O recente plebiscito sobre a privatização da Vale tenta reacender mais uma vez o recorrente debate irracional ideológico. É a velha política de marcha ré dos países descabeçados. Achamos, diferente do resto do mundo, que o Estado deva ser intervencionista em tudo, dispensando e amordaçando a iniciativa individual. E o Estado fracassa em tudo que é de sua responsabilidade, como é o caso da saúde, da educação e até da segurança. Todavia, a despeito de tantos desmandos estatais, os setores mais botocudos da vida nacional pretendem dar uma borrachada em tudo que foi realizado em termos de privatização, aí incluído a telefonia e a distribuição elétrica, de maneira a reestatizar o que hoje vem funcionando com eficiência e lucro. Abominamos qualquer sucesso empresarial privado seja ele do agro negócio, da indústria de base, das prospecções de risco ou no ramo de serviços, sobretudo, o da educação e saúde. Karl Heinrich Marx (1818-1883). “A propriedade privada tornou-nos tão estúpidos e limitados que um objeto só é nosso quando o possuímos”.
Interessante que, sem qualquer debate, sem a manifestação contraditória de fatos, mas norteado num febril amor estatolatra, infere-se que em 1997, a venda do controle acionário da Companhia Vale do Rio Doce foi um atentado contra o patrimônio nacional. Alega-se que o preço foi trinta vezes abaixo do valor patrimonial e que a alienação não se deu por interesse público. E por causa de vários senões não comprovados, alguns pareceiristas se investem como juizes togados de proverbial imparcialidade, para dizer que se cometeu um clamoroso desmando político e uma grossa ilegalidade, sugerindo a anulação da venda numa penada ultrapassada de natureza político-ideológica.
Na verdade, tudo isso é fruto de um debate já concluído no mundo, mas que permanece inconcluso nas republiquetas americanas e em particular no Brasil.
Se no mundo até os partidos de viés socialista como o francês, o trabalhista inglês e o comunista italiano reformam seu ideário na busca da eficiência e da livre concorrência das empresas, reduzindo regulamentações e mitigando a influência sindical, aqui se tenta convencer o cidadão comum que o melhor modelo de gestão é o público, sempre eivado de compadrios e corrupção.
Neste particular credita-se, por exemplo, que as tarifas de energia elétrica estão elevadas por conta da exploração privada de sua transmissão. Concluindo-se daí por explicitação deste exemplo, que a Energipe funcionaria bem melhor se voltasse ao controle do Estado de Sergipe, como o Deso que nunca saiu, sua água é baratíssima e é um exemplo de eficiência, competência e outras ausências.
Ausências à parte, incompetências também, os nossos partidos políticos exibem farta insolvência no campo das idéias. A recente mudança do Partido da Frente Liberal em Democratas é o ápice desta inadimplência de ideário. Mudaram o nome do partido só para fugir da pecha negativa que o nome Liberal conferia, inferindo que o neoliberalismo dos novos tempos, aqui no Brasil, teria que ser banido envergonhadamente ou sem-vergonhadamente como um mal letal. E assim eis o Dem, desprovido de ideário qualificado, querendo se fantasiar num Dem, que não é nada, nem no dicionário, sendo anarquizado como Demo, aquele satanás de rabo, que continua a espantar crianças, como o papa-figo do meu tempo de menino.
Pois bem, não há no Brasil um grupamento político que desmistifique o papa-figo, o boitatá e o saci-pererê, todos acreditando na mula-sem-cabeça, que prega a não contenção de gastos e a ineficiência administrativa, aliado a uma gestão nunca austera e responsável. E assim, todos os partidos solfejam a mesma nota no momento de aprovar concessões e benefícios.
Veja-se, a título de exemplo, que foi o governo do operário Lula, quem estabeleceu tetos elevadíssimos de salário para carreiras privilegiadas, patamar que inseriu uma cascata generalizada de promoções, criando uma disparidade incontornável de vencimentos e remunerações inconcebíveis num estado que se quer igualitário e justo para seus filhos.
E deste malfadado teto, limitado em valores exageradamente altos, seguem-se subtetos, discussões isonômicas, complicações nada econômicas. E o mais cômico de tudo é que os de baixo, os que gemem no eito comum e mínimo, acham isso tudo certo, por ser uma conquista daquele segmento da classe trabalhadora, a que ninguém pode meter o bedelho, porque se procura por rastilho, conseguir também pra todos.
Assim funcionários tolos, acham que um dia, unidos e jamais vencidos, irão ganhar igualmente a desembargadores e ministros do Supremo, bastando-lhes a penada de um decreto, tudo nos moldes dos coices petistas e pessolistas, enquanto palanqueiros e embusteiros.
Mas, se tudo isto é tão fácil, diante da fartura de recursos, o que seria do picolé se todo mundo pudesse chupar sorvete? Que seria da bicicleta se todos pudessem esnobar uma Mercedes? Que seria da limpinha se nas ruas só se brindasse em Royal Salute, ou o Whisky 30 anos, tão decantado por Lula em nossas terras surubis?
