“É incrível como aprendemos sobre pessoas usando a técnica denominada “observação passiva”. Trata-se, simplesmente, de prestar atenção ao comportamento humano, especialmente nas pequenas coisas, sem interferir.”
Fragmento de um texto publicado na Revista Você S.A. pelo professor e consultor Eugenio Mussak.
Realmente, quem se dá ao saboroso trabalho da observação descompromissada colhe cada informação que, na maioria das vezes e para a grandiosa parcela da humanidade, passa despercebido. Basta que foquemos nossas atenções a determinadas pessoas e ações para podermos descobrir o quanto somos falhos, volúveis e inconsistentes entre o dizer, o parecer e o fazer. Flagramos, sem muitas dificuldades, incoerências e equívocos que, aparentemente banais, demonstram traços de cultura que passariam in albis.
Eu, de vez em quando, vou além, quer dizer, ultrapasso a simples observação passiva e descompromissada e disponho-me a encarar algumas realidades simplesmente para mensurar determinadas diferenças entre o certo e o errado, entre uma cultura e outra, entre o dizer e o fazer e, sobretudo, sobre as diferenças de comportamento social. Às vezes, ciente de que poderei sofrer algumas decepções ou, até, ser punido por tal aventura.
Lembro-me de uma ocasião, há muito tempo, quando visitando Lisboa resolvi fazer um desses “testes”, com a finalidade de comprovar a identidade ou a diferença entre o comportamento dos comerciantes e consumidores lusitanos e dos brasileiros: eu estava caminhando despreocupadamente pela Avenida da Liberdade, que começa na estátua do Marquês de Pombal e termina na Praça dos Restauradores, naquela capital, e resolvi fazer meu experimento ali mesmo. Dirigi-me rumo ao centro: à direita, do outro lado daquela espaçosa via, dividida por um largo canteiro, onde, inclusive, funcionavam algumas barracas/restaurantes, há alguns hotéis; à esquerda, várias lojas, lanchonetes e restaurantes. Resolvi iniciar a minha pesquisa e, aleatoriamente, entrei numa daquelas casas. Ao entrar, voltei-me a um senhor que imaginei ser o dono ou o gerente e lancei a “lábia”: Senhor, sou brasileiro e estou viajando pela TAP. Era para eu ter embarcado ontem com destino ao Brasil, mas houve um pequeno problema com a empresa e tive meu voo cancelado. Como estava marcada a viagem e não foi realizada por razões administrativas, a empresa nos hospedou naquele hotel ali em frente e está nos pagando todas as despesas de hospedagem e alimentação. Contudo, como tomei um café reforçado no hotel estou sem muita fome e gostaria de apenas fazer um lanche. Queria que o senhor me desse uma nota fiscal com o valor de uma refeição para que eu possa ser re… Ele não deixou nem eu concluir a frase e, com firmeza, gritou:
— Retire-se do meu estabelecimento, retire-se do meu estabelecimento…
Parecia eu ter xingado a sua santa mãe de tão colérico que ficou. Saí dali, humilhado e corri o risco, inclusive, de levar uns tapas pelo que fiz. Todos – garçons, funcionários e clientes – olhando para mim, como se eu tivesse praticado a maior das contravenções e fosse fugindo de mansinho, enquanto ele completava falando para todos ouvirem: estes brasileiros pensam que estão lá no seu Brasil…
Saí o mais depressa que pude e fui tentar noutra freguesia a minha pesquisa. Atravessei aquela via até o canteiro, certifiquei-me de que ninguém havia me seguido e parei na primeira barraca instalada naquele largo canteiro que dividia ao meio a já citada Avenida. Cheguei próximo a uma daquelas barracas/restaurantes, observei quem poderia ser o responsável e o único que pareceu dono ou gerente foi um senhor alto, com um avental amarrado à cintura, que se encontrava próximo a uma espécie de fogareiro, do lado de fora daquele estabelecimento, torrando umas castanhas portuguesas, coisa comum nas ruas de Lisboa. Dirigi-me a ele e fiz a mesma colocação, só não disse que era brasileiro, falei:
— Amigo, eu tinha que ter embarcado ontem, porém houve um erro na hora de marcarem o meu retorno, por isso a empresa aérea me colocou naquele hotel, ali, em frente, e está pagando todas as minhas despesas com hospedagem e alimentação, só que não estou com muita fome e gostaria apenas de uma porção destas castanhas, porém queria que você me desse a nota fiscal de uma refeição. É possível?
Ele olhou-me de baixo a cima, fixou-se em meus olhos e disse:
— Tu és brasileiro, pois não?
— Sou, respondi.
— Pois vá fazer esta proposta lá em seu Brasil, aqui nós não fazemos isso, não.
Virou-me as costas e continuou assando suas castanhas. Que vergonha… Saí dali com uma certeza: existe um padrão. Um padrão de decência, de honestidade, de seriedade, coisa que, infelizmente, ainda não podemos constatar no nosso querido país. Pois embora se perceba sensível melhoria ainda estamos muito atrasados neste quesito.
Fico pensando:
“Quando será que vamos ter atitudes como aquelas, enraizadas entre nós? Quanto tempo ainda demorará para que estejamos conscientes das nossas obrigações e do respeito que devemos ter às leis já estatuídas?
Quando será que vamos importar boas culturas em vez de trazermos para cá somente o que não é saudável para fazer parte de nosso cotidiano?
Só por um momento pensemos no que acontece todo dia, cá, entre nós, brasileiros.
Sim, não é necessário ir buscar exemplo nos políticos, não. Quer dizer, nos maus políticos, pois acredito que existe mesmo entre os políticos muita gente honesta, a maioria com certeza, que está lá em busca de fazer o que é certo. Não dá para generalizar. Eu quero me referir, aqui, ao povo como um todo. Como agiríamos em tais circunstâncias, por exemplo? Será que teríamos a altivez de expulsarmos, o que certamente não seria necessário, porém, será que negaríamos tais pedidos? É quase certo que não. Já vi vários pedidos de notas fiscais com valores superfaturados e, até, com datas que não eram aquelas em que o cidadão estava consumindo aquela mercadoria. Ou seja, o cidadão almoçava com a família num domingo e pedia, (no passado, não sei hoje se isso será possível), uma nota fiscal com a data de quarta-feira e o valor bem maior.
Necessitamos olhar e vigiar para que possamos legar bons costumes aos que estão chegando, bem como boas condutas.
Somente com bons exemplos poderemos deixar como herança um mundo melhor. PENSE NISSO.