Cézar Britto toma posse hoje

O advogado sergipano Cézar Britto será empossado hoje, 1º, como presidente nacional da Ordem Advogados do Brasil (OAB). A solenidade acontece na sede do Conselho da OAB em Brasília às 19h e contará com a presença do arcodeonista sergipano Waltinho, tocando o Hino Nacional. A chapa foi única e recebeu o apoio de toda federação brasileira. Em entrevista ao Portal Infonet, Cézar – que também é colunista deste Portal de notícias – fala sobre a indicação do seu nome, as primeiras mudanças com a nova administração e assuntos polêmicos como o grande número de faculdades de Direito e a ética na advocacia.

 

Portal Infonet – Pela primeira vez um sergipano chega à presidência nacional da OAB. Fale um pouco da emoção desta indicação e do apoio de todos os Estados da federação? Como será o início de sua administração?

 

Cezar Britto – Eu costumo dizer. E digo de todo o coração que não assumo sozinho o cargo de presidente. Ele é um somatório de vontades, fatos e ações praticadas ao longo do tempo. Houve um querer de várias pessoas: o meu, o da advocacia sergipana e do advocacia nacional e de vários amigos espalhados pelo Brasil – todos sonhando com este projeto. Eu não sou presidente sozinho e nem serei um administrador sozinho. Eu administrarei com todos aqueles que compreendem comigo que a Ordem é uma entidade importante para a República e que ela consegue conjugar como se fosse uma única palavra ‘advocacia e cidadania’. Por isso que a ação da OAB tem duas vertentes – no campo institucional e corporativo. No campo institucional ampliando a participação da sociedade nas fiscalizações das políticas públicas e inclusive optando pelo destino dos recursos públicos –

que é destes órgãos que a comunidade tem representação como o Conselho Nacional da Assistência, o Conselho de Segurança Alimentar e os Conselhos Tutelares. E também fazer a fiscalização direta da política pública. A Ordem sempre foi um órgão crítico em relação aos governos e neste sentido vai manter a sua atuação histórica. No campo corporativo a OAB quer se aproximar muito mais dos seus advogados. Hoje somos 600 mil advogados (o que significa 20% dos advogados do mundo) parte deles com carências graves e influenciados pelo mercado cada vez mais restritivo com um número maior de profissionais atuando. O que exige uma ação coorporativa muito mais contundente. Neste sentido faremos um controle maior de fiscalização das faculdades de Direito principalmente aquelas mercantilizadas.

 

 

Infonet – Quanto ao grande número de faculdades de Direito no país e a qualidade do ensino. Como a OAB tratará o assunto?

 

CB- Temos uma novidade, no dia 2 de fevereiro já está agendada uma reunião na OAB com o ministro da Educação, Fernando Haddad. Nós já conversamos que realmente é necessário a adaptação de critérios mais rígidos para criações do curso de Direito. Não por conta do mercado de trabalho, mas, sobretudo porque o saber numa sociedade desigual ainda é uma fonte de ascensão social. E no curso de Direito pela mercantilização de grande parte das faculdades ele tem gerado mera frustração. Diferentemente das demais profissões o diploma por si só não garante o exercício da profissão. O seu portador tem que se submeter a uma espécie de concurso ou de uma seleção para ser advogado – o exame de ordem para as carreiras de concurso público. E se você não tiver feito uma boa faculdade este diploma não irá servir para nada a não ser pela má lembrança de ter sido enganado por uma instituição que mercantilizou os sonhos.

 

Infonet – Então o debate levantado por algumas faculdades de que o exame da Ordem deve ser mais fácil não existirá?

 

CB- Ao contrário. A idéia é fazer que o exame de Ordem seja nacionalizado – o mesmo para todo o Brasil, para que ele sirva de aferidor do ensino jurídico. O exame não é duro, o problema é que nos últimos anos as faculdades ruins chegaram com um número maior de candidatos e com uma reprovação maior, o que contribuiu estatisticamente para uma divulgação global de reprovação maior. Mas as boas instituições continuam aprovando a mesma média histórica – 60% a 80% dos inscritos. Enquanto que as ruins chegam a 90% de reprovação dos inscritos.

 

Infonet – A OAB tem como regra ter a direção composta por um componente de cada Estado. Isto é benéfico ou prejudicial?

