Um crime e sua reparação tardia

Professor e matemático Alan Turing
Em 1951, o professor e matemático Alan Turing, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, teve sua residência roubada e ao prestar queixa na polícia admitiu que era homossexual. Levado a juízo foi condenado, no ano seguinte, por crime de grande  “indecência”, cuja pena era de dois anos de cadeia. O professor aceitou a pena alternativa de tratamento hormonal, com o propósito de reduzir a sua libido. Na verdade era uma castração química, mediante uma série de injeções de hormônios femininos, levando-o a crescer os peitos e desfigurar seu porte atlético, afeminando-o.

Alan Mathison Turing, nscido em Londres, em 1912, morreu em Wilmslow, Cheshire, em 1954, aos 42 anos. Em 1936, graças aos seus experimentos, o conceito de máquina abstrata ficou conhecida como máquina de Turing, base da teoria dos autômatos e da calculabilidade, representada por uma sucessão de instruções que agem seqüencialmente sobre os valores da entrada e fornecem valores de saída, servindo para formalizar o conceito do algoritmo.

Embora vencida na guerra, a eugenia  parecia ainda amparar a ação policial e jurídica da Inglaterra, contra o matemático Alan Turing, que durante a II Guerra Mundial teve o papel de decifrar os códigos nazistas, particularmente os da máquina Enigma, com a sua própria máquina, um modelo computacional, que o fez precursor da Informática moderna. Os feitos científicos do professor inglês, que contribuíram enormemente com a história da guerra, e seu desfecho, serviram, também, para colocá-lo na história da Inteligência Artificial, com o que ficou convencionado denominar-se “prova de Turing.” Todos os feitos não bastaram, no entanto, para as autoridades inglesas que puniram com um crime “horroroso e completamente injusto e inumano”, o homossexualismo do cientista. Quem o diz é o Primeiro Ministro Gordon Brown, respondendo a uma demanda de perdão, solicitada por mais de 30 mil pessoas, conforme divulvou o Downing Street.

A castração física, ou química, foi largamente utilizada em vários países, para “corrigir” a pureza da raça, ameaçada pela mestiçagem. A Eugenia dominou as primeiras décadas do século XX, como a ciência da regeneração da raça, tanto na Europa, como nos Estados Unidos, como na Argentina e no Brasil. No Brasil, os divulgadores das teses do inglês Sir  Francis Galton (1822-1911) juntaram educação e ciência, ou a pedagogia e a medicina, e dividiram a sociedade, com o sentido de melhorá-la. De São Paulo saiam as orientações para a militarização das escolas, o combate aos sifilíticos e alcoólatras, deficientes e outros “anormais” na visão dos pedagogos e dos médicos envolvidos com o movimento eugênico.

A reparação tardia de um crime oficial não reabilita o policiamento e nem o sistema jurídico inglês, no caso de Alan Turing. A intolerância sobrevive, nos muitos meios usados para punir os diferentes, os “anormais”, todos aqueles que fogem do padrão estabelecido pelo Poder, em muitas partes do mundo. Não faz muito tempo que a polícia da Inglaterra confundiu um trabalhador brasileiro, Jean Charles, mestiço mineiro, com um terrorista, matando-o sem sequer identificá-lo. O caso do cientista Alan Turing, que foi levado ao suicídio, ou foi assassinado pela via do suicídio forçado, pelo temor de que o seu homossexualismo fosse uma debilidade suscetível de chantagens, produziu, ainda, um abalo da sua reputação pessoal.

O pedido de perdão, feito por Gordon Brown, nada a acrescenta, em termos de reparação moral, à biografia do professor Turing, que para a Inglaterra e para o mundo deixou um legado científico de grande qualidade, com o qual os paises avançaram e continuam avançando no campo imenso da Informática. Aponta, contudo, na direção da releitura da história e na identificação dos valores que nortearam a cultura humana. A campanha promovida em favor da memória de Alan Turing é um exemplo, bem sucedido, de luta contra a mentira, o preconceito, o engodo e tudo o mais que discrimina, marca e pune inocentes.

Acobertados por legislações convenientes, os sistemas policiais criminalizam atitudes, contando, muitas vezes, com o rigor da justiça, como ocorreu na Inglaterra com Alan Turing, professor de 39 anos, no vigor de sua capacidade intelectual, com serviços prestados ao seu País e à democracia do mundo. No Brasil foram muitos os homens castrados, em nome da melhoria racial, e em oposição ao efeito da combinação de raças que, na região nordestina e em outras partes do País permitiram o florescimento de uma civilização harmoniosa, cuja cultura, igualmente mestiça, dá régua e compasso para a vida humana realizar-se a partir de todas as suas potencialidades e influências.

O preconceito e a intolerância estão vivos e produzem, ainda, efeitos danosos à imagem e à vida das pessoas.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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