações indígenas também são. Não existe uma homogeneidade em qualquer que seja a população. Ainda categorizar algumas sociedades como primitivas ou homogêneas é permanecer insistindo em um conceito preconceituoso e que não tem fundamento qualquer para existir.

Independente da etnia indígena, esteja na aldeia ou nas metrópoles, as populações são diversas, portanto, as necessidades dessas pessoas, individualmente também diferem. Se pegarmos um exemplo básico da divisão de classes em nossa sociedade, podemos ver que há pessoas que acreditam que ajuda é caridade, visto que as suas necessidades básicas não estão sendo supridas como deveriam, a exemplo das pessoas em situação de rua ou pessoas desempregadas que chegam a passar fome. A necessidade faz com que esse grupo pense de uma forma sobre o que seria ajudar os povos originários, por exemplo.

Diferentemente de uma categoria que frequenta outros espaços e teve outras oportunidades de acesso a conhecimento e pensamento crítico social, que irá confrontar esse tipo de ação, alegando que as formas de ajuda social das pessoas brancas e com maior poder aquisitivo pode se dar, por exemplo, através da abertura de oportunidades de emprego, estudo, para essas populações, para divulgação de informações, fomento dos profissionais que dialogam com cultura e arte, apoio a esse tipo de circulação, além, da difusão de informação e cobrança por políticas públicas que protejam as terras indígenas, a exemplo da campanha pela demarcação de terras.

Quem está certo, quem realiza roda xamânica e vende pena e cocar em eventos para alinhamento de chacras e busca do encontro ancestral, em que o grupo indígena irá receber uma porcentagem da renda revertida em cestas básicas, ou dinheiro ou outros serviços, ou quem está atuando como ativista, intelectual em espaços como o pleito político, as universidades etc.? Todas essas pessoas, dentro de seus contextos, estão corretas. O que não está certo é a população não-indígena não compreender ainda que os povos originários não são homogêneos, portanto, suas necessidades não serão as mesmas, ao menos, não as individuais.

O que a população branca ou não-indígena pode fazer e deve fazer é aprender a escutar, a reconhecer a pluralidade e se somar à luta das inúmeras maneiras que existem, como o apoio à demarcação, apoio à candidaturas indígenas, fomento de empregos para a população indígena, preocupação com o consumo de insumos que apoiam a grilagem, entre outras questões que vão além dos posts em redes sociais e a doação de cestas básicas ou dinheiro. Reconhecer e incluir de fato toda a diversidade étnico-racial que nossa sociedade possui é o mínimo, e é por aí que todo mundo deve começar.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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