Uma guerra em Sergipe

Janeiro deste ano foi duas vezes mais violento do que o mesmo mês do ano passado. No primeiro mês deste 2015, segundo estatística da SSP, foram assassinadas 117 pessoas em Sergipe. No mesmo mês de 2014, ocorreram 65 homicídios – o que já não era nada tranquilizador.

Só nos dois primeiros dois meses do ano ocorreram 223 homicídios em Sergipe – quatro homicídios por dia nesses quase dois meses. Doze homicídios ocorreram entre a segunda e a terça-feira, 23 e 24, num lapso de menos de 24 horas. Uma lástima!
Em fevereiro agora, foram 106 assassinatos. Nos cinco dias de Carnaval, embora não acontecesse nenhuma morte dentro da folia, foram 21 homicídios. Nesses dois meses, um policial foi morto ao reagir a assalto, um taxista foi vítima de latrocínio, uma estudante foi baleada na cabeça por causa de um celular. Mas, principalmente, muitos bandidos e supostos bandidos foram executados. Houve até chacina.

Em Sergipe, segundo dados da SSP, o número de homicídios evolui em progressão geométrica: foram 582 em 2009, 629 em 2010, 671 em 2011, 803 em 2012, 880 em 2013 e 999 em 2014. Crescimento de 71,65% em cinco anos. E neste 2015, quantos teremos assassinado?

A bruxa está solta, estamos numa guerra. Os números de homicídios há muito deixaram de ser apenas preocupantes.
A outrora pacata Aracaju, que já aparecia no Mapa da Violência de 2014 como a sétima capital onde proporcionalmente mais se comete homicídios do Brasil (diga-se, todas as sete primeiras no Nordeste), corre a passos largos para subir no ranking e passar a ser reconhecida como uma cidade violenta. Com 59,7 homicídios por grupos de 100 mil habitantes em 2012, a capital sergipana já consta na relação das 50 cidades mais violentas do mundo, todas localizadas na África e, principalmente, nas Américas, incluindo quatro cidades dos Estados Unidos (Detroit, Nova Orleans, Beltimore e St. Louis) consideradas até mais violentas do que a capital de Sergipe.

Desigualdade social resiliente, falha no sistema educacional, violência da polícia. Afinal, o que faz a violência crescer tanto em Sergipe? E o que fazer para reduzir essa estatística macabra, que vitima principalmente jovens negros ou pardos?
Segundo o secretário Mendonça Prado, eleito na semana passada segundo vice-presidente do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública, a redução da taxa de violência passa pela articulação com o Governo Federal e o Congresso Nacional, para mudar a legislação penal no Brasil. “É necessário um pacto nacional, baseado na integração, medidas operacionais imediatas e na reflexão legislativa e dos órgãos de justiça para que o trabalho da polícia gere resultados mais eficientes”, defendeu.

No âmbito administrativo, ele que abrir mais delegacias plantonistas e buscar ampliar o número de policiais. A 4ª Delegacia, no Augusto Franco, e a 3ª Delegacia, onde funciona o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, vão funcionar em sistema de plantão. E serão implantadas mais duas plantonistas em Estância e Nossa Senhora da Glória.

E a desigualdade social? Sergipe é o estado do Nordeste com menor índice de miseráveis, 6,3% de sua população. Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 2013. Índice bem inferior à média da região Nordeste, que foi a única das cinco do Brasil que manteve o ritmo de queda dos últimos 10 anos e conseguiu reduzir o número de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza. Mas mesmo sendo a única a seguir a curva descendente desde 2003, a região ainda concentra mais da metade dos indigentes do Brasil e é a única que tem percentual de dois dígitos de pessoas vivendo abaixo da linha da extrema pobreza: 10,5% — dobro da média nacional, de 5,2%.

Dois anos atrás, 134 mil sergipanos eram considerados miseráveis, contra 266 mil em 2008. Ou seja, em apenas cinco anos o número de miseráveis caiu à metade. O Maranhão, que passou a ser o estado com o maior número proporcional de miseráveis, tinha 18% de sua população nessa condição, seguido de Alagoas, com quase 13%.

No Brasil, após uma década de queda na miséria, o número de brasileiros em condição de extrema pobreza voltou a subir em 2013. O país tinha 10,45 milhões de miseráveis em 2013, contra 10,08 milhões um ano antes, aumento é de 3,7%. O cálculo leva em conta o número de indivíduos extremamente pobres com base nas necessidades calóricas – o que significa renda insuficiente para consumir uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias para suprir uma pessoa de forma adequada, com base em recomendações da FAO e da OMS.

Mas o Brasil, Sergipe em particular, apresenta uma contradição terrível e perversa: inversamente proporcional à redução da miséria, a violência cresceu sem trégua. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com apoio da Open Society Foundations, Fundação Getúlio Vargas, CAF- Banco do América Latina, 2014) contabiliza quase 51 mil homicídios dolosos e quase o mesmo número de estupros em 2013.

A solução para esse descalabro passa pela recuperação da confiança nas instituições. O brasileiro sabe que é fácil desobedecer às leis do país, pelo menos é o que responderam 81% dos entrevistados em uma pesquisa da FGV. Quando precisaram da polícia, 62% declararam-se insatisfeitos com o serviço prestado. Somente 33% dos entrevistados confiam no Judiciário, menos do que os que confiam na polícia (33%) e no Ministério Público (48%).

Apenas 59% dos brasileiros acreditam que a maioria dos juízes é honesta e 51% acreditam que a maioria dos policiais é honesta. Por que será que quase metade da população não confia nesses homens?

E o problema não é de investimento. Aqui se gasta 1,26% do PIB com Segurança Pública, proporcionalmente mais do que os Estados Unidos, onde a taxa de homicídios é de 4,7/100 mil, e quase o dobro do que o Chile, onde a taxa de homicídios é de invejáveis 3,1/100 mil. No Brasil era há três anos de 29/100 mil e, em Sergipe, de 41,8/100 mil. Na população jovem, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes era de 57,6 no Brasil e de 78,9 em Sergipe. Desde 2004, essas taxas estaduais não param de crescer.

O Brasil gastou R$ 258 bilhões, em 2013, com custos sociais da violência, segurança pública, prisões e unidades de medidas socioeducativas. Esse gasto equivale a 5,4% do PIB brasileiro. Mas R$ 114 bilhões de todos esses recursos são decorrentes de perdas humanas, ou seja, de vidas perdidas, segundo estima o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Enquanto isso, o Congresso Nacional, aprovou dezenas de projetos ligados à área da segurança pública, sendo que 43% desses dedicados a temas de interesse exclusivamente corporativo das instituições policiais. Foram poucos os projetos que cuidaram de organizar o sistema de segurança e justiça criminal, a exemplo do que criou o SINESP – Sistema Nacional de Informações sobre Segurança Pública, de 2012.

A publicação conclui que são números muito eloquentes para traçar “um cenário de crise endêmica, que exige que o país encare definitivamente o fato de que mudanças se fazem urgentes na arquitetura institucional encarregada de dar respostas públicas ao crime e à violência, bem como garantir direitos e paz”.

“O fato é que o nosso sistema de justiça e segurança é muito ineficiente em enfrentar tal realidade e funciona a partir de um paradoxo que mais induz a antagonismos do que favorece a indução de cooperação e a troca de experiências. Paradoxo esse que, por um lado, nos faz lidar cotidianamente com elevadas taxas de impunidade, erodindo a confiança nas leis e nas instituições”, diz o Anuário, propondo que o nosso sistema de justiça e segurança necessita de reformas estruturais mais profundas. “E não se trata de defendermos apenas mudanças legislativas tópicas ou, em sentido inverso, focarmos apenas na modernização gerencial das instituições encarregadas em prover segurança pública no Brasil. Temos que modernizar a arquitetura institucional que organiza as respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos”, destaca o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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