Vida Cultural No Interior

Na virada do século XIX para o século XX foi fixado um primeiro retrato da vidfa interiorana do Brasil. O episódio de Canudos permitiu a Euclides da Cunha mostrar como era, em grande parte, o interior do Brasil. Eram raros os textos que tratavam da cultura, fora das cidades. Afonso Arinos, o velho, talvez tenha sido um dos escritores a fixar, no seu livro Pelo sertão, alguns aspectos culturais que serviam para contrastar o País letrado, que havia no Rio de Janeiro e começava a vicejar em São Paulo e noutras capitais brasileiras. Euclides da Cunha não se limitou a anotar costumes, hábitos, curiosidades, escrevendo sobre um drama nordestino e sertanejo, que desafiou a recém proclamada República e resistiu com as mãos e com a fé as armas poderosas do Exército nacional.

         Havia uma vida interiorana, nas primeiras décadas do século XX,        que não se limitavam aos grandes núcleos populacionais. Floresciam, no interior, algumas cidades que editavam jornais, divulgam poesia e prosa, organizavam clubes e associações de leitura, criavam bandas de música, marcando o tempo com incentivos aos mais jovens, muitos dos quais souberam aproveitar as oportunidades. Em Sergipe era famoso o Gabinete de Leitura de Maroim, com sua biblioteca, seu salão de conferências, atraindo visitantes ilustres, como Tobias Barreto. Jornais, filarmônicas, museu de história natural, ambiente intelectualmente europeu, com representantes consulares, conviviam em Maroim, como anotaram alguns dos viajantes que vararam Sergipe nos oitocentos. Era vivo, décadas depois, o movimento cultural de Maroim, como destacou Joel Macieira Aguiar nos seus livros.

         No baixo São Francisco, nas duas margens do rio, houve civilização adiantada. Sergipe concorria com Vila Nova, atual Neópolis, Própria, e, em certa medida, Porto da Folha. Alagoas tinha, no confronto, Penedo e Pão de Açúcar, principalmente, cidades que estabeleceram laços de aproxi9mação e de amizade. Muitos sergipanos viveram nas Alagoas, tanto9 em Maceió, quanto em outras cidades, como alagoanos de Penedo e de outros lugares freqüentavam Sergipe, estudavam em Aracaju, construíam famílias e nem sempre voltavam. Viveu em Aracaju, por muitos anos e conquistou o aplauso público como professor e político, Manoel Ribeiro, pai do escritor João Ubaldo Ribeiro, que a Bahia consagrou para o Brasil. De Penedo, Antonio Xavier de Assis, que montou a Livraria Brasileira em Aracaju,  pai do desembargador Antonio Xavier de Assis Júnior, avô do Conselheiro Carlos Pinna de Assis, foi um dos intérpretes dos fatos da história da capital sergipana. Também vivendo em Penedo, Moreno Brandão escreveu e publicou uma biografia de Fausto Cardoso.

         Hoje, resiste em Aracaju uma colônia, também conhecida como “República de Pão de Açúcar”, formada por alagoanos ilustres, sergipanizados, como o desembargador Netônio Machado, o médico José Hamilton Maciel da Silva, seu irmão João Bosco Maciel, a família Vieira da Costa, numerosa e importante – Julião, Itamar, Antonio – o Prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira, para citar os mais notórios, que mantém íntegros os vínculos da saudade. Enquanto isto, sergipanos como Jouberto Uchoa de Mendonça, vitorioso empreendedor da Universidade Tiradentes, viveu algum tempo de sua vida no verdor dos anos, no lado alagoano do velho Chico. Aqui, todos eles cresceram em suas importâncias, sem que jamais perdessem i amor pela terra onde nasceram e deram os primeiros passos para a vida cultural que abraçaram.

         Um bom exemplo, para ilustrar o mérito construído pela via dos estudos e da formação superior, está no pequeno jornal editado em Pão de Açúcar – A Crítica -, que no número I de sua segunda fase, datado de novembro de 1961, conta com dois colaboradores conhecidos: Netônio Machado, que assina o artigo O homem e a evolução e José Hamilton Maciel Silva, assinando José Hamilton o artigo Homens e contrastes. Pela amostra se conhece o pano, pois os dois artigos podem ser lidos hoje, 49 anos depois de publicado, pela qualidade e especialmente pela pertinência temática, pela escolha para a reflexão, que orienta na leitura a angústia do destino humano, comum aos dois textos.

         Certamente outros enfoques, não assinados, podem ter autoria dos dois portoaçucarenses, o que já faria do pequeno jornal de seis páginas um documento de referência, uma certidão literária, valorizando o viés humanista das abordagens. Hoje, distantes da juventude daqueles dias em Pão de Açúcar e em Maceió, Netônio Machado e José Hamilton referendam com suas práticas coerentes, o compromisso crítico sobre a realidade. Netônio Machado foi bancário do Banco do Brasil, exerceu cargos de destaque em Sergipe e entrou para a magistratura, onde como desembargador colhe o aplauso público, elevado com a aprendizagem nas suas aulas e nos artigos científicos que assina e nas conferências que profere, articulado com os ambientes mais adiantados do mundo jurídico. José Hamilton, que foi dentista, realizou-se como médico, psiquiatra, que ajudou o Estado a enfrentar a doença mental e organizou, por conta e risco, uma clínica que, no ano passado, completou 30 anos de existência e sucesso. Os dois alagoanos de Pão de Açúcar são excelentes exemplos, ainda que no interior de Alagoas e de Sergipe as bibliotecas sejam cada vez mais raras, os grêmios e associações culturais não existam e os jornais tenham desaparecido de circulação. Entidades como a Biblioteca “Raquel de Queiroz”, fundada pelos jovens, o Centro Cultural Ipiranga, que tanto tratava da educação, como angariava donativos para os pobres, com certeza não existem mais, embora tenham deixado, na memória de Pão de Açúcar o testemunho do esforço dos jovens intelectuais.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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