Pois é! Os que não se exasperam contra os eternos detentores de mordomias salariais, acreditam que chegaremos a este tempo em que os homens se deitarão com artistas globais e acordarão com seus feitos publicados nas revistas de fofoca.
E o mundo que não muda com fofoca, continua sua caminhada. Uns povos conseguindo fazer o dever de casa em ordem, colaboração e eficiência enquanto outros como o Brasil se apaixonando por esta flatulência bestialógica recorrente.
“A sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade irá terminar sem igualdade e liberdade”, afirmava o economista Milton Friedman sem ser contra os pobres, nem matador de necessitados.
Nós, e a nossa pobreza criativa achamos, porém, que o teorema de alhures não se aplica no éden brasiliense. E teimamos em não ver o que acontece la fora com as nações eliminando barreiras e ódios eternos para se unirem e gerarem riqueza.
Aqui não, violão! Voltemos ao nosso passado de gastos imoderados e inflação sem freios! Vamos reestatizar a Vale! Situemos o debate em nossa eterna espoliação! Imitemos os nossos vizinhos descabeçados, Venezuela e Bolívia, por mor exemplo, inclusive com a já defendida política de não renovação dos canais de rádio e televisão! Vamos botar o povo na rua, porque a passeata é necessária para tudo resolver, sobretudo, afirmar que o povo nunca deverá aceitar uma democracia representativa.
E depois vamos fazer greve como a do metrô de São Paulo e dos controladores de aviação. Exerçamos esta ação de desconstruir a nação! Com plebiscito, até com urnas na pedra d’ara, nos nossos altares conspurcados.
Eita país difícil, este nosso Brasil! Um país botocudo, padecente de ferrugem eterna e de cupim inextinguível. Somo eternos concupiscentes desta discussão cupim-cabeça-de-bagre, que teima em corroer o parco construído.
Quando se pensava que os ismos do nacionalismo, do estatismo e do socialismo tinham sido extintos do debate com Keynes vencendo Marx e Roberto Campos convencendo os Cepalinos, quando nosso país começa a exibir um raro período de estabilidade política e econômica, eis que ressurge o revisionista para dizer que a barata pode ser mais bem envernizada pelo estado empresarial.
Por que nos sobra no cerebelo esta rotina de ir e voltar no nosso agir e pensar? Será que nas nossas cabeças há uma excedente pelanca prepucial, que impede o livre criar para frente? Sim, porque com tanto vai e volta, só dá para pensar naquele apêndice desnecessário la de baixo, sem missão e sem ação, que faz por submissão o vai e volta sem cessar, sem falar que junta muita sujeira, por acréscimo. Mas, isso é outra história; de sujeiras, de outros gostos e até de outros cheiros. Falemos de outras besteiras ditadas por este pensar onanista que está a pregar em gozo, sem gozação, a desprivatização da Vale, da Energipe, das Telefônicas, das Televisões e por fim ousar também banir o ensino privado e a liberdade.
E quando o Estado intimida as empresas com a instabilidade de suas políticas, atemoriza também a liberdade, afinal a “Liberdade política, significa ausência de coerção de um homem pelo seu compatriota. A ameaça fundamental à liberdade é o poder de coagir, esteja ele nas mãos de um monarca, de um ditador, de uma oligarquia ou de uma maioria momentânea”. Só para repetir de novo Milton Friedman, porque a liberdade econômica é uma condição essencial para a liberdade das sociedades e dos indivíduos, uma lição do velho mestre que precisa ser repetida, sobretudo agora com Chaves suscitando seguidores, e outros ditadores do passado como Hitler, todos sufragados por expressivas maiorias e manipulações de massas plebiscitárias.
Por conta desta recente chamada de plebiscitos mal informados, como o da Vale, abençoado no pão e vinho dos altares, é preciso realmente recolocar este debate inconcluso do papel do Estado. É preciso que os partidos políticos e suas lideranças não se mascarem nessa massa amorfa sem definições e limites; este oceano pantanoso de esquerdas de fachada e aproveitadores de tudo.
Quanto a esta saga de agora, de querer reverter tudo, reeditando uma política recalcada de eternos insatisfeitos, que longe de pensar no futuro teima em reconstruir o passado, devemos encará-la com descrença e desconfiança.
A pílula está muito dourada para não parecer ardilosa. Porque a reconstrução revanchista do passado sempre foi e será assaz perigosa. Ela desperta esqueletos e fantasmas, fazendo ressurgir ódios e dramas, sempre latentes e rotineiramente ressudentes. Igual ao totalitarimo, o arbítrio e a intolerância, que sempre podem retornar para concluir sua obra jamais inconclusa.
Isto, porém, é outra história; outro debate, lamentavelmente ainda inconcluso também, afinal a humanidade só sabe cometer os mesmos erros, desde o tempo de Moisés e seus Dez Mandamentos, para sempre.