Wagner da Silva Ribeiro tem sido, nos últimos anos, o mais aplicado intelectual sergipano, como autor de uma poesia densa, bem elaborada, poematizando as matrizes gregas, que são, para a história humana, um repertório de símbolos, a desafiar o tempo e as conquistas da civilização. Funcionário público e professor, desde os tempos de estudante que Wagner da Silva Ribeiro aventurou-se no verso, com epigramas que atraíam a atenção dos colegas, nos corredores da Faculdade de Direito de Sergipe. Filho de um poeta – José da Silva Ribeiro Filho, sobrinho de um dos maiores intelectuais de Sergipe do século XX – José Calasans, não surpreende a paixão pelas letras, seja criando, seja divulgando vates que a história cultural termina por deixá-los esquecidos.
Desde Cantares do Mar Egeu até Cantar do Minotauro, livros que atraíram os olhares mais acreditados da crítica local e nacional, Wagner da Silva Ribeiro vem demonstrando o domínio da linguagem poética, valendo-se de um rico vocabulário que eleva a qualidade da língua portuguesa. Em certa medida, Wagner da Silva Ribeiro tem parentesco literário com Santo Souza, o bruxo órfico, que vive encastelado na sua sala de livros da rua Rio Grande do Sul, no bairro Siqueira Campos, como a desafiar os transeuntes com seu falar macio, repleto de armadilhas. Aquele homem de peito nu, trata da condição humana em seus poemas e freqüenta o panteão dos gregos, nas confabulações eternas. Wagner da Silva Ribeiro, com Jackson da Silva Lima, tem difundido o pensamento estético sergipano, tendo Santo Souza como estrela de enorme grandeza, em torno da qual todos podem ser salpicados pela luminosidade antiga.
Os livros de Wagner da Silva Ribeiro têm forte mensagem crítica, embrumada nos versos e estrofes aparentemente lineares. Erra quem lê os seus poemas com os olhos na memória dos temas
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versejados. Há muito mais em cada palavra, cada verso, cada estrofe, cada poema, que exige uma exegese do universo mítico, aproximando-o da história, onde deixa de ser de deuses e potestades, lugares e animais fabulosos, para atender ao homem no seu caminho de vida, vagueante num mundo que não tem explicação em si mesmo. A mitologia grega tem estreita relação com a tecnologia da atualidade, que gera comandos, intimiza o uso, mas não resguarda o saber emblemático das descobertas e avanços. Como tem, também, interface político, no embate dos fatos contrapostos as narrativas maravilhosas. Wagner da Silva Ribeiro aprofunda sua visão de intelectual e consegue revelar conhecimentos encobertos pela pátina do tempo.
Tributo aos Deus Lares, uma Coroa de Sonetos, na definição que o poeta e crítico Geir Campos definiu, dizendo que se trata de uma “composição poética em que o Soneto funciona como Estrofe, aparecendo em número de quinze, dos quais o último é formado pelos quatorze versos finais dos anteriores e estes começam, cada qual, pelo último verso do anterior.” Os poetas populares, das cantorias de viola do Nordeste, menestréis antigos, também se valem da deixa, tomando por empréstimo para suas estrofes o último verso do cantador/contendor. O domínio da arte e da técnica eleva ainda mais a qualidade dos livros de Wagner da Silva Ribeiro.
Para Chompré, no seu clássico Dicionário Abreviado da Fábula para inteligência dos poetas, dos painéis e das estátuas, cujos argumentos são tirados da História Ppoética, traduzido do francês, em Portugal na Régia Oficina Tipográfica, em 1785, Lares, também chamados de Penates, são deuses domésticos. Eram pequenas estátuas, veneradas nas casas. Eram acompanhados de um cachorro, igualmente venerado, sob o nome de Lares familiaris. Havia, também, deuses públicos, que vigiavam os caminhos e as encruzilhadas e em cada cidade havia um deus, chamado Urbani. A celebridade de Enéas teria justificativa por ter salvo os deuses familiares de Tróia. Fustel de Coulanges, no seu também clássico A Cidade Antiga, estudos sobre o culto, o direito e as instituições de Grécia e de Roma (1864) trata dos deuses domésticos, dos Deuses Lares, na tradição dos cultos antigos, atribuindo ao fio condutor da história os mais esclarecedores conhecimentos.
Wagner da Silva Ribeiro toma por empréstimo essa tradição doméstica, íntima, que deusifica a família, para renovar o conhecimento sobre tais divindades, louvando-os pelo seu papel e serviço. É uma forma de recontar a história, envolvida na beleza de versos de sonetos, onde rima e métrica são meras citações, incidentais, na liberdade de escrever com todas as formas da poesia. É também uma evocação contextual, que serve para revisitar os antigos modos de organização social, que interessa hoje (re)conhecer.
Tributo aos Deuses Lares (Aracaju: edição do autor/SERCORE, 2009) de Wagner da Silva Ribeiro é um troféu à inteligência, à cultura, ao fazer intelectual mais refinado e consciente de sua importância.