Três assuntos mórbidos e degradantes.

Três assuntos degradantes me chamaram a atenção na semana que passou.

 

Alguém, uma amiga minha, me disse bruscamente: – Sabe quem morreu?

 

Colocado de supetão por uma pergunta tão brusca, pareceu-me requerer uma resposta que eu deveria ter obrigação de sabê-la.

 

Não fosse a lembrança da morte e a curiosidade de saber quem tinha morrido, eu já estaria me sentindo em fracasso diante de uma banca examinadora.

 

Algumas pessoas gostam de fazer este tipo de pergunta, às vezes para nos assustar, e quase sempre para nos dizer que o tema de suas preocupações o é também de todos. O que pode ser verdade, mas não significa que em sendo importante para todo mundo, o seja também para mim.

 

De modo que, refeito do quase susto, sapequei minha resposta óbvia. -Não!

 

Poderia até acrescentar um ora essa, em acrescida obviedade.

 

– Marcelo Silva! Gritou minha amiga, parecendo feliz da vida.

 

Fiquei aturdido diante dos Marcelos conhecidos, querendo me lembrar de um que fosse Silva e que privasse da minha amizade, alguém por quem eu tivesse a obrigação de lastimar. Sim, porque diante da morte só devemos lastimar; morremos juntos, também um pouco.

 

Como o meu cérebro anda um pouco lento para nomes e outras coisas mais, angustiado perguntei a minha amiga: – Quem é Marcelo Silva?!

 

E a resposta veio como um bofetão na cara: – Marcelo Silva é o ex-marido de Suzana Vieira!

 

E continuou agora mais-que-feliz em solidariedade feminina: – Foi muito bem empregado!

 

E assim eu fiquei sabendo de todos os detalhes da morte abrupta do jovem amante da atriz passada dos anos.

 

Do namoro apaixonado da artista quase senil com o garanhão quase juvenil, da mancebia de pura orgia entre o vil galã e a coroa mais que pueril engalanada, tudo em grande escândalo como antes eu já soubera; um assunto de excedente badalação, com reportagens coloridas de muitas fotos e sorrisos, e vendagens de jornais e revistas, e programas de TV.

 

Reportagens requisitadas e louvadas, diga-se em acréscimo, afinal vivemos uma época em que se prefere a lascívia à pureza em que homens e mulheres são convidados em propaganda enganosa a se corromperem em orgasmos intermináveis.

 

Assim, falseando a vida e a realidade narrada pela vida, notícias glamorizam as mulheres decaídas em anos e em costuras, saindo à caça de machos cada vez mais jovens, dizendo que esta é a verdadeira relação de duradouro e eterno amor, quando em verdade estão a lhes comprar ilusões em carinhos falsificados.

 

E os homens, que tristeza! Os homens também envelhecidos e já com os músculos flácidos e esmorecidos, se sentem gatões turbinados agora por pílulas, injeções ou até próteses fálicas, suprindo falências cavernosas, com artefatos e artifícios, de molinha ou de bombinha inflável, para buscar o desfrutável sobre fêmeas que se lhes concedem os desejos em ofícios nunca decadentes.

 

A tragédia da artista global e de seu ex-marido é mais uma a somar entre tantas estórias de badalação boba e de descaminho.

 

No caso em questão, no dizer de minha amiga e de outras suas colegas, o desfecho foi bem empregado. Parece que Deus desceu do céu para dar o necessário castigo; um castigo de final de novela ou de thriller americano.

 

Se houvesse um aprendizado com tudo isto, seria até pedagogicamente defensável, conjurar uma urucubaca tão irresistível.

Suzana Vieira e Marcelo Silva em muitas juras e ilusões anunciadas. Fonte; divulgação.

Há quem do amor traído costura até o nome do infeliz na boca do sapo, desejando-lhe mil castigos.

 

Mas, como Deus não desce do céu para cumprir promessas e desejos malucos de ninguém, uma terrível pedagogia como essa revela apenas que ninguém aprende com as misérias dos outros, prefere aprender com as próprias, e a overdose em drogas continua fazendo as sua vítimas.

 

Mas, deixemos a tragédia da coroa plastificada em cirurgia e seu garanhão rufião em orgias funestas, e ingressemos em outras más gestas, já que estamos a falar de misérias.

 

Lamentável! Foi mais que lastimável, a TV mostrar, ao vivo e em cores, a população de um bairro periférico da grande Aracaju desancar pauladas num indivíduo suspeito de pedofilia.

 

A cena terrível, a suscitar gozos, revela a falência da democracia na satisfação da vontade do cidadão, um perigo que pode crescer e se tornar incontrolável.

 

Sem mais acreditar na justiça para resolver o problema da criminalidade, estará a população retornando às origens, voltando ao período barbário em que a justiça se fazia com as próprias mãos?

 

E a TV mostrou, e pode mil vezes repetir, um indivíduo em trajes sumários, de cueca, indefeso, sendo agredido a pauladas por diversos populares, e sendo filmado por um repórter suscitando e estimulando a agressão, afinal na frente da televisão todo mundo vira artista de cinema.

 

E a coisa foi tão real, e ao vivo, que o agredido cambaleou e caiu, e não mais se levantou, para o aplauso generalizado.

 

Aplauso, sim senhor! Há gosto para tudo!

 

Garanto inclusive que numa enquete se poderia constatar uma aprovação bem maior do que a repulsa.

 

E não é porque os homens querem relembrar os prazeres em carnificina do Coliseu Romano.

 

Não! O povo aplaudiu, porque está descrente na justiça, o que é lamentável.

 

Há uma emasculação do estado de direito. A sociedade real não está satisfeita com o escopo legal que a rege. Há uma insatisfação com o excesso de garantias e ritos, totalmente desprovidos de rapidez, operacionalidade e eficiência.

 

Vivemos no mundo das grandes velocidades e automação, e a justiça nem de longe demonstra saber o que seja isso.

 

Ora, como a agressão foi documentada e seus autores identificados, um processo irá acusá-los, e ao cinegrafista também, como culpados e/ou incentivadores de tentativa de homicídio ou de lesão corporal, ou ainda assassinato se o “tarado” morrer.

 

E, como todo festival de besteira nacional, a lei recomenda que um tempo seja perdido em oitivas e oitavas.

 

Haverá, por mor besteira, um júri popular com seus discursos em falsetes, algumas farsas rabulistas e suas perorações vazias. E como Deus não desce do céu toda hora para matar gigolô ou tarado, o final virá com absolvição em aplauso e efusão.

 

Só não há aplauso para a outra tragédia, a morte decretada do Jardim de Infância Augusto Maynard, a terceira notícia e para mim a mais degradante, já que suscita a indiferença de todos.

 

Parece que o governo do estado, a prefeitura da cidade e todos os poderes constituídos se reuniram para assassinar o Jardim de Infância.

 

E eu só posso protestar com tristeza porque estão matando o meu jardim tão querido; o Jardim das saudosas e mais queridas professoras, Bebé Tiúba e Núbia Porto, e tantas outras de minha saudosa memória.

 

Mas os homens que fazem o governo e a prefeitura não querem saber de lembranças. De nada adianta procurar no “Pesquise – Pesquisa de Sergipe / Infonet”, do escritor Luiz Antônio Barreto, para saber que aquele Kindergarten fora criado na Interventoria de Augusto Maynard Gomes, inaugurado em 17 de março de 1932, sob os auspícios do Diretor da Instrução Pública, o médico Helvécio de Andrade, um defensor da regeneração racial, experimentado clínico, com atividades de professor, e larga participação na vida pública sergipana.”

 

No resgate histórico da criação do Jardim de Infância Luiz Antônio desencava o que ninguém mais sabia e parece querer apagar. “O jardim se inspirava nos estudos de Frederick Froebel, enfatizando que ‘A criança começa ali a conhecer a natureza, as plantas, as cores, os insetos, etc. O fim principal dos Jardins (nas cidades) é integrar a criança à natureza’, uma junção que Deus uniu e não cabia ao homem separar.”

Foto de uma festinha do Jardim de Infância Augusto Maynard. Estaria eu aí entre as crianças? Fonte Pesquise – Pesquisa de Sergipe / Infonet.

Pois é! Agora vivem e comandam o Estado outros homens.

 

Os homens de 1932 procuravam unir a criança e as flores, os homens de 2008 estão unidos para separá-las. Uma união para destruir, apagar e demolir.

 

É o velho ciclo das misérias humanas; a humanidade não muda, e é uma só: há os que constroem, há os que conservam e há os que destroem.

 

E o restante como eu, ou aplaude, ou lamenta, em macacadas ou cabisbaixo como símio.

 

Hoje, passados setenta e seis anos não adianta nem saber que o projeto original do Jardim fora realizado mediante concorrência pública tendo vencido o plano apresentado pelo Engenheiro Leandro Maciel que atendia todas as expectativas da sociedade, bem como da Profª. Penélope Magalhães, “um dos mais qualificados quadros do protestantismo em Sergipe, com formação nos Estados Unidos”, recebendo elogios desde o de “Dom Adalberto Sobral, Bispo da Barra, na Bahia, superando as divergências religiosas”, ao do “Vice-rei do Norte”, o Ministro Juarez Távora, presente na inauguração, como a materialização em terras sergipanas da modernidade ditada pelos ideais da revolução de 1930.

 

Na inauguração do Jardim, continua Luiz Antônio Barreto à luz de seus estudos em documentos rotineiramente apagados pelos que não gostam do passado: “O ânimo geral deu ao Jardim de Infância o impulso para que ele sobrevivesse e cumprisse seu papel com professores, jogos, prendas, música, e um jardim em torno das edificações, na tentativa de reproduzir, em Aracaju, a idéia original de Froebel para a educação infantil.”

 

Mas os homens de agora querem apagar o feito pelos homens de outrora e cavalgar a história como Átila, deixando um rastro de destruição.

Jardim de Infância Augusto Maynard em 17 de março de 1932, data da sua inauguração. Fonte Pesquise – Pesquisa de Sergipe / Infonet.

Se não mais existe Froebel, persiste quem o denigre e o despreza. O culpado é sempre da lei e da sua rei, e do animus inovandi ditado pela culta incúriae dos que acham natural inovar a destruição do patrimônio público, e de seu rescaldo cultural.

 

É a eterna mania do homem caranguejo, do bichinho goré, que só faz escavacar, esburacar, se enfiar no escuro, sem nada construir que ilumine e seja louvável.

 

Estão assassinando o Jardinzinho de meu tempo de infância, jardinzinho de mim, peço licença para escrever assim, de mim enquanto criança, menino de aventalzinho, de um tempo em que eu acreditava na bondade dos homens grandes, em que eu era apenas o Odilonzinho da sala, e dali só recebi ensinamentos de ternura e de carinho; inesquecíveis carinhos.

 

E hoje o meu Jardim não recebe o carinho de ninguém.

 

Uma vergonha! Mais vergonhosa que a paixão da atriz, os namoros e as traições indecentes, e até mesmo do inclemente linchamento do tarado pela canalha quase igual.

 

A tara da canalha dos matadores do jardim é bem pior. É uma morte encomendada e acobertada pela lei, afinal o Kindergarten, ou melhor, o Kindergartemmodel, o modelo de Jardim de Infância criado segundo concepção pedagógica germano-saxônica não pode ser mais estadual.

 

– Tem que ser municipal! Grita o idiota da objetividade, só para citar Nelson Rodrigues e seu deslindar de farsantes.

 

E o município numa farsa por igual, porque finge não se entender com o governo estadual, rejeita o jardim e as crianças que ali estudam.

 

E com isso, joga também no lixo a minha história, a dos meus coleguinhas de aventazinho, as doces professoras, e até o nome do herói tenentista Augusto Maynard.

 

Mas, para que falar em mim, nos meus colegas infantis e das professoras que só vivem nos nossos corações? Por que falar mais em herói tenentista, ou de tenente interventor, se o momento é de quem destrói e se finge artista, ou é ativista demolidor?

 

Assim, eis os três assuntos degradantes comentados. Temas terríveis, deletérios e mórbidos. Repertório que nos desagrada sobremodo, por noticiário lamentável, mas verdadeiro, provando que a despeito da modernidade da vida, o viver ainda é difícil em nossos dias.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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