Uma visita ao Masp

Quanto vale uma obra de arte? Se lhe toca o coração, deve valer muito. Se lhe subverte a alma, deve valer em dobro.
Subvertidos por feitos imortais da história das artes, fomos os últimos a descer, já à noite, do segundo andar do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, na Avenida Paulista, onde ainda hoje se encontra a exposição Acervo em Transformação, com parte da coleção do Masp. E que parte!

O catálogo informa que é uma seleção de 119 obras provenientes de diversas coleções do museu, abrangendo um arco temporal que vai do século 4 a.C. a 2008. As obras estão posicionadas em ordem cronológica, mas a organização não coincide com a cronologia da história da arte, com suas escolas e seus movimentos.

A exposição resgata o uso dos radicais “cavaletes de cristal” de Lina Bo Bardi, lançados por ela na inauguração do museu, em 1968, e o gesto da genial arquiteta de retirar as pinturas das paredes seu objetivo de aproximar do observador comum aqueles artistas de livros, tão inatingíveis, dessacralizando suas icônicas obras raras.

O foco é na arte figurativa, refletindo a história da coleção e os interesses de Lina e Pietro Maria Bardi, o crítico e marchand italiano convidado pelo empresário Assis Chateaubriand para dirigir o Masp, função que exerceu por 45 anos.
Apoiado pelo olho clínico do seu diretor italiano, diz-se que Chatô usou de métodos pouco ortodoxos e do fogo devastador dos seus Diários e Emissoras Associados para “confiscar” dos ricos barões paulistas as obras que na sua maioria compõem o que é hoje considerado o mais importante acervo de arte europeia do Hemisfério Sul.

O salão é imenso e a imagem é arrebatadora. Após sermos recepcionados por uma estátua helenística da Deusa Higéia e por dois guerreiros em terracota da Dinastia Tang, nossa vista é atraída para um “surrealista” Hieronymus Bosch (“As tentações de Santo Antão”), que repousa ao lado de um bom renascentista São Sebastião de Pietro Perugino, circa 1500 ambos.

A emoção cresce ao identificar ao lado o mestre Rafael (“Ressurreição de Cristo”) e um Botticelli em formato oval (“Virgem com o menino e São João Batista criança”), do mesmo período daqueles.
Na segunda fila, não resisto ao sacrilégio de uma selfie ao lado do autorretrato de Rembrandt: do original 1635 ao banal digital século 21.

E logo nos vem belas cenas bíblicas do maneirista Tintoretto e do obscuro El Greco, secundados pelo olhar severo de um conde de Diego Velázquez e pelas figuras não menos rigorosas de Goya.
Enquanto Frans Post traz uma paisagem silvestre que certamente é do Brasil seiscentista, ele que esteve a serviço de Maurício de Nassau.

Nadia não resistiu aos encantos das princesas filhas de Luís XV, simbolizando os quatro elementos e eternizadas por Jean-Marc Nattier.

Passando pelo romantismo de Delacroix, pelo realismo de Courbet, chegamos aos impressionistas Monet, Renoir, Manet e Degas, clássicos franceses iluminados pela luz da Belle Époque.

Ainda em Paris avistamos logo ali “O filho do carteiro” dentre outros Van Gogh. E os também pós-impressionistas Toulouse-Lautrec, Paul Cézanne e Gauguin.
Lá está o “clássico” Henri Matisse, com o belo “O torso de gesso”, e o figurativo Modigliani, com suas figuras sentadas, tão engraçadas, donas das suas salas.

Aí pronto, nos chega o “Retrato de Suzanne Bloch”, de Pablo Picasso, que também me brindou com uma auto fotografia ao celular, para desgosto do seu “Busto de homem”, bem ao lado.
Pausa para o bronze rigoroso de Auguste Rodin e a leveza da bailarina de Degas, no mesmo metal e tecido. E tem um Max Ernst vetusto.

Do meio para o fim da exposição, mas não menos importante para quem ama o óleo sobre tela, vem os latinos e os brasileiros.

No abre-alas, a pictórica “Moema” de Victor Meirelles, linda à praia.
“As cinco moças de Guaratinguetá”, de Di Cavalcanti chama a atenção para os modernistas, quase vizinhas de “A estudante”, de Anita Malfatti.

Também estão por ali Djanira, o marinheiro Pancetti, Lasar Segall, Alfredo Volpi, além dos grandes mexicanos Siqueiros e Diego Rivera.

Encerramos o tour pictórico brindados por Candido Portinari, com seus consagrados “O lavrador de café” e “Retirantes”.
Cores para todo o sempre ao alcance dos mortais.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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