Vozes emudecidas, artes e perdas

Irmão
Tem sido um trabalho árduo e penoso, o de difundir entre os sergipanos a capacidade criadora de artistas locais, das várias linguagens, que produzem e oferecem arte ao uso público, com livros, textos teatrais, pinturas, música e outras demonstrações do fazer cultural, de qualidade digna do louvor. Cresceu, nos limites do território do Estado, a contribuição de autores que investigaram o passado, fixando a linha do tempo no processo de evolução afirmativa da sociedade sergipana. São muitos os artistas, como seus sotaques, buscando universalizar a mensagem bela da música, como são muitos os que fixam, em telas, aspectos da realidade e criam, com as cores e as ferramentas, belezas plásticas. A poesia, recitada e cantada, o teatro e tudo o mais que estimula a criação artística tem evoluído, como marca ligada à terra, na afirmação do talento, do domínio estético, da consciência política.

Silvio Romero, o grande crítico nacional da literatura nascido em Lagarto (SE) identificou uma “literatura de emigrados”, para registrar a dispersão, ou diáspora dos sergipanos, nos rumos da civilização brasileira: o Recife, em Pernambuco, Salvador, na Bahia, Rio de Janeiro, e em São Paulo. A indicação bem formulada pelo autor da História da Literatura Brasileira vigorou por anos e décadas seguidos, dando visibilidade a gerações de homens de letras, de artes e de ciências, que exaltaram o útero que serviu de pátria. O acervo bibliográfico, pictórico, musical, atesta a presença dos sergipanos no cenário do País, enquanto outros vultos empreendiam o magânimo esforço de manter, nas limitações da terra, o ideal artístico. Somos ainda poucos, mas com eles empunhamos o estandarte cultural de Sergipe. E somos ainda menos, quando a morte ceifa alguns dos que estavam em plena atividade, expondo suas linguagens.

Nos últimos meses morreram quatro figuras que freqüentavam o panteão dos mais aguerridos agentes da arte e da cultura em Sergipe: Dinho Duarte, Cristina Gama, Luiz Carlos Reis e Wellington dos Santos, o Irmão. Vigorosos, ainda novos para a média de vida do Brasil, estes mortos deixam lacunas que indicam a contribuição singular de cada um, com seus repertórios de encanto. Além da tristeza que se abate sobre todos os sergipanos, há de se carpir, sem o consolo das velhas senhoras, o choro sentido da falta, da ausência, da interrupção das obras essenciais de cada um.

Dinho Duarte, um geólogo vocacionado para a fotografia, tornou-se artista e agente cultural, militante de uma causa que a AMART dá o melhor testemunho. Especialista em Calendários anuais, nos quais deu destaque à iconografia de Aracaju e de Sergipe, Dinho Duarte animou o mercado com sua sensibilidade, seu jeito atraente para sensibilizar patrocínios, sem jamais descuidar das câmaras, com ângulos imortalizados pela sua consciência de artista. A morte de Dinho Duarte retirou da cena sergipana um grande agente cultural.

Maria Cristinha Gama fez da poesia um instrumento de suas reflexões, aliando estética e literatura nos mesmos tons, impregnando sua vida de questionamentos, que nem sempre a arte suporta. Frágil e forte, tratou filosoficamente a poesia, ou, melhor, filosofou poeticamente, chamando a atenção dos leitores para a sua obra densa, composta com o vigor dos jovens e as frustrações da sensibilidade. A morte que arrebatou sua vida, no transe trágico e surpreendente, não matou sua poesia inquisitorial.

Luiz Carlos Reis pode receber, post-morten, o troféu do artista dos palcos, exibindo-se nas marcações com seu falar compenetrado, de quem tem uma mensagem a passar às platéias atentas. A presença do ator encenando peças aplaudidas, de autores consagrados e de autores sergipanos, marcou a evolução teatral local. Embora múltiplos na representação dos seus personagens, os atores parecem não perder a solidão, quando captam a psicologia daqueles que representam, emocionadamente.

Irmão, que também chamou-se, em vida, Wellington dos Santos e que foi, antes da arte, um burocrata do planejamento e da administração, é outra morte sentida. Fez dupla com Tonho Baixinho, compôs dezenas de músicas destinadas ao público que acorria aos seus espetáculos, reconhecendo a qualidade dos sons e tons dos dois amigos e parceiros. Negro como a noite, como diria Castro Alves, mostrou-se um artista de grande talento, convicto do valor de sua arte e do alcance de sua voz, seu violão, sua indumentária, sua presença, enfim, dialogando com a música, até ser contido pela morte.

Sergipe é, nestes tempos carpidos, um organismo ferido, com suas entranhas atingidas e marcadas, profundamente, pela tristeza. Em curto tempo, quatro figuras de artistas calaram suas vozes sergipanas. Uma perda que dói, convertida numa saudade sufocante, a ser abafada pelo aplauso permanente que esses mortos conquistaram. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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