 

CB – A Ordem pela capitalidade que tem – ela está presente em todos os estados da Federação e mais de mil municípios – adotou o princípio que parece extremamente correto para trazer para dentro da Casa esta diversidade que forma a alma e a mente do brasileiro. Nós temos uma prática de escolher um diretor de cada região. Eu ocupo a vaga pelo Nordeste, o meu vice-presidente Vladimir Rossi é do Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste, a secretária geral é Cléa Anna Carpi pelo Sul, o secretário-geral adjunto Alberto Zacharias de SP, Sudeste e o diretor tesoureiro Ophir Filgueiras Cavalcante, do Pará pelo Norte. Esta idéia é trazer um pouco do Brasil para dentro da Casa. Cada um com sua compreensão e seus problemas. E quando você tem uma forma conjunta de resolver os problemas e também soluções diferenciadas para resolvê-los acabamos opinando pelo melhor caminho. E isto tem dado certo na Ordem, fazendo dela uma das instituições advocatícias mais respeitadas do mundo. O modelo da OAB é copiado nos demais países.

 

Infonet – O senhor ressaltou em uma entrevista que pretende registrar a parcela de culpa da advocacia num país cheio de desigualdades e injustiças como o nosso. Como pretende fazer isso?

 

CB – O advogado é encarregado de brigar pela Justiça em nome do cidadão. Se nós quisermos viver num Estado igual para todos isto significa que a Justiça também deve ser igual para todos. E é o advogado que tem esta função – de em nome do cidadão falar em Justiça. Então, como ele representa a cidadania ele tem que estar muito próximo do que pensa a cidadania e representando o seu papel. Tem que existir uma cumplicidade muito forte entre o que você defende e o que acredita defender. Se o advogado é o defensor do cidadão ele deve pensar como o cidadão. Até para garantir melhor essa defesa nós vamos fortalecer nossa Comissão de Defesa e Valorização da Advocacia. Uma das idéias é fazer com que seja aprovado pelo Congresso Nacional um Projeto de Lei que criminaliza as ações que violam as prerrogativas dos advogados, daqueles que não escutam os reclames da sociedade e que é obstáculo para que se faça Justiça. Por exemplo, nós vamos criminalizar qualquer ato como invasão de escritório, grampo de telefone de advogado quando está conversando com o seu cliente, a idéia é criminalizar todas as ações que impedem o exercício do direito da defesa. A figura de linguagem que se pode mais usar é que “Se a Justiça é cega ela não pode ser surda” e que leva para Justiça a Voz da cidadania é a advocacia que não pode ser impedida de falar.

 

Infonet – O senhor também fez uma crítica aos juízes reclamando do distanciamento deles do cidadão comum. Qual seria a solução?

 

CB- O que tenho falado é sobre a burocratização da Justiça – os juízes têm que conhecer mais a alma da cidade e mais a alma de quem julga, porque esta é uma função difícil. Em alguns casos alguns juizes na área cível têm se afastado das suas cidades. Os próprios fóruns não têm ajudado neste sentido. Eles são construídos geralmente fora das cidades que faz com que o juiz se quer ingresse fisicamente no município. Eles ficam no fórum esperando que a população apareça e alguns se querem residem neste fórum. Então quando se fala que os juízes precisam conhecer mais a alma das cidades para que não fique burocrata, não está se dizendo que todos são, mas que tem uma parcela que precisa de uma ação maior dos próprios órgãos de correção do judiciário para se fazer cumprir a Constituição Federal – que fala que o juiz tem que estar próximo do cidadão.

 

Infonet – Esta é uma das burocracias levantadas na área do judiciário e para isso a Reforma do Judiciário sempre entra na pauta de debates. O senhor é favorável à Reforma Judiciária?

 

CB – Reformar é preciso, mas tenho dito também que uma reforma é fundamental para o judiciário que é a reforma de mentalidade. E quando falo deste Poder eu também me refiro as demais profissões que também são responsáveis pela administração do Poder Judiciário como é o advogado. No meu discurso vou deixar isto bem claro, que nós como advogados, da magistratura, do Ministério Público temos que assumir a nossa responsabilidade pela lentidão e ineficiência do próprio Poder Judiciário. Vários juízes são dedicados e a grande maioria deles tem a participação efetiva, mas a minoria às vezes atrapalha as ações da maioria. É por isso que nós temos que começar a reconhecer os nossos erros para depois acertar.

 

 

Infonet – A ida do senhor para a OAB Nacional traz algum benefício direto para a seccional de Sergipe? Como será este relacionamento?

 

CB- Evidentemente que sim. Se você tem uma vinculação pessoal e amorosa com o seu Estado você tem mais o carinho na hora da aproximação, mas isto não quer dizer que Sergipe será extremamente beneficiado em relação às demais seccionais, já que todas são autônomas e contribuem financeiramente para o Conselho Federal. Mas, o fato que deve ser esclarecido é que o presidente da OAB em Sergipe é Henri Clay Santos Andrade e ele que vai falar pela Ordem do Estado e eu pela Nacional. E vamos trabalhar de forma parceira, juntos, porque a OAB só é forte quando todos os seus advogados são fortes e quando suas seccionais são fortes. Se eu puder fazer com que minha seccional se torne cada vez mais forte evidentemente que farei.

