Três Festas, Três Textos

O maranhense Celso de Magalhães (1849-1879) e o sergipano Silvio Romero (1851-1914) são apontados e reconhecidos como os pioneiros dos estudos do folclore no Brasil, com seus trabalhos publicados na década de 1870. Magalhães estudando a poesia popular, em 1873, Romero divulgando seus estudos, em 1879, também sobre a poesia do povo, que em 1888 reuniria sob o título de Estudos sobre a poesia popular do Brasil. Aos dois seguiram-se outros interessados pelo populário, fixando em textos as festas e os grupos folclóricos que nela desfilavam suas coreografias e trajos, cantos e ritmos que deram visibilidade a um tipo de cultura lúdica, como é exemplo o baiano Melo Morais Filho (1844-1919).

Três textos do século XVIII dão, no entanto, registro fiel de manifestações folclóricas no Brasil, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro, recuando o conjunto de fontes para os anos de 1760 e 1763, conforme os relatos e anotações que documentam festas: duas, sendo uma em Salvador e outra em  Santo Amaro da Purificação, em 1760, em regozijo pelo casamento da Princesa da Beira com o Infante D. Pedro, e uma no Rio de Janeiro, em 1763,  festejando o nascimento do Príncipe da Beira.

Na primeira festa, que durou um mês, ficou o registro feito pelo padre Manoel de Cerqueira Torres, entre os documentos do Conselho Ultramarino. Uma festa cuja , variedade não tem comparativo no Brasil, preparada com esmero para expressar o júbilo da população, mobilizada pela Igreja e pelas autoridades, em torno da família real portuguesa. Obrigadas, e debaixo de ameaças de graves penas,  as pessoas iluminaram todas as janelas de suas casas, com “vistosas e brilhantes luminárias”, para que desfilassem os grupos de Mascarados, músicos, dançarinos (Dança do Esparteiro, Dança Pássara, Danças Ciganas, Danças Mouriscas), Caboclinhos (representados por Tanoeiros), Ciganos, Cantores em serenata, Cavalhadas, Touradas, Carros alegóricos representando os continentes do mundo – Europa, América, África e Ásia – e as Estações do ano: verão, estio (primavera), inverno e outono, Óperas, Auto de Guerra, tudo ornado com revoada de pombos e de outros pássaros.

As cores predominantes dos grupos em festa eram o Azul e o Carmezim (vermelho). Tais cores estavam nos grupos de moças e rapazes e os adornos faziam com que o sol tropical faiscasse sobre as cabeças e os corpos enfeitados com riquezas da terra, incluindo o ouro e o diamante. O clima da festa era mesmo de celebração e três meninos, bem vestidos, representavam, simbolicamente, os festejos: o Prazer, o Encômio (discurso elogioso) e o Aplauso, demonstrando o contentamento dos brasileiros com as bodas dos príncipes.

A segunda festa, registrada pela narração de Francisco Calmon com o título de Relação das Faustíssimas Festas, editada em Lisboa em 1762, reeditada pela FUNARTE, no Rio de Janeiro, em 1982, ocorreu de 1º a 22 de dezembro de 1760, em Santo Amaro da Purificação, e seguiu o mesmo figurino da festa de Salvador, acrescida de outros grupos populares, como Congos, Cacumbís e Taieiras, que não estavam na primeira festa. No mais foram apresentadas as Corridas de Argolas, com as Cavalhadas, os bandos de Mascarados, as Canas, lutas de negros e índios que lembram, em tudo, os Lambe-Sujos e os Caboclinhos, e outras diversões.

A terceira festa – Epanafora festiva, ou relação sumária das festas com que a cidade do Rio de Janeiro celebrou o feliz nascimento do Sereníssimo Príncipe da Beira, Nosso Senhor – Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, 1763, apresenta diversos grupos, como a Cavalhada, e nela o Jogo das Argolinhas, com cavaleiros formando cordões ou partidos, vestindo Azul e Escarlate (vermelho forte), Dança das Ciganas,  farsas com carpinteiros, pedreiros e marceneiros, fingindo conflitos de Cristãos e Mouros.

Nas três festas estão devidamente anotados fatos folclóricos que servem de fonte, ainda hoje, para o cotejo com as sobrevivências culturais populares, ainda hoje pesquisadas e estudadas. Amplia-se, assim, o universo da pesquisa, requerendo uma interpretação cuidadosa, profunda, ambientada no leito da história do Brasil.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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