XXXI Encontro de Laranjeiras

Poucas vezes Sergipe contou com um evento tão múltiplo e tão longevuo quanto o Encontro Cultural de Laranjeiras, criado em 1976, no Governo do professor José Rollemberg Leite, quando aquele município sergipano era administrado pelo empresário José Sobral. Desde 1976, portanto, Laranjeiras começou a recuperar o seu prestígio intelectual, quando era identificada como a “Atenas Sergipense”, título que longe de ser um exagero era a representação simbólica do útero rico, que deu a Sergipe e ao Brasil figuras ilustres de políticos, revolucionários, intelectuais, religiosos, e processaram episódios grandiosos e marcantes para a história e a vida cultural sergipana.

Quando a somação do Governo do Estado com a Prefeitura Municipal, apoiada pela então Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Laranjeiras foi a destinatária de um conjunto de ações, em torno do I Encontro Cultural, como a restauração da velha Casa de Laranjeiras e instalação do Museu Afro Brasileiro de Sergipe, iniciando uma série de restauros que devolveu ao uso público monumentos sociais, como o Mercado da cidade, o Trapiche, a Casa da Câmara, bem como recuperou ruas de calçamento de pedra, enquanto pavimentou outras, tornando melhor o piso da cidade.

Com o Encontro Cultural de Laranjeiras Sergipe foi grande beneficiado, porque foram gravados, pela primeira vez, os sons dos grupos folclóricos e editados discos, livros, cadernos de folclore, dando visibilidade a um variado elenco de grupos, cada um com sua característica. E foram mostrados todos os grupos, que em 1977 eram 220, o que levava-se à consideração de que Sergipe era uma reserva folclórica, a maior de todo o Brasil, com uma diversidade indesmentível. Ainda tocam por aí os compactos da Taieira e do São Gonçalo, de Laranjeiras, a Chegança e a Zabumba, de Lagarto, cujos chefes – Paulo e João Chorão – já morreram. Depois vieram os CDs com o Reisado de Lalinha, de Laranjeiras e uma gravação nova da Taieira, sob a batuta de Maria de Lourdes. Ampliou-se, por conta dos Encontros Culturais, as edições. Pirambu ganhou os CDs do Ilariô e do Reisado do Maribondo, do genial Sabau, os romances, os desafios de viola, outros registros chegaram ao público, como um produto próprio, a ser partilhado com todos os sergipanos e a ser mostrado aos brasileiros e aos estrangeiros que vieram a Laranjeiras.

O Encontro Cultural fez de Laranjeiras uma escola, no sentido de um centro de estudos, debates, que colocando o folclore no centro de interesse produziu uma massa crítica inteiramente nova e diversa daquela que os velhos livros referenciavam. Uma geração de intelectuais retomaram a questão da cultura popular, investigaram e refletiram sobre os grupos e as manifestações folclóricas, num amplo painel que revisitou a fonte genuína do povo. 30 anos de dedicação a uma causa, a da cultura popular blinda Laranjeiras como um cenário intocável, onde florescem as artes do povo, com todas as características que lhes são próprias e que se agregam no uso.

Quem vem, anualmente, a Laranjeiras para trocar idéias, trazer novos apreciações, atualizar as referências e as bibliografias renova o compromisso. Foram muitos, algumas dezenas ao longo do tempo, alguns dos quais sempre voltam, enraizados no interesse de compreender melhor o fenômeno da cultura popular. Três desses heróicos partidários dos Encontros Culturais – Bráulio do Nascimento, Roberto Benjamim e Osvaldo Trigueiro – o mestre, o professor e o estudante de 1976 se tornaram, nas últimas três décadas, nos mais acreditados produtores culturais brasileiros. Bráulio do Nascimento, que em 1976 era o Diretor da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro e financiou o I Encontro Cultural, volta neste ano para lançar em Laranjeiras o seu Catálogo do Conto Popular Brasileiro, obra maestra, construída com zelo especial pelas versões que as estórias tomaram no Brasil. Roberto Benjamim, que em 1976 dava os primeiros passos na orientação da pesquisa folclórica, vem defender, em conferência magna, o bem imaterial, intangível, na luta por uma proteção eficaz. Osvaldo Trigueiro, que era ainda iniciante, dará a notícia da indústria cultural, da mídia, do turismo, de tudo que tem relação com a cultura popular brasileira.

Graças a responsabilidade do Secretário José Carlos Teixeira Laranjeiras realiza, nesta semana, o seu XXXI Encontro Cultural e com ele reafirma uma opção que põe Sergipe e os sergipanos em evidência, com corpo e alma revelados. As dificuldades, ou desculpas, felizmente são menores do que o Encontro Cultural de Laranieiras, este sim, grande como a cultura do povo, mostruário sensível da vida e da alma local, que ajuda a identificar os sergipanos. A realização dos Encontros Culturais de Laranjeiras não deveria compor um calendário anual de eventos, mas uma obrigação indispensável, inadiável, intransferível, algo como uma cláusula pétrea, cívica, legal, de proteção aos bens que o povo, por conta e risco, tem guardado. Já era tempo da Assembléia Legislativa e as Câmaras Municipais declararem os fatos folclóricos como de interesse público e o trabalho dos seus portadores como de reconhecida utilidade social. 

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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