Uma data qualquer

Paira no ar uma sensação de que tudo poderá ser resolvido, da noite para o dia porque é chegado um novo ano.
Na noite de 31, estarão todos empolgados com a perspectiva de um novo início, de um recomeço, de um renascimento. Todos padronizados, encharcados dos códigos sociais que nos são impostos, carregando internamente suas bandeiras de largada e seus novos projetos de vida.

É verdade que para os que apreciam rituais e se movem amparados pelo mundo de fora, a virada do ano parece mesmo, um grande momento. Não é o meu caso. O mundo já nos impõe demasiados “tenho que”, não te parece? E somar mais um projeto e uma tomada de decisão, só porque haverá um novo número no calendário, já me cria frustração. Me parece um tanto infantil e ingênuo acreditar (ou se iludir) que a chegada de um novo ano trará algo melhor para nossas vidas ou será a alavanca necessária para novas oportunidades, seja lá qual for a sua ambição…

Fechar um ciclo e abrir outro está muito mais relacionado a uma postura e determinação do que prefixar uma data. Tem muito mais a ver com nossa audácia, nosso fervor e lucidez do que com um novo início de ano. Trata-se de um processo singular construído com a existência ímpar de cada um de nós. Eu estou convencida de que são nossas atitudes às únicas responsáveis pelas mudanças que desejamos, e somente elas é que verdadeiramente nos darão novas diretrizes em nossas vidas. E atitudes independem de datas cronológicas. Começar do zero não está vinculado a passagem do tempo. Explorar, sonhar, descobrir está vinculado a soltar nossas amarras e afastar-nos dos nossos portos seguros.

“Blindar” nossas inquietações e apostar todas as fichas numa mudança para melhor, simplesmente porque se inicia um novo ano, honestamente se você pensa assim: minhas condolências.

Prefiro pensar, que a todo momento em nossos dias, estamos colhendo resultados de ações tomadas com amadurecimento e compromisso com quem somos. Essa é a transformação a qual acredito, a que ocorre a partir de nossas mudanças de hábitos, a que acontece somente quando rompemos com nossos fantasmas internos e decidimos ir além.

Portando, não vejo a passagem de ano como motivo para celebração e nem o momento para gerar novos planos.  A vida em sua plenitude já é uma celebração pois, nunca é tediosa, e justamente essa magia do não saber direito sobre o amanhã é que a faz fascinante e intensa. Criar roteiros, estabelecer metas, me parece limitar demais nosso existir. O inesperado e o imprevisível sempre acontecerão em nossas vidas. Viver melhor no entanto, é reagir com sabedoria a cada experiência e enfrentar nossos medos.

Não desejo a você um feliz 2015, mas desejo a todos nós que façamos nosso melhor em cada momento e que abandonemos nossas expectativas para viver mais leve.

Meu convite à você é que faça florescer a partir deste instante, toda a gama de energia e entusiasmo que necessite para dar um novo passo. Lembrando que só podemos experimentar a felicidade quando sentimos a fluência da nossa alma nas coisas que fazemos. Do contrário haverá sempre uma sensação de vazio, não importa em qual tempo, momento ou ano estejamos.
Enquanto escrevo esse artigo, observo meus gatos dentro de casa, desconectados desse mundo frenético, sequer sabem que virá um novo ano, mas parecem tão sábios e donos dos seus espaços. Não é essa paz que desejamos?

Aceite a sua finitude e se dê uma trégua: “A vida é um teatro sem plateia” Araripe Coutinho

Dedico esse texto a ele, meu amigo de alma que compartilhou comigo muitos momentos de troca e crescimento interno. Que se foi num sopro, sem deixar aviso. Que não cumpriu com seus projetos, que não acordará em 2015, mas que viveu com todo esplendor do seu sentir, e teve tempo de me dar um grande e inesperado presente, antes de partir. Grata à vida pela oportunidade curta, desse nosso encontro terreno.

De tudo fica a saudade e o meu coração eternamente agradecido. Nos reencontraremos: à vida é breve.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.

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