Estância carrega o mérito de ter sido a porta e o berço da civilização sergipana, por onde passaram os jesuítas da Catequese de 1575 e onde requereram terras, como troféus, alguns dos soldados de Cristóvão de Barros, que conquistaram Sergipe, em 1590. Nos anos seguintes as terras foram ocupadas por colonos que se aventuravam nas lavouras e nos criatórios, formando pequenos núcleos que o século XVIII foi transformando em Freguesias, cada uma com seu Orago, dividindo o território que ia da margem direita do rio Real à margem esquerda do rio São Francisco. É desse tempo a lendária presença de Pedro Homem de Melo, tido por fundador da Estância.
O século XIX é um símbolo para Estância. É lá que aparecem as primeiras folhas tipográficas, como o Recopilador Sergipano, editado a partir de 1832, na Tipografia Silveira & Cia, do Monsenhor Antonio Fernandes da Silveira, que também organizou partido político forte no sul da Província, conquistando lugar destacado na organização da Província emancipada. O jornalismo marcou Estância, cada jornal com sua coragem, como pode ser exemplo A Razão, com sua verve, seu engajamento, vivendo cada fase com o vigor dos seus jovens redatores.
A literatura sergipana nasceu na Estância, com poetas, romancistas, teatrólogos, cuja síntese pode ser conferida na obra de Constantino José Gomes de Souza, sem negar a poesia de Pedro Calasans e de José Maria Gomes de Souza, cujas obras se tornaram referências da evolução estética no Brasil. Jorge Amado, de família estanciana, refugiou-se na cidade e criou, com uma geração de amigos e parceiros, um cenário para o ambiente de festa cultural, que repercutiu em sua obra de romancista.
A educação na Estância é um capítulo grandioso para Sergipe, não só pela geração dos Cardoso, que ocupou cadeiras e ainda, no começo do século XX, ofereceu a Sergipe o Colégio Tobias Barreto, por ação de José de Alencar Cardoso, o querido professor Zezinho, empreendida ao lado de Verçoza Pitanga, mas porque os liceus, os cursos particulares, as escolas ocuparam espaços e cuidaram da instrução dos estancianos.
A música da Lira Carlos Gomes, fundada em 1877, dos pianistas, homens e mulheres que deram à cidade uma trilha sonora de qualidade, acrescida das composições do Monsenhor Vitorino Fontes e de Ismênia Fontes, muitas delas inéditas, nos arquivos da Escola Nacional de Música, no Rio de Janeiro.
A vida econômica, produzindo no campo o sustento da população, ou investindo na produção industrial, diversificada, revelando talentos de empreendedores como Constâncio Vieira, Leopoldo Souza, Eliziário Silveira, Júlio Leite, que soube aclimatar-se e deixar representação familiar para seguir adiante com os empreendimentos. No bojo da presença das fábricas, o bairro Bonfim ganhou visibilidade própria, com suas festas, cinema, equipe de futebol, e toda uma organização para o lazer dos operários, e para atender, socialmente, os trabalhadores e seus familiares.
Estância varou o tempo e contou com testemunhos especiais de homens íntimos com o progresso civilizador da cidade, como é o caso de Raymundo Silveira Souza, cidadão pleno, que viveu e historiou sua vida, empreendeu e firmou posição política, continuou o caminho do pai, mas soube ser, por si mesmo, um vitorioso. Neste ano de 2009, Raymundo Silveira Souza faz um século de nascido. Evocar sua figura de homem público, de empresário, de chefe de família, de administrador, é rever, com fidelidade, o progresso da cidade e do município, sendo construído passo a passo, superando obstáculos, abrindo frentes atualizadas de ação, renovando as velhas e válidas crenças, com as quais Estância ganhou forma e sobreviveu.
Raymundo Silveira Souza foi um homem do seu tempo, mas teve do passado o exemplo de casa, dado e deixado por Leopoldo Araújo Souza, a quem seguiu e de quem herdou valores que foram incorporados na vivência cotidiana da cidadania. Viveu 80 anos, mas foi, integralmente, um homem do século, e tudo anotou no seu indispensável documentário Gente que conheci, coisas que ouvi contar, que em forma de crônicas saiu no jornal Folha Trabalhista, e que mereceu duas edições, que estão esgotadas.
O Centenário de Raymundo Silveira Souza é uma oportunidade de Estância rever sua história, sua vida social e cultural, sua ação política e administrativa, seu parque industrial e suas atividades econômicas, e, enfim, o estágio de civilização que anima as novas gerações. Os campus acadêmicos, repletos de estudantes em graduação, renova a paisagem estanciana, mas os pianos que ainda não emudeceram, e a velha Lira que ainda anima festas, dão ritmo constante a uma cidade eterna.
A Sociedade VIVA ESTÂNCIA, nascida e mantida graças aos esforços de Maria Eugênia Teixeira, professora, intelectual e descendente das tradições estancianas, organizou a programação de um evento que marcou, neste ano de 2009, em torno do dia 25 de maio, os 100 anos de Raymundo Silveira Souza. É um momento raro, uma oportunidade de evocações, debates e reflexões, que enriquecem a história de Estância e de Sergipe.