Pedir ajuda especializada pode impedir que a violência seja agravada (Fotos: Portal Infonet)
“Sou vítima de violência, preciso de auxílio, meu marido é um agressor”. Com esta frase a Coordenadora do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), delegada Daniela Ramos Lima Barreto, recomenda que a mulher deixe de ser refém de uma violência que cresce assustadoramente em todo país. Em Sergipe, o quadro não é diferente: somente no ano passado foram registrados exatos 3042 pedidos de socorro.
Este ano todas as delegacias da mulher do Estado já receberam quase 200 casos. São histórias de mulheres que são torturadas física e psicologicamente, mutiladas, agredidas na sua auto-estima e que muitas vezes passam anos reféns do medo.
Para a delegada, a demora em levar o caso a uma autoridade policial pode custar a vida da mulher e destruir famílias. Daniela Ramos observa que os laços de afetividade entre agressor e vítima é
uma barreira na hora de procurar ajuda. A delegada Daniela Ramos conhece o cotidiano de mulheres vítimas
“A violência doméstica tem uma característica especifica. É uma violência em que o autor tem laços íntimos de afetividade ou de parentesco com a vítima. Esse tipo de violência não é igual a qualquer outra, ela tem um componente emocional e efetivo muito grande, que muitas vezes a gente inadvertidamente julga. Em virtude desse componente as mulheres já chegam aqui em uma situação em que a violência está com um quadro mais grave, em que a violência já gerou sequelas emocionais muito grandes para ela e para a família. Porque a violência doméstica não faz uma vítima, ela faz um universo de vítimas”, analisa a delegada.
Vítima
No ano passado, o caso de uma jovem que foi baleada pelo namorado, que em seguida cometeu suicídio, chamou a atenção dos sergipanos. O crime repercutiu durante meses e levou sofrimento e dor para toda a família. Dez meses após o crime bárbaro, Aline de Jesus, de 26 anos, rompe o silêncio e afirma que nunca imaginou fazer parte de uma estatística tão sombria.
“Ele nunca me deu sinais de que um dia poderia fazer isso, estávamos bem. O único problema dele
era os ciúmes, por isso a gente acabava discutindo. Chegamos a marcar a data do casamento, mas quando a gente saiu do Fórum ele me disse que eu não iria sair de casa quando casasse”, lembra. A jovem Aline de Jesus quase pagou com a vida o fim do relacionamento
Após ter acordado de um coma profundo, Aline teve que lidar com a notícia de que seu noivo tinha cometido suicídio. A tristeza, saudades e a culpa, já que ela acredita ter causado a morte do noivo, acompanham a jovem. “Sinto muito a falta dele. No começo não lembrava direito o que tinha acontecido, mas hoje lembro de tudo e às vezes sinto culpa por ter marcado o casamento e depois ter desistido. Acho que ele se precipitou [refere-se ao suicídio]. A gente brigava, mas depois voltava”, recorda Aline, que encontra dificuldades para aceitar a morte do ex.
“Até hoje fico em casa pensando que ele não morreu, pergunto a minha mãe se ela viu o corpo. Todos os dias me pego esperando ele vir me ver. Parece que a qualquer momento ele vai aparecer aqui”,
diz Aline, que fica revoltada por ter ficado dependente dos outros. “Olho a vida que tinha antes e a que tenho agora e fico revoltada. Eu era cheia de vida, saía com meus amigos, tinha planos para o futuro e agora estou aqui dependendo de ajuda até para vestir uma roupa”, lamenta. Após meses da violência, Aline tenta se recuperar e seguir a vida
Violência anunciada
Casos como o de Aline, fazem parte do cotidiano da delegada Daniela Ramos que há 11 anos trabalha na área de violência contra a mulher. A delegada explica que a violência doméstica começa de forma aparentemente simples, com a desqualificação da vítima através de palavras, atos e gestos, até chegar à violência mais extrema.
“As tragédias não acontecem de repente. Elas são anunciadas, existem todos esses sinais. Só que por conta desta característica específica da violência doméstica, de vínculo profundo entre vítima e autor, muitas vezes estes sinais são ignorados e não são vistos e lidos da maneira adequada. É
preciso ter este olhar para a violência doméstica, muitas vezes a gente tem o olhar que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Se ela está com ele é porque ela gosta. Isso faz parte de um peso cultural muito grande que crucifica a vítima da violência doméstica”, compreende. A delegada ressalta que é possível dar um basta na violência
Cultura machista
A coordenadora do DAGV lembra ainda, que a cultura do país reproduz um olhar onde a vítima passa a ser considerada responsável pela agressão. “Na verdade a nossa cultura no Brasil, e, sobretudo a nordestina, em que a figura do macho no comando é mais forte, a tendência é que a gente crucifique e culpe a vítima da violência doméstica por todas as suas desventuras. Como se ela fosse a responsável por tudo isto, por conta destes momentos em que ela realmente retrocede, mas é preciso entender que nem todas as pessoas tem os instrumentos para poder tomar as decisões”, lembra a delegada, ao refeletir sobre o que é preciso ter em mente ao se deparar com vítimas de tamanha violência.
“É preciso entender a história daquela mulher, e porque ela retrocede, porque ela mantém uma sensação de emponderamento diante daquela situação. Quais são os componentes emocionais e afetivos que estão fazendo com que ela tome aquela posição. Porque afinal de contas o violador não é ela; quem está violando direitos, agredindo e desrespeitando, não é ela”, salienta.
O mito do cavalo branco “A mulher cresce aprendendo que a felicidade vem das mãos de um príncipe”, diz delegada
A delegada ressalta que mesmo sob extrema violência é possível mudar a realidade. Daniela Ramos reconhece que a maior dificuldade dessa mulher vítima de violência é essa tomada de decisão. “Somos criadas no mito de que a felicidade chega pelas mãos de um homem. Então, por mais que a nossa geração tenha sido formada para a independência e para o trabalho, no fundo a gente ainda está imerso na cultura muito forte em que as mulheres só conquistam as soluções, a felicidade, o sucesso e a tranquilidade na vida através das mãos de um homem. E se for bonito e montado em um cavalo branco melhor ainda”, analisa.
Para a delegada as mulheres sentem dificuldade para entender que elas podem mudar a história da sua vida. “Essas mudanças podem vir delas mesmas. Então, são geradas inseguranças. Será que minha família vai se desfazer? Como é que vou viver sem um companheiro? Como é que vou conseguir educar os meus filhos? E todos esses questionamentos vão enfraquecendo sua decisão e elas retrocedem da sua tomada de decisão”, destaca.
Por Kátia Susanna
* Na segunda parte dessa reportagem especial, a delegada Daniela Ramos, fala sobre a violência baseada na Lei Maria da Penha, o acolhimento para as vítimas e destaca uma experiência inédita baseado em um grupo para agressores. Acompanhe nesta sexta-feira, 4.Portal Infonet no WhatsApp
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