Flanelinha: benefício não deu certo em outras cidades

Galego exibe orgulhoso a documentação e faz plano para aposentadoria (Fotos: Portal Infonet)

Há 15 anos, o guardador e lavador de veículos Edvaldo Santana dos Santos, conhecido como Galego, atua na rua Monsenhor Silveira, bairro São José. Aos 47 anos, Edvaldo comemora orgulhoso a documentação que deu entrada para a regularização. De acordo com Galego o fato de ter sido levado pela polícia por exercício ilegal da profissão fez com que ele agilizasse o documento. “Nunca pensei de ser colocado dentro de um carro de polícia e levado como se fosse uma pessoa que cometeu um crime. Foi uma vergonha muito grande, mas agora estou com toda documentação e vou pagar R$ 59 ao INSS todo mês”, vibra.

O advogado criminalista e especialista no assunto, Dr. Oneir Vitor O. Guedes,  que possui vários artigos publicados sobre os flanelinhas em revista e periódicos nacionais, esclarece que a polícia agiu na forma da lei e que pedir dinheiro em troca de "dar uma olhadinha no seu carro" sem possuir a devida autorização das autoridades competentes, incorre em contravenção penal de exercício irregular de profissão ou atividade baseada no artigo 41 do Decreto-lei 3.688/41, sendo necessária a atuação policial.

Documentação é motivo de dignidade

“Recentemente o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, integrante da Turma Recursal Criminal de Belo Horizonte, acatou um recurso do Ministério Público para aceitar uma denúncia que havia sido rejeitada em primeiro grau porque a Juíza envolvida no caso considerava a conduta dos flanelinhas atípica, apenas um problema social. Em sua decisão, Narciso Alvarenga afirmou que a profissão de guardador foi regulamentada por lei, sendo que qualquer indivíduo que exercitar o ofício sem atender as condições legais impostas estará praticando a contravenção penal descrita no artigo 47 da Lei de Contravenções Penais (exercício irregular de profissão ou atividade). O magistrado aproveitou a oportunidade para rebater o outro argumento levantado em primeiro grau: "Vale mencionar também que a questão social não pode ser utilizada para a rejeição da denúncia, tendo em vista que milhares de pessoas no Brasil encontram-se desempregadas e nem por esse motivo ficam pelas ruas cometendo crimes e contravenções penais"(sic). Se o município ou  Estado não proporcionam formas para cadastramento e regularização dos guardadores, isto significa, simplesmente, que a atividade não pode ser praticada", relata o advogado.

Galego diz que não esquece o dia que foi levado pela polícia

O advogado diz ainda que a regulamentação da atividade não deu certo em nenhuma parte do país e lembra que a primeira cidade a tentar regulamentar a atividade foi Ribeirão Preto, em São Paulo, através da Lei Municipal 8341/99, que permitiu a celebração de um convênio entre a prefeitura e um sindicato de guardadores de veículos, mas a cidade enfrentou a impossibilidade de uma efetiva fiscalização.

“O convênio foi extinto e atualmente a cidade está entre aquelas que mais enfrentam problemas com flanelinhas no país. A despeito deste fracasso, dois deputados federais apresentaram projetos de lei que pretendiam expandir a experiência de Ribeirão Preto para todo país, a saber, o PL 6958/02, de autoria do Deputado Lamartine Posella (PMDB/SP), e posteriormente o PL 2725/03, de autoria do Deputado Cláudio Magrão (PPS-SP). Por óbvio, ambas propostas foram rejeitadas, ficando inclusive demonstrado pelo relator do último projeto que a lei editada em Ribeirão preto é flagrantemente inconstitucional porque "contraria o art. 30, inciso I, da Constituição Federal e o princípio federativo". Na condição de relator, o deputado Eudes Xavier (PT/CE) afirmou ainda que "deve ser lembrado, outrossim, que a segurança dos cidadãos deve ser garantida pelo Estado, mediante a atuação de servidores públicos e não de trabalhadores autônomos”, cita o advogado.

80% envolvidos em crime

Dr. Oneir Vitor O. Guedes enfatiza que o regulamento apesar de ter sido comemorado em todo país, estava fadado ao fracasso, já que ele exige dos candidatos a guardadores oficiais a ausência de antecedes criminais.

“Ora, um levantamento feito pela polícia civil em 2008 constatou que 80% dos guardadores que atuam no Distrito Federal possuem passagem pela polícia por algum tipo de delito. Assim, ainda que alguns flanelinhas venham a ter sua situação regularizada, a maioria permanecerá na ilegalidade por possuir máculas pretéritas em sua ficha criminal e continuarão a cometer toda sorte de abusos. Os municípios citados são apenas alguns dentre os muitos que tentaram, sem êxito, coibir esta tormentosa atuação . Mas o maior exemplo de que outros ramos do direito são incapazes em solucionar o problema dos guardadores clandestinos encontra-se na cidade do Rio de Janeiro”, observa o advogado que diz que na capital fluminense, vários sistemas já foram testados incluindo vaga certa, período único, rio rotativo, entre outros.

"Regulamentação da atividade não deu certo em nenhuma parte do país", diz Oneir  

“Sem que nenhum resolvesse ou ao menos amenizasse a questão, que atualmente é umas das principais reclamações dos cariocas. Já se tentou colocar a venda de talões a cargo de um sindicato de guardadores, sem êxito. Implanto-se um modelo em que os motoristas podiam comprar tíquetes em bancas de jornais, igualmente sem sucesso. Em 2001 a prefeitura iniciou o sistema "auto-operativo", no qual o negócio de compra e venda de talões de estacionamento foi colocado a cargo de pessoas físicas e de um sindicato (Singaerj), cooperativas e associações, o que acirrou ainda mais disputa pelas vagas”, lembra.

Proposta

Após estudos e pesquisas realizadas em todo país o advogado Oneir Guedes menciona que é preciso uma nova postura a ser adotada pelas prefeituras, buscando alternativas para eliminar a atuação nas ruas dos municípios através da inclusão no mercado de trabalho formal.

“Não se trata de formalizar a informalidade, mas sim de proporcionar alternativas de subsistência através de uma ocupação digna. O cadastramento de guardadores reflete uma atitude comum da política brasileira em relação aos seus problemas. Ao invés de combatê-los, junta-se a eles, de modo que aquilo que é clandestino acaba se tornando público e oficial, ainda que seja flagrantemente acintoso à moralidade pública e ao sistema jurídico como um todo. Problemas que deveriam ser energicamente combatidos acabam sendo vergonhosamente institucionalizados”, expressa.

Por Kátia Susanna

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