 

Infonet – Outra problemática levantada durante mandato de Bussato foi a de traficantes estarem pagando a faculdade de advogados para defendê-los e que estão vinculados diretamente ao mundo do crime. Como será tratado este assunto?

 

CB – Bussato tem uma frase muito feliz que põe em minha opinião o divisor de água na questão da apuração ética quando ele diz que ‘não há criminoso advogado pois a advocacia é incompatível com a atividade criminosa, há sim, criminosos travestidos de advogados’. A simbologia desta frase é importante para mostrar que nós não podemos e nem devemos ser corporativos. Alguém cometeu um crime que não tem relação nenhuma por ser crime com a atividade profissional nós não deveremos defendê-lo enquanto advogado, ele será defendido com um cidadão comum. Esta separação é importante, pois ela dá direção no comportamento ético da própria instituição. Eu tenho dito como ghandiano, ‘que o melhor argumento é o exemplo’. A OAB só poderá cobrar ética na política e dos administradores públicos quando se cobrar ética dos advogados. Neste mandato, nós do Conselho Federal punimos mais de mil advogados. Terminamos o mandato ampliando a própria câmara julgadora dos desvios éticos, que era um único órgão julgador e este a partir da minha gestão já terão sido implantados mais dois órgãos julgadores. Porque a ética é fundamental e ela é o instrumento de trabalho do advogado. Se ele perde a ética, perde a razão de ser, porque perde a confiança do cidadão e aí quebra aquela palavra sinônima, aquela relação que eu tenho dito que os dois são muito próximos e os dois são iguais.

 

Infonet – A escolha pela advocacia se deu através da convivência na infância com o seu avô que era juiz? É verdade que o senhor queria ser psicólogo?

 

CB – O meu avô João Fernandes de Britto sempre foi um paradigma para a família. Ele é referência para todos nós. Sempre foi. Todo mundo queria se pautar no jeito dele. Até na fala mansa, no relacionamento amigo, fraterno e na timidez, porque todos nós somos tímidos. Mas uma timidez altiva – de quem quer fazer, mas que não precisa ficar falando o que está fazendo. Então meu avô foi o paradigma em  função disso quando você tem um paradigma você quer copiá-lo. Na infância eu dizia que queria ser advogado, mas quando eu era adolescente e entrei no movimento estudantil quando aluno do Atheneu, eu achava que a melhor forma de resolver os problemas era estudando os problemas e estudando profundamente as pessoas. Não havendo psicologia em Sergipe, prestei vestibular para uma profissão que achava próxima que foi Direito. As pessoas acham que eu queria ser advogado por causa do meu avô, mas a influência do meu amor foi a opção pelo social. Já dentro da faculdade eu aprendi a gostar do Direitro, principalmente pela profissão estar relacionada com a parte ativa, a parte que briga, que reclama e que fica inconformada. Eu fui um estudante de Direito que briguei muito por uma universidade melhor, contribui junto com outros colegas para o renascimento do movimento estudantil, reativamos o Centro Acadêmico. O estatuto do CA á propositura é o meu pensamento da época, um pensamento libertário que não aceitava chefia, que não aceitava que ninguém era melhor que ninguém e que, portanto não tinha presidencialismo. Um estatuto até revolucionário para a época. Esta minha experiência do Movimento estudantil de querer acertar, mudar, e de querer retribuir a sociedade todo o ensino que me foi pago – quase toda a minha vida estudei em escola pública. Então foi este movimento estudantil que me fez advogado e ter esta consciência de que o saber o adquirido e pago pela sociedade tem que ser retribuído pela sociedade. Daí para advocacia social e para advocacia trabalhista e sindical foi uma conseqüência natural.

 

Infonet – Com a sua ida para a presidência da OAB terá que se afastar da coluna do Portal Infonet, não é verdade?

 

CB- Uma das poucas coisas que eu lamento em assumir a presidência da OAB é deixar meu contato semanal com os leitores da Infonet. Isto porque nada melhor do que escrever sem ter o que escrever ou porque escrever sem o compromisso com o que escrever. Porque os escritos são como os filhos que nós colocamos no mundo com uma visão e ele se torna completamente outra visão. Eu aprendi muito com os leitores, com os comentários deles e com a obrigação de escrever. E também me abri muito. Falei da minha vida, do que eu penso, do que eu quero para as pessoas, mas como presidente da Ordem eu tenho que falar em nome da Instituição, o que não é pessoal e tem um projeto maior – o que torna incompatível continuar escrevendo semanalmente para a Infonet e para jornais. Mas eu digo as pessoas para mim não é um adeus é um até logo. Como estou presidente, mas não sou presidente eu voltarei se ainda me quiserem a escrever para esta página.

 

Por Raquel Almeida

 

Conheça um resumo do currículo de Cézar Britto

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