Atual modelo econômico mundial é ‘suicida’, diz professor

ENQAmb acontece até amanhã no Hotel parque dos Coqueiros
Está acontecendo desde terça-feira, 11, em Aracaju o IV Encontro Nacional de Química (ENQAmb) Ambiental, que discute as propostas de sustentabilidade no mundo atual. O encontro vai até domingo,  com palestras minicursos e mesas-redondas com pesquisadores de todo o país. O Portal Infonet aproveitou a oportunidade e entrevistou o professor Wilson Jardim da Unicamp, membro da comissão científica do Encontro, que fala sobre os conceitos de sustentabilidade dentro da realidade atual.

Portal Infonet – Qual conceito de sustentabilidade que o senhor trabalha?

Wilson Jardim – O conceito de sustentabilidade hoje é um modismo. Se olharmos sobre o ponto de vista criteriosamente termodinâmico, não há sustentabilidade. É algo que é uma meta sonhadora, inocente. Porque nenhum processo é 100% ‘reciclável’. Dentro do modelo econômico atual o conceito de sustentabilidade é uma grande piada. Se nós pegássemos 20 países que adotassem o mesmo modo de consumo dos EUA, país considerado desenvolvido, nosso planeta iria entrar em colapso em 10 anos.  Ou seja, se um país desenvolvido faz com que você vá pro suicídio então temos que repensar o que é desenvolvimento. Nós estamos num modelo bem suicida, onde você tem geração de riqueza baseado muitas vezes em especulação. É um cenário falso e frágil. O que nós temos a fazer é olhar o que geralmente não é comentado sobre as novas tendências mundiais. Aqui nós vamos abordar um pouco sobre biocombustíveis, tidos como combustíveis ‘limpos’, que na verdade, se olhamos mais detalhadamente descobrimos

Professor Wilson Jardim (Unicamp), membro da comissão científica
que de limpos tem muito pouco. De fato você minimiza a emissão de CO2 com etanol ou biodiesel, mas há uma série de mazelas que nós procuramos entender. Por exemplo, a cultura da cana hoje, como é feita no país pelo aspecto químico, tem o uso de vários insumos, como adubo, que acabam sendo transportados durante a queimada e acabam gerando uma séria deterioração do ar. Quando você olha o ciclo produtivo do etanol e do biosidesel descobre uma série de aspectos que ferem frontalmente aquilo que eles se propõem. A fama do combustível verde, limpo, de tal maneira que você não se sinta culpado de levar seu cachorro para passear de carro.

Infonet – E qual seria a melhor alternativa que o homem tem de fonte de energia para os próximos anos?

WJ – Antes de perguntar qual a melhor alternativa energética seria interessante perguntar se o nosso planeta tem, capacidade para tantas pessoas. Esse questionamento talvez fosse o primordial. Nós temos um planeta finito que não tem capacidade para, por exemplo, 12 bilhões de habitantes. É impossível conviver harmoniosamente num planeta que não tem capacidade de agüentar essa biomassa. Eu acho que todos nós esperamos uma solução messiânica, assim como foi o Lula, e acabamos descobrindo que não há. Estamos caminhando para a contribuição pessoal, que nós temos e evitado durante anos. Qual seria a sua contribuição para a questão ambiental? Você gostaria de ter três filhos, mas não vai poder. Você  gostaria de andar de carro, mas não vai poder. Nós temos evitado muito chegar nesse ponto, que não está longe, porque delegamos à ciência, à tecnologia e aos legisladores a responsabilidade de encontrar uma solução. Dentro desse cenário de mudança, obviamente teremos de dar nossa contribuição. E será penoso para quem está acostumado com uma sociedade perdulária como a nossa. Agora, de fato, sobre o ponto de vista energético, a solar é a forma mais limpa de obtenção de energia. Usamos muito pouco, mesmo sendo um país tropical. Então são alternativas que o brasileiro vai ter de buscar, entender e aprimorar.

Infonet – Você acredita na retroalimentação da economia e da produção de energia?

WJ – Nós temos um paradigma muito interessante. Por exemplo, o petróleo vai acabar, então nós produzimos carros mais econômicos. Quando produzimos, colocamos no mercado um ‘sonho de consumo’, e vende mais carros. Ao vender mais carros o petróleo acaba mais rápido porque o consumo é maior. É esse modelo econômico que temos reforçado. Então, dentro dele, quanto mais se oferta energia limpa, de baixo preço, maior é o consumo dela e de todos os bens que vem junto com a energia. Se eu for produzir energia solar, preciso da célula solar. E para produzir a célula solar tenho que tirar silício, germânio, e uma série de outros elementos. É dentro dessa realidade que estamos indo para o suicídio. Ou temos uma mudança drástica centrada no indivíduo, e não na espera de algo, ou vamos para um colapso.

Infonet – Você acha que a consciência individual pode ser implantada na população?

WJ – Normalmente não somos monolíticos com relação a mudança, principalmente quando diz respeito ao bem, ao trabalho, ao abrir mão de uma série de coisas. Nós vivemos hoje uma sociedade perdulária, do descartável, que é insustentável. Mas é muito cômodo. Então, o que temos de fazer é mudar o conceito do que seja um país desenvolvido. Eu provavelmente não vou ver isso, mas meus filhos certamente vão. Talvez por uma conjuntura de mudanças isso seja catalizado, e meus filhos sintam isso. Tenho claro que não há outro caminho, senão esse.

Infonet – Seria um novo modelo econômico?

Saguão apresenta feira de exposições para pesquisas e produtos

WJ – Hoje eu digo que se os economistas pelo menos ficassem quietos, nós já teríamos menos aquecimento global. É um problema muito sério, essa falsa sensação de riqueza. Basta olhar o salário de alguns jogadores de futebol. Não há riqueza no planeta que permita a existência de um salário de Kaká. Ou Ronaldinho. Isso é falso, e alguém está pagando por isso. Dentro do modelo que nós temos de economia forte, sendo aquela em que o indivíuo pode chegar em casa ligar o ar condicionado, e tomar um banho de 300 litros de água, etc, é um modelo suicida. Então precisamos mudar inclusive todo o arcabouço que nós temos da economia pra tentarmos nos adaptar. Um país que faz a base da sua economia vendendo minério está com os dias contados, e um país que vende tecnologia precisa manter o status quo. Temos esse impasse que nos leva à beira do colapso, e tempos que repensar isso.

Infonet – Em que se baseia a sua pesquisa?

WJ – O que fazemos é mostrar esses lados de tendências energéticas. Nós tínhamos um programa de álcool muito bem sucedido, que ficou esquecido. Aí o George Bush veio aqui, falou que era ‘bonito’ e de repente ele foi redescoberto. Essa euforia é levada pela ganância econômica. Quando você analisa o uso dos insumos e solos brasileiros, as queimadas, você vê que exporta um produto que deixou um rastro de impacto muito grande, e também utilizou um solo que poderia ser utilizado para alimento, você não come dinheiro, come arroz e feijão. É nesse ponto talvez que caminhemos para a visão de um país desenvolvido, aquele que consiga alimentar seu povo adequadamente. Não adianta eu ter um montão de dinheiro no banco, se não vou comer dinheiro. Precisamos respirar um ar limpo, precisamos de água de qualidade, alimentação, diminuir a mortalidade infantil. Tudo isso é um pacote indissociável. E acho que nosso aspecto aqui é tocar no ponto que normalmente as pessoas não tocam. A nossa idéia é, muitas vezes antipaticamente apontar o que ficou ‘debaixo do tapete’. Trazemos aqui uma visão que trbanscende a química, que é uma ciência que está sendo praticada diante de um contexto social que transcende a universidade. Como é que você pode ter um produto dito ‘limpo’, se um bóia fria está quase à beira da morte. São esses aspectos ditos ‘secundários’ que estamos trabalhando. É o que eu trabalho na Unicamp, com tecnologias emergentes e menos impactantes de remediação de solos e água, ciclos de elementos, novos compostos emergentes em água. A minha pesquisa é baseada nesses aspectos que são antipático para maior parte do Estado, mas que são importantes.

Por Ben-Hur Correia e Carla Sousa

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