A imagem da Justiça de olhos vendados e segurando uma balança já intrigou a muitos. Segundo o próprio judiciário, ela é assim para que não discrimine nenhum cidadão. Contudo, nem sempre parece que esta afirmativa corresponde a realidade. Atualmente os próprios agentes da Justiça têm sentido um dos pratos da balança pender para um dos lados. É o caso da Defensoria Pública. Sentindo-se discriminada em relação aos outros dois agentes da Justiça: o Ministério Público e o Poder Judiciário, os defensores públicos do Estado de Sergipe estão se mobilizando e organizando uma campanha pelo direito a isonomia. Segundo o Dicionário Aurélio o termo, juridicamente, significa “igualdade de todos perante a lei, assegurada como princípio constitucional”. Dentro dessa perspectiva, os defensores querem que seus salários sejam reajustados de forma a reparar a defasagem que, ao longo dos anos, foi sendo criada entre suas remunerações e a de outras categorias jurídicas como promotores, procuradores e juízes. Atualmente, enquanto um procurador em início de carreira ganha mensalmente R$ 8 mil, um defensor em fim de carreira recebe um salário de R$ 3.800 por mês. A própria Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Sergipe (OAB/SE), já se comprometeu em reivindicar, juntamente com a Associação dos Defessores, as melhorias necessárias para o exercício pleno da profissão. Para saber mais sobre o assunto o Portal InfoNet conversou com o presidente da Associação dos Defensores Públicos do Estado de Sergipe, Edgard Patrocínio dos Santos Júnior. Confira a seguir a entrevista onde ele fala sobre a discriminação sofrida pela categoria, sobre a campanha pela isonomia, as implicações salariais no desempenho da Defensoria e a Emenda Constitucional 45, nos moldes que funcionam o Ministério Público e o Poder Judiciário. PORTAL INFONET – O que é a Defensoria Pública? EDGAR PATROCÍNIO – A Defensoria é um órgão do Estado formados por defensores, que são advogados pagos pelo mesmo para atender pessoas que não tenham condições de arcar com os custos deste tipo de serviço. Ela é uma instituição que tem previsão expressa na Constituição Federal como função essencial. Ou seja, não é um órgão criado por bom grado de nenhum governante. EP – Ela atualmente é ligada, na prática, ao Poder Executivo. Mas de direito ela já foi desvinculada desse poder porque a Constituição Federal, através da promulgação da Emenda Constitucional 45, que faz parte da Reforma do Judiciário, contempla a Defensoria com a autonomia administrativa, funcional e de iniciativa orçamentária. Ou seja, é a própria Defensoria quem vai definir a criação de cargos, a política salarial e até a organização de toda sua estrutura de funcionamento. Nossa principal demanda é de casos de direito do consumidor, criminal e família. Nós só não trabalhamos com questões previdenciárias e trabalhistas, pois são casos federais. INFONET – Então esta autonomia ainda não foi implementada? EP – Exatamente. Até agora ela não saiu do papel. Além disso, os defensores sofrem uma certa discriminação com relação a outras áreas jurídicas. Nós trabalhamos muito com promotores e juízes que ganham salários infinitamente superiores ao que ganha um defensor público. Recebemos, em média, 100% a menos do que eles ganham. Então o que nós queremos é que acabe esta discriminação que é feita com a nossa categoria, que tem a função diferencial de ajudar muitas pessoas e de desempenhar um trabalho que traz até mesmo uma certa economia para o Estado. INFONET – Como se dé esta economia? EP – Ela acontece, primeiramente, porque um processo parado custa muito para o Estado, e ter um defensor impede que isso ocorra. Segundo porque permite que se tenha uma redução no custo social para o governo. Por exemplo: 70% dos presos que estão respondendo a processos criminais em São Cristóvão dependem da Defensoria. Se não tiver defensor, muitos vão ficar presos e isto significa custo pro Estado, estimamos que um pouco mais de R$ 1 mil, mensalmente, por detento. Além disso, alguns deles podem nem ter praticado o crime, e essa pessoa que esté lá sem ser atendida vai se revoltar e voltar para a sociedade, provavelmente, pior do que entrou. Sendo assim, com atendimento você evita uma série de problemas. Se você atende a demanda de uma pessoa, acaba evitando, inclusive, um demanda criminal. Num caso da pensão que o marido não pagou, por exemplo, a Defensoria pode agir e mediar o problema, antes que a mulher vá lá e agrida o mesmo. Dessa forma se evita uma demanda criminal, penitenciária e o custo de manutenção do preso. Por fim, ainda tem a questão de que quando não há defensor público e a pessoa não tem condições de pagar um advogado, o juiz nomeia um particular a, ao final da ação, ele deverá condenar o Estado a pagar os honorários do advogado. Além de que a Defensoria pode fazer um acordo antes mesmo de se abrir um processo e de se acionar o juiz. E nós fazemos muito isso. É o que se chama de Direito Arbitral. EP – Bem, de um lado temos a Acusação, nos casos da parte criminal, que é bem estruturada e bem remunerada. Do outro, temos a Defensoria Pública, com uma estrutura minguada e salários bem inferiores ao que são pagos aos promotores. Outro ponto afetado pela questão salarial é a permanência dos defensores no cargo. Atualmente, nós ingressamos na carreira através de concurso. No último que aconteceu, em 2001, entraram 76. Desses, atualmente, só 14 permaneceram na Defensoria. Os outros 62 foram para outras carreiras jurídicas que pagam melhor. Esta evasão, nós atribuímos à questão, principalmente, salarial, porque estes advogados foram para outras áreas que recebem uma remuneração bem superior, sem precisarem abandonar a advocacia. INFONET – Quantos defensores públicos existem, atualmente, no Estado? O número é suficiente? EP – Atualmente, estamos com 75 defensores. Contudo, principalmente no interior, há uma deficiência muito grande, pois praticamente não existe mais Defensoria. As únicas comarcas que ainda têm defensores no interior são as Lagarto, Itabaiana, Própria e São Cristóvão. Já a Capital tem uma boa quantidade de defensores, mas mesmo assim ainda não é a quantidade ideal para atender a demanda. No ano passado nós atendemos 145 mil pessoas. Poderíamos ter atendido muito mais se houvesse mais defensores. A nossa demanda cresceu devido ao empobrecimento da classe média. INFONET – De onde partiu a idéia da campanha pela isonomia? E como está a mobilização da categoria? EP – Essa foi uma idéia que foi lançada, mas que vai ser definida praticamente em uma Assembléia. Ela é que vai definir se os defensores querem realmente se engajar nesta campanha. Nós já estamos fazendo contatos políticos com deputados, e mesmo com pessoas ligadas ao Governo, reivindicando a questão salarial. Até agora ainda não tivemos nenhuma resposta positiva. A mobilização está grande porque a categoria está completamente insatisfeita. E é em função desta insatisfação que a Associação está buscando resolver a situação. INFONET – Quais medidas vocês pretendem adotar para garantir que esta reivindicação seja atendida? EP – Inicialmente nós estamos tentando através do contato, do diálogo, de uma forma amistosa. Vamos marcar uma audiência com o Governo do Estado para mostrar ao governador a importância de se ter uma Defensoria bem estruturada, forte e atuante. Medida que estamos tomando nacionalmente. Agora, caso não haja, num primeiro momento, boa vontade política por parte do governador, nós vamos usar outras medidas, inclusive judiciais. Por isso as Associações têm um papel importante neste processo, pois temos que pressionar. Porque se não o fizermos, governo nenhum, de bom grado, vai conceder a autonomia. O que falta no governador é um pouco mais de sensibilidade para entender o que é a Defensoria e qual o papel que ela cumpre. Porque este é um papel silencioso que só conhece quem a procura e quem trabalha lá. INFONET – Esta é uma realidade local ou se estende pra todo o país? EP – Isto é uma questão nacional. Mas já existem Defensorias que alcançaram um bom patamar. A exemplo das Defensorias do Tocantins, do Piauí, do Mato Grosso, do Acre e também a de Roraima, que, diga-se de passagem, é a única que realmente deu efetividade a Emenda 45, repassando o duodécimo – a verba repassada a cada mês para que o órgão venha a gerir todas as suas funções independente de estar ligada ao Poder Executivo. Eles implementaram a autonomia ao pé da letra e as outras Defensorias estão em discussão para caminhar no mesmo sentido. INFONET – Depende de quem a implementação da autonomia? EP – Veja bem, a emenda é auto-aplicável. O entendimento das Associações de Defensores, de todo o país, é que a situação dependem, principalmente, de vontade política. Então se os governadores começarem a sentar com os defensores gerais e decidir implementar como foi no caso de Roraima, ela poderá ser efetivada tranquilamente. É uma questão de vontade política. Basta que o governador sente e diga vamos resolver. Como vai passar a ser a Defensoria. Daí se reestrutura, revê quanto custa o órgão hoje e se repassa os valores para que ela continue funcionando. INFONET – A verba vem direto do Governo do Estado? EP – É é uma situação semelhante ao do Ministério Público. O MP é um órgão autônomo, assim como o Poder Judiciário. Então, o Governo arrecada e ele tem que repassar um pedaço da sua arrecadação para estas instituições. E a Constituição Federal contemplou a Defensoria Pública com a mesma situação. No caso, os governadores têm que repassar uma verba. Esta verba entra na Lei Anual de Planejamento Orçamentário, onde é estipulado um valor, 1 ou 2% da arrecadação, e o mesmo é passado até o dia 20 de cada mês. Daí advém o nome duodécimo. Porque pega-se o valor total e divide-se em 12 parcelas. INFONET – Como passaria a ser a Defensoria a partir daí? Como seria gerida essa verba? EP – A partir de então o órgão passaria a auto gerir todas as suas atividades. Ela definiria sua política salarial, administrativa, a questão das aposentadorias. Tudo seria feito pelo própria Defensoria, tal como fazem o Ministério Público e o Poder Judiciário. Os concursos públicos para a instituição, funcionários e eventuais técnicos, também passariam a ser de responsabilidade nossa. Para isto, da mesma forma que as outras instituições, passaríamos a ter um departamento que seria o Financeiro. Ele iria receber os recursos e iria repassa-los para todas as unidades da Defensoria no Estado, com o intuito de pagar energia, telefone, salários, enfim, todas as despesas. Tudo vai ser pela Defensoria. Concedendo-se esta autonomia, com certeza, a instituição se tornará forte, vai crescer e ter mais instrumentos para realizar a defesa da população.
Edgar Patrocínio: “Defensoria não é um órgão criado por bom grado de nenhum governante”.
INFONET – Como funciona a Defensoria e a quem ela está ligada? Nível de mobilização da categoria está grande
INFONET – Como esta questão salarial afeta o trabalho da Defensoria? Autonomia depende de vontade política do Governador
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