São muitas as tradições juninas, a começar com a preparação do local da festa, o corte e imposição do mastro, a Sarandagem, o pau de sebo, também conhecido como pau da Cocanha, a fogueira e os fogos, o batismo e o compadrio, a culinária do milho com o coco, a área de dança e de apresentações de quadrilhas, a música regionalizada, tudo isto de forma independente da vigilância e do controle religioso. O corte do mastro, sua colocação no centro do local da festa remete ao mito medieval da Cocanha e a práticas que, há muitos séculos, rendia louvores a um lugar imaginário, onde as pessoas não envelheciam, nem precisavam trabalhar, porque tudo brotava da terra, para satisfazer a todos. A Cocanha foi tão popular na Europa, que durante os séculos XVI e XVII, por ocasião do regozijo público, erguia-se, numa praça de Nápolis, na Itália, uma montanha representando o Etna ou o Vesúvio. Da cratera deste vulcão parodiado irrompe uma erupção de maçarão, que ao rolar se esfarinhava em queijo ralado, de que estavam cobertos os flancos da montanha para imitar cinza. O povo esmurrava-se para obter um pouco daquela preciosa lava. A fogueira tem sido explicada, no ciclo junino, de diversos modos, dentre eles porque teria sido uma forma de comunicação, entre Isabel e Maria, para anunciar o nascimento de João Batista. Não custa dizer que na Idade Média as fogueiras serviam para espantar os dragões, que voam, nadam e correm e que quando estavam no ar provocavam a luxuria, jogando espermas nos poços e nos rios, após o que ocorre, naquele ano, grande mortalidade. Vale ainda acrescentar que os ossos de São João Batista foram queimados. Em torno da fogueira, como dos antigos fogos, as pessoas se tornam compadres e comadres (São João dormiu/São João acordou/Vamos ser compadre/Que São João Mandou), o que significa dizer que assumem o compromisso do testemunho, incentivado, no passado, pela própria Igreja, justo pela conotação devocional. Os três santos têm fortes tradições, entranhadas na vida nordestina. A maior das tradições ligadas a Santo Antonio é o trezenário, rezado tanto nas capelas e igrejas de sua invocação, como em casas residenciais, cujos proprietários são devotos do santo. Havia entre católicos ortodoxos, como registra a imprensa sergipana do início do século XX, condenação ao fato das famílias montarem altar e realizarem cerimônias, em suas casas, como as trezenas. Diversas simpatias e crendices, ligadas ao casamento, a procura e ao encontro de namorados, e mesmo a conquista amorosa, se ligam a Santo Antonio, como, por exemplo, a simpatia de colocação de uma faca numa bananeira, pedindo ajuda para casar. No cordel, nas narrativas em prosa, os devotos alternam suas atitudes diante do Santo, seja para louvá-lo pela graça recebida, uma vez que ele é, também, um santo milagreiro, ou ameaçá-lo de castigo, como colocar a sua imagem de cabeça para baixo, forma, como já se viu, de inferiorização ou mesmo de humilhação, ou, ainda, surrar a imagem como forma extrema de reação desconsolada de quem se viu traída pelo santo. Corre na boca do povo estórias de Santo Antonio fujão, cuja imagem desaparecia das capelas e igrejas, sendo encontradas e recambiadas graças a ação dos devotos. Seu prestígio, no entanto, supera o contraditório da recepção de sua biografia no Brasil. Ele é, por exemplo, um Orago de muitas paróquias, em todo o Brasil, especialmente no Nordeste. São João Batista toma o centro da festa e várias das tradições estão ligadas ao seu nome ou são por ele inspiradas. É com ele que a festa junina toma a forma mais popular, reunindo um público concentrado que vai além da devoção e se torna um espetáculo, com o qual se faz a renovação da tradição da festa. João Batista dá nome ao ciclo, muito embora algumas práticas, como a procissão guiada por uma criança com um carneiro, como a simbolizar a pureza, e ao mesmo tempo o sacrifício, comum no seu tempo, tenham desaparecido. São poucas as igrejas que o tem como Padroeiro, daí serem pobres as manifestações religiosas, restritas ao dia 24 de junho. As sortes, que já foram material lúdico de grande consumo, entre moças e rapazes, não existem mais. Nem mesmo a crendice de colocar-se uma bacia no sereno e na manhã seguinte ao dia de São João ser procurada, como um espelho, capaz de mostrar o rosto, completo, do crente, vigora no atual ciclo de festas. No passado, em Sergipe, a festa de São João confrontava os Batalhões em cantorias e em guerra de fogo, realçando o talento e a coragem dos contendores. As danças e dentre elas a quadrilha, que hoje são belos corpos de baile, têm função especial nos dias da festa, e até precedem, com disputas, os dias de concentração, que são em torno dos festejos de São João. Na culinária convém anotar que assim como ss indígenas comiam milho assado, os negros africanos tinham o milho com fruta e os portuguesas faziam com o milho diversos bolos e pãos, com ovos e açúcar. Há, contudo, uma sobrevivência,um visgo que renova, a cada ano, a simpatia dos nordestinos pelo ciclo junino. O São Pedro tem, com certeza, a menor festa. A sua principal tradição é a do casamento da viúva, muitas vezes associado ao corte do mastro e a Sarandagem, como acontece em Capela. Tido como protetor das viúvas, São Pedro exerce um certo controle sobre tipos específicos da população, por ser o porteiro do céu, aquele que vigia a porta e a entrada dos caminhantes da parca. José Pacheco e outros poetas da Literatura de Cordel são autores de folhetos com chegada e recepção no céu, tendo São Pedro como personagem central dessa tradição sobre a vida humana. Apesar de ter morrido junto com Paulo e ser santificado com ele, São Pedro patrocina, sozinho, sua festa que a qual é encerrado o ciclo junino.
O local reproduz, ou tenta reproduzir, a zona rural e a convivência das pessoas, de todas as idades, e de certo modo imita, ou caricaturiza, o jeito matuto das populações rurais, os modos de vestir, de falar, caracterizando um tipo muito próximo do Jeca Tatu, personagem criado por Monteiro Lobato, na efervescência da Eugenia, ciência da regeneração racial, que nos Estados Unidos, na Argentina e no Brasil alcançou fóruns acadêmicos, e que, na Alemanha, inspirou o Reich de Adolf Hitler. Algumas vezes, por vingança ou ironia, as pessoas são chamadas de Coronel ou Coroné.
No Brasil a Cocanha está em textos do padre Manoel da Nóbrega (Carta de 1549), de Gaspar Barléus, autor de uma História sob o ponto de vista dos holandeses (1645), como está nos ajuntamentos sociais, como as Santidades (descritas na Visitação da Inquisição na Bahia, 1592), a Pedra do Reino, ajuntamento do século XIX, como está em Canudos, episódio do final do século XIX, onde Antonio Conselheiro prometia aos seus seguidores ~rios de leite, ribanceiras de coalhada~ ou como está na Literatura de Cordel, em pelo menos dois folhetos, um de Leandro Gomes de Barros – Viagem ao céu – e outro de Manoel Camilo dos Santos – Viagem ao país de São Saruê. A Sarandagem precede ao pau de sebo e consiste na recolha, no comércio local e nas casas residenciais, de dinheiro e de presentes, a serem colocados como prêmio, no topo do mastro ou do pau de sebo, atraindo a curiosidade dos festeiros.
É ainda no braseiro das fogueiras que são assadas as espigas de milho, repetindo um hábito que desde os Tupinambás é registrado na bibliografia mais acreditada. Os fogos de queima e explosão – foguetes, chuvinhas, vulcões, rojões, pitus, espadas e buscapés – contrastam como os fogos de vista, ou de artifício, que encantam as noites frias e estreladas do ciclo junino. A dança e a música são elementos indispensáveis äs festas juninas. Luiz Gonzaga, a maior expressão artística do Nordeste e da alma do Brasil reuniu a safona, a zabumba e o triângulo, recriou dos ritmos folclóricos o baião, vestiu-se como vaqueiro e como cangaceiro, aludindo a uma lúdica típica da região e cantou, como ninguém jamais o fez, o ritmo e a canção junina, sendo seguido por um número que já foi grande de autores e intérpretes do ciclo de junho. Uma audição, ainda que incompleta, de Luiz Gonzaga permite constatar seu envolvimento com as mais caras e recorrentes tradições (a melhor forma de revisitar o ciclo junino é ouvir uma antologia gonzaguiana).
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários