Déficit habitacional provoca ocupações urbanas

Famílias à margem da linha do trem

Um levantamento feito pela Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA) em 2001 apontava que a cidade tinha um déficit habitacional de 23.751 unidades de moradia. De lá para cá, não há outro levantamento de números absolutos. Contudo, três ocupações irregulares em pontos diferentes do município, que abrigam mais de 600 famílias, apontam que esse problema ainda não foi solucionado.

 

Nos últimos dois anos, segundo informações da Prefeitura de Aracaju, foram construídas 3.138 unidades habitacionais na capital sergipana, o que representa, de acordo com a administração municipal, uma redução de cerca de 14% do déficit habitacional.

 

Essas pessoas estão acampadas à beira da av. Euclides Figueiredo, no bairro Porto Dantas, no antigo Clube da Telergipe, no Robalo, e próximo à linha do trem no Distrito Industrial de Aracaju (DIA). Em barracos de lona e papelão ou na velha sede do clube, eles vivem em habitações que o secretário de Planejamento do município, Luciano Pimentel, classifica de subnormais.

 

Criança na invasão do Porto Dantas
A situação mais premente é a das famílias do Porto Dantas, que receberam a ordem de despejo da Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb) no último dia 09. O presidente do órgão, Valmor Bezerra, afirma que na próxima semana, os cerca de 30 barracos devem ser derrubados.

 

Porto Dantas

 

Dona Maria Eunice, uma das moradoras dessa ocupação afirma que assinou a ordem de despejo sem saber o que era. Ela não sabe ler e mal sabe escrever, apenas assina o nome, e não conseguiu entender o que estava escrito no documento. No barraco de pouco mais de 2 m², ela vive com o marido e sete filhos. “A consciência é deles que têm um palacete para morar e vão colocar a gente pra fora do barraco”, se queixa.

 

Ordem de despejo
O marido dela, Evaldo Santos, mostra indignado o lugar onde moram: um único cômodo separado por lençóis, duas camas de varas e uma lâmpada pendendo do teto em uma ligação clandestina. “Se eu tivesse outro lugar para ir, eu estaria nessa situação? Nós enriquecemos eles e eles nos botam pra fora”, desabafa.

 

A vizinha do casal, Maria Aparecida, está em igual situação, morando com marido e cinco filhos. Ela se ressente de ter que deixar os filhos expostos ao perigo do trânsito da avenida em frente e às doenças que podem contrair andando descalços pela lama. Aparecida veio de Arapiraca atrás de emprego, sem lugar onde ficar, morou embaixo de ponte quando chegou a Aracaju.

 

Para Pimentel, da Seplan, essa migração de municípios do interior de Sergipe e de Estados próximos é um dos principais fatores de criação desses espaços de degradação humana. “Aracaju exerce um fascínio sobre as pessoas de outras cidades e Estados, que aqui chegando, como não têm uma capacidade financeira de comprar um imóvel, acabam criando esses bolsões de habitações subnormais”, explica o secretário.

 

PAC

 

Gilvânia Cavalcante constroe barraco no estacionamento do clube
Próximo do local onde estão esses barracos, também às margens da avenida Euclides Figueiredo, existem centenas outros que também serão derrubados posteriormente. Mas as famílias que habitam esses lugares irão para casas que serão construídas no Coqueiral, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

 

Essas famílias já haviam sido cadastradas pela PMA para serem beneficiadas com as novas habitações. As que chegaram depois de realizado o cadastro, e as que ainda podem chegar, não poderão receber as casas. “Nós temos uma grande dificuldade de congelar a área. Se falarmos que vai ter 600 casas lá, amanhã aparecerão mil outras famílias”, esclarece Pimentel.

 

Telergipe e DIA

 

Ocupação no Porto Dantas
Até mesmo as ocupações no Clube da Telergipe e no DIA vivenciam essa dificuldade em congelar o número de famílias que chegam pedindo abrigo. Diariamente, eles recebem dezenas de pessoas querendo fazer parte do grupo, embora, já tenham cerca de 300 famílias cada.

 

As pessoas que estão nesses locais moravam anteriormente de aluguel em quartos de vila, em casa de parentes, em barracos em outras invasões ou até mesmo embaixo de pontes. Gilvânia Cavalcante, que está no clube, conta que morava em um quarto e pagava R$ 150 de aluguel. “Para quem ganha salário mínimo, isso é muito”, diz.

 

Luciano Pimentel, secretário de Planejamento
Lá, eles começaram a construir os barracos de lona com 3x4m, em um acampamento provisório, no local onde antes era o estacionamento. Enquanto não ficam prontos, todos dormem na antiga sala de jogos, amontoados. Eles planejam dividir o terreno em lotes de 10x20m, para que as pessoas construam casas.

 

No DIA, os barracos medem apenas 2 m², e atualmente se estendem apenas pela faixa de 15m à margem da linha férrea, que pertence à empresa Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).

 

Conflitos

 

A FCA enviou um técnico em segurança do trabalho para analisar o local. Segundo a assessora de comunicação da empresa, Simone Lanes, a Ferrovia espera chegar a um acordo com os ocupantes através do diálogo, sem ingressar com ação na Justiça. “A empresa entende e respeita a posição deles, mas esperamos contar com a colaboração para que, por segurança deles mesmos, saiam da faixa de domínio da ferrovia”, esclarece.

 

No momento, a FCA aguarda um retorno das lideranças da ocupação, para ver quais as próximas providências a serem tomadas. Já a Telemar, atual proprietária do clube, conseguiu uma liminar de reintegração de posse. O documento foi levado até os ocupantes, mas eles se recusaram a assinar o recebimento.

 

Por Gabriela Amorim

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