Três pendências de 2007

Concluído o sétimo ano depois da falida previsão sobre o fim do mundo, é hora do saldo de balanço de 2007. Nada assustador, afinal, entre mortos e feridos salvaram-se (quase) todos. O agora é que é terrível. Como diria William Shakespeare: “O passado e o futuro parecem-nos sempre melhores; o presente, sempre pior.” Ou, citando outro pensador, metade do presente é arruinada pela lembrança do passado e a outra metade, pela preocupação com o futuro. Pois tratemos logo de arruinar parte do presente recordando as três principais pendências de 2007. Nada que não se possa concluir no futuro próximo. Ou não.

 

OPERAÇÃO NAVALHA — Quem é minimamente sério e torce contra a impunidade aguarda ansiosamente que a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acate logo a denúncia do Ministério Público Federal contra a meia centena de gautameiros flagrados pela Polícia Federal, em maio, na Operação Navalha. Três graúdos sergipanos foram denunciados — o conselheiro do Tribunal de Contas Estadual Flávio Conceição, o ex-deputado federal Ivan Paixão e o empresário João Alves Neto — e outras autoridades acabaram envolvidas colateralmente — como os também conselheiros Isabel Nabuco e Reinaldo Moura, o vice-governador Belivaldo Chagas e o ex-desembargador Pascoal Nabuco. Aonde tudo isso vai dar, ninguém sabe. Mas as perspectivas não são boas, do ponto de vista da sociedade.

 

O histórico julgamento sobre o esquema do mensalão, ocorrido no Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto, vai parecer simples diante do que pode acontecer no STJ com a apreciação da denúncia contra todos os acusados na Operação Navalha. Apenas dois dos indiciados, o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e o conselheiro Flávio Conceição, desfrutam da prerrogativa de foro naquela corte. Mas ao colocar numa mesma quadrilha — e numa única denúncia — todos os 48 envolvidos no suposto esquema em favor da empreiteira baiana Gautama, a ação penal vai se transformar num longo processo criminal que pode levar mais de uma década para chegar a um desfecho no STJ. A avaliação é da Corregedoria Geral do Distrito Federal.


Duas subprocuradoras-gerais da República trabalham na elaboração da denúncia contra os acusados, que deverão responder na Justiça por crimes de fraude em licitação, formação de quadrilha, superfaturamento de obras e corrupção. Mas a exemplo do caso do mensalão, o processo será complexo. Com 48 denunciados, o STJ levará meses apenas para notificar cada um dos envolvidos em nove estados e no Distrito Federal, por meio de carta precatória, para que apresentem um contraditório que rebata as acusações do MPF e da Polícia Federal.


Com base nesses documentos e na denúncia, a relatora do caso, Eliana Calmon, terá de preparar um relatório, com voto, que será submetido à Corte Especial do STJ para que os demais ministros decidam pela abertura ou não de processo, analisando a participação de cada acusado no suposto esquema em benefício da Gautama. Se a denúncia for recebida, o STJ terá de ouvir até 392 testemunhas, sendo oito da acusação e oito para cada réu.


Em maio, a ministra Eliana Calmon expediu 48 mandados de prisão contra políticos, empresários, servidores e empregados da Gautama. Foram presas 46 pessoas, dentre as quais o dono da empresa, Zuleido Veras. Todos os acusados serão beneficiados pela manutenção do processo no STJ até mais do que o próprio Lago, se este vier a ser alvo da ação penal.


É que, segundo jurisprudência do STJ, o prazo de prescrição para os crimes envolvendo o governador fica suspenso durante todo o período entre a denúncia e o recebimento pela Assembléia Legislativa de pedido do STJ para abertura de processo. Entretanto, o tempo de prescrição continua contando para os demais denunciados sem prerrogativa de foro. Em 12 anos, um acusado de corrupção passiva ou ativa, com pena de oito anos, não poderá mais ser punido. Se tiver mais de 70 anos, esse prazo cai pela metade.


No caso da Navalha, há ainda um ingrediente a favor da impunidade que não existe no processo do mensalão do STF: como há suposto envolvimento de um governador, o do Maranhão, o processo só prosseguirá no STJ se a Assembléia Legislativa daquele estado der autorização para a abertura da ação penal. Ou seja, o destino de pelo menos 48 pessoas ficará nas mãos dos 45 deputados estaduais maranhenses e, como conseqüência, de interesses políticos regionais. De acordo com o artigo 66 da Constituição do Maranhão, a licença para processar o governador depende dos votos de dois terços dos deputados. Esse privilégio, do qual goza também o presidente da República, já não existe mais no caso de deputados e senadores, que são julgados criminalmente no STF.

 

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO — O órgão auxiliar da Assembléia Legislativa de Sergipe está em dívida com a sociedade. Deixou muitas questões pendentes em 2007. A mais incubada delas diz respeito justamente ao caçula dos conselheiros, Flávio Conceição, que todos esperavam fosse afastado, depois da revelação de que ele era o operador do esquema da Gautama em Sergipe. A presidência do TCE não o afastou de suas funções e nem deu a mínima explicação para o motivo.

 

Mas nem tudo o que acontece (ou deixa de acontecer) no TCE pode ser debitado na conta de Flávio Conceição. Há o caso de um contrato que remete à gestão na presidência do conselheiro aposentado Hildegards Azevedo, em 2006, supostamente superfaturado segundo denúncia do conselheiro Carlos Alberto Sobral. Seriam R$ 2,75 milhões para os quais até hoje não se encontrou uma explicação, mesmo que inaceitável.

 

E há o mal explicado caso dos comissionados. O ex-presidente Carlos Pinna recebeu requerimento da Assembléia Legislativa, aprovado no dia 18 de outubro, solicitando que apresentasse em 30 dias as devidas informações referentes aos cargos comissionados e aos contratos de emprego formalizados pelas empresas terceirizadas que prestaram serviço ao órgão de 2004 a 2007. O TCE teria que ter enviado o cadastro de todos os funcionários contratados pelo órgão e pelas empresas, com as respectivas datas de admissão e demissão. Nada ficou esclarecido.

 

ELEIÇÃO PARA DESEMBARGADOR — Foi um espetáculo deprimente o protagonizado pelos (poucos) advogados que compareceram à sede da OAB no dia 7 de dezembro para eleger, dentre 16 pares, aquele que ocupará a vaga do aposentado Pascoal Nabuco no Tribunal de Justiça de Sergipe. Primeiro porque faltou civismo à classe (como eles preferem ser chamados — categoria é coisa de profissionais menores): menos de 50% dos advogados aptos a votar compareceram à eleição que escolheria os seis a serem submetidos ao Pleno do TJ. Depois, foi aquela baixaria promovida por um grupo pequeno mas barulhento, adepto de um dos candidatos, que chegou a ameaçar o presidente Henri Clay.

 

O presidente terá que convocar nova eleição, mas dificilmente o problema cessará aí. É que o processo de escolha definido pela OAB é muito complicado, estabelecendo que cada um dos escolhidos obtenha metade mais um dos votos por escrutínio. E há um fator complicador desta eleição que é a presença como candidato mais forte do advogado Edson Ulisses de Melo, que vem a ser cunhado do governador Marcelo Déda. A presença dele no processo provocou uma cisão entre os advogados. Com os ânimos exaltados, dificilmente haverá acordo.

Enquanto isso, o próprio TJ vai substituindo as vagas que estão surgindo: Maria Aparecida Gama no lugar de Madeleine Gouveia, Osório Ramos no lugar de Josefa Paixão, e mais outro, que logo será escolhido também por merecimento, no lugar de Gilson Góes. A briga da OAB os favorece, já que os novos desembargadores que já assumiram chegarão mais cedo à presidência do TJ do que o representante dos advogados.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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