Você sabe com quem está falando?

Ainda existem tipos que são capazes de se expressar assim: “você sabe com que está falando?”. Bem menos, é claro, do que nos tempos de chumbo. Mas, miseravelmente ainda existem.

Lembro-me daquela historinha do passageiro que arrogantemente chega ao balcão de uma empresa aérea querendo ser atendido antes de todos da fila.

A funcionária gentilmente pede que ele aguarde a sua vez, pois outras pessoas estão à sua frente.

Muito magoado com a “petulância” da atendente que o mandou aguardar a sua vez, chispando fogo pelas ventas, sapeca a dolorosa expressão: “você sabe com que está falando?”

Não, amigo, não sei, mas aguarde um pouco que vou perguntar. E, ato contínuo, liga o microfone do aeroporto e fala: ”atenção! Pedimos à pessoa responsável por um senhor, aparentando uns cinquenta e cinco anos, de cavanhaque, camisa amarela, calça azul e tênis da nike que, certamente sofrendo de alguma limitação mental, esqueceu quem é e encontra-se aqui no balcão da empresa “X”, perguntando se eu sei o seu nome. Peço a gentileza de que o responsável ou algum familiar compareça com urgência ao nosso balcão de serviço para que possamos saber quem ele é assim procedermos ao devido atendimento.” E, dirigindo-se ao determinado cidadão que, doido de raiva, saiu, certamente para reclamar que havia sido  mal atendido.

Infelizmente já presenciei várias cenas, absolutamente desnecessárias, de arrogância, falta de humildade, intransigência tola, praticadas por pessoas que não entendem quão “bom é ser bom”, pessoas que não se conformam em viver dentro dos limites da normalidade do ambiente, que só pensam no seu direito, sem, no entanto, se preocupar com o seu dever e nem com o direito do outro.

Tenho um amigo que se acha com o direito de detestar qualquer tipo de abordagem por parte de quem quer que seja. Se vai comprar com cartão de crédito e lhe pedem a identidade, ele cria um clima e, às vezes deixa de comprar. Quando se usava mais o cheque do que o cartão de plástico, presenciei verdadeiras discussões, por ele se recusar se identificar para o vendedor. Tudo porque ele achava e, acha ainda, um desaforo ter que mostrar a sua cédula de identidade, quando solicitada. Imagino que ele se acha a pessoa mais conhecida do mundo.

E quando, porventura, passa por aquelas “blitz”, da polícia, que o param e lhe é solicitado que desça do carro e pedem os documentos, ele fica em desespero.

Sempre tentei argumentar para ele que isto não representa nenhum prejuízo, não é nada demais. As pessoas estão ali fazendo os seus trabalhos. Que é a maneira correta que o Estado entende para preservar a nossa própria segurança.

Mas, não tem jeito. Aquela atitude do Agente do Estado em lhe solicitar documentos, funciona como uma senha maldita que dispara toda a sua ira, ao ponto de sequer encarar aquele que o saúda e solicita tais documentos, tratando-os sempre com rompantes de  desprezo e arrogância.

Não é a toa que toda vez que isto acontece ele sempre é autuado, criam-lhe, invariavelmente algum embaraço. São seres humanos que estão fazendo o seu trabalho e que não merecem ser mal tratados e que isto acontecendo respondem também, na mesma moeda e como as suas armas são punições, arranjam sempre um jeito: é uma lanterna que não acende, é um pisca que não pisca; é uma luz de ré que não liga ou o extintor que está vencido.

É aquela história “bateu, levou”. Temos de convir e aceitar que se a pessoa não trata bem, também não merece nem será bem tratado. Ou seja, quem dá, recebe. Quem planta, colhe.

Aconteceu um dia, de transitarmos por uma movimentada Avenida de Salvador e um guarda de trânsito, parece que adivinhando, por constatar que a placa era de outro Estado, ou simplesmente por acaso, cometeu o despautério de mandá-lo parar e solicitou, como de praxe, os documentos do veículo e a Carteira de Habilitação.

Neste momento, percebi ainda antes de ele estacionar, o seu desespero. Não compreendi, a princípio, mas, logo entendi que a coisa seria bem pior do que uma rotineira abordagem de um guarda do trânsito. Ele lembrou, somente naquele instante, que não portava os tais documentos do veículo, pois havia emprestado seu carro a uma pessoa cá em Aracaju, entregando-lhe também tais documentos os quais não foram devolvidos.

Com cara de poucos amigos, resolveu valer-se de um documento oficial, pois realmente era, e é ainda, uma autoridade e, mesmo sob o meu mais veemente protesto, resolveu se valer da função para dar uma grosseira “carteirada”. Sem sequer encarar o franzino a,gente do Estado atirou-lhe a famosa “vermelhinha cruzada com fitas verde e amarela e brasão dourado”, muito usada em Brasília. Recebendo, é claro, como resposta, todos os rigores da lógica e da lei. “Senhor, no momento só me interessa identificar um motorista e a regularidade de um veículo. Por favor, quero ver a sua carta de habilitação e os documentos do carro” e repetiu, “aqui o senhor é apenas um motorista”.

Imaginem o imbróglio? Pensem numa situação constrangedora!  Tudo o que podia ter sido facilmente solucionado com um pouco de humildade e compreensão, transformou-se num grande problema. Havia uma transgressão à lei que deveria ser resolvida. Por esquecimento ele não estava de posse de documentos de porte obrigatório. A única coisa que para mim parecia mais sensata era dizer o que realmente aconteceu e indagar o que deveria fazer e naturalmente sem tentar intimidar nem subornar, resolver o problema.

Mas, infelizmente a situação se transformou numa tortura: apreensão do veículo, multa e fim do passeio. Pois aí o tempo foi todo gasto com as providências para sanar a situação. E ele, revoltado e inconformado, delegou tudo para que eu resolvesse, pois não queria passar mais por constrangimentos. Resolvi tudo dentro da normalidade, sem humilhar nem me valer de subterfúgios. Deu um pouquinho de trabalho, despesas e demora com a burocracia mas, é assim mesmo.

A conclusão é que tudo poderia ter sido evitado se não tivesse havido aquela arrogante e equivocada tentativa de, humilhando e rebaixando o outro, se fazer valer de um cargo ou função para auferir vantagem. Tudo poderia ter sido mais bem conduzido sem aquela “carteirada